sexta-feira, 21 de maio de 2021

Tudo de bom para os otários


Uma vez mais a imprensa põe em tela, por meio de uma revista televisiva domingueira, a questão do uso da “empurroterapia” nas farmácias. Coisa antiga. Não é a primeira e certamente não será a última vez que a imprensa hegemônica baterá nessa tecla, trazendo à luz  um expediente que não representa novidade alguma. Seja para quem trabalha em farmácias, seja para a população que consome produtos farmacêuticos. 

Documento da OAB sobre a CPI voltada para a prática, em 2000, define a expressão BO no ambiente farmacêutico como “medicamento bonificado”, ou seja aqueles remédios “adquiridos da indústria em condições comerciais mais favoráveis”. Por outro lado, a mesma expressão mantém a conotação de “bom para otário” no jargão dos balconistas de farmácia, na venda de produtos sem efeito ou mais caros.

Lá pelos anos 90 frequentei muito um desses estabelecimentos. Uma amiga trabalhava em uma unidade de rede e, de passagem, muitas vezes a visitava nas horas mornas de movimento. Foi ela que me passou a fita. “Tenho pena, dizia ela, de algumas mulheres que chegam aqui desesperadas, com seus pequenos acometidos de alguma enfermidade.”. Questionei o porquê dessa aflição. Explicou-me. “É que cada vez que uma situação dessas ocorre, os balconistas recorrem ao B.O para resolver a questão”.

O tal B.O, numa tradução jocosa, corrente e bem compreendida e internalizada no jargão dos atendentes , seria o “BOM para OTÁRIO”, que nada mais é que a ação pouco honesta, digamos, de promover a venda de um medicamento cujos efeitos são impossíveis de se prever. Muitas vezes medicamentos são empurrados sob alegação de representar economia no bolso do consumidor. 

Geralmente na hora do desespero, da procura aleatória por algum sanativo ou de  uma compra qualquer, os balconistas fazem questão de sugerir marcas similares ou genéricas, produtos mais baratos, enumerar as promoções e promover as benesses dessa ou daquela droga ou suplemento. 

Nessas horas, a farmácia adquire feitio de feira livre. Faz parte do negócio. Estratégia de sugerir necessidades, radiografar o bolso do consumidor e atiçar o consumo. Quanto mais impiedoso se for, melhor para os negócios. Mesmo o consumidor mais desatento já percebeu e desconfiou dessa diligência dos atendentes. Muitos já caíram na conversa e engordaram suas cestinhas básicas com produtos sugeridos. 

Quando  a imprensa se dedica a um tema como esses, o habitual parece ganhar ares de exceção, excentricidade. Nada disso. O grande feito, além da constatação da obviedade corriqueira, é a investigação capaz de mostrar os bastidores dessa prática. Ou seja,  os mecanismos que envolvem laboratórios, redes de farmácia, gerentes de unidades e operadores de balcão. 

Uma corrente (des) virtuosa que, nada mais é, que a aplicação lógica das leis de mercado. Business is money. Vender é preciso. Nenhum negócio se sustenta se as possibilidades  de venda não forem exploradas; se o consumidor não for levado a contribuir, compulsivamente,  com o saneamento do negócio lá na ponta do varejo. Uns ganham muito, outros medianamente, enquanto, lá na base, sobra uma laminha para a raia miúda.

A imprensa cumpre um papel nesse tipo de questão. A iniciativa de levar a cabo uma matéria com este teor deve, contudo, demandar negociações editoriais. Nem sempre interessa aos veículos explorar tais nichos, por razões também comerciais. Quando, por acaso o faz, supera o cotidiano de matérias acorrentadas aos sucessos escabrosos, os anúncios, a superficialidade dos fatos, a ciranda política e o opinismo militante. É a hora e a vez da natureza investigativa do jornalismo.

A empurroterapia como vimos já foi motivo de CPI, essa instituição parlamentar que nada resolve. É motivo popular e pauta da imprensa incontáveis vezes. Sobretudo é uma prática corrente e  reincidente. Enfim, uma agenda perene em todos os escalões da opinião pública. Dos envolvidos diretamente, os operadores dessa bolsa e os que tem sua fé e seus centavos desembolsados. 

Ao fim, resta só a cara dos CEO’s das redes farmacêuticas e presidentes de organizações classistas, mostrados em matéria de nível nacional, negando tudo e prometendo severidade no combate aos abusos. Me engana que eu gamo. Falei que a “empurroterapia” não é novidade para ninguém. E é sério. Sério mesmo é só a cara das velhas corporações do brasil tentando passar o cheque da idoneidade.

por Edson de França


 


 


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