sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Os bem-amados

Não sei em que escola de jornalismo eles se formaram. Imagino apenas que, a rigor, não passaram por escola alguma e somam, para o exercício do oficio, algum conhecimento técnico da comunicação “interpessoal” mediatizada, desconhecimento geral das minudências relativas ao ser humano e sua organização histórico-social e, ademais, uma militância política unicamente movida por interesses pessoais e, na maioria das vezes, com uma leve essência de estelionato midiático.
Tracei, grosseiramente, um retrato dantesco do espécime que mais prolifera em nosso jornalismo atualmente. Em alguns meios, sobretudo super  populares como o rádio, são eles que nivelam por baixo a qualidade das emissões. Com seu comportamento, a um tempo intencional e oportunista, contribuem para a desinformação geral e, sobretudo, para a formação de opiniões gerais, necessariamente descontextualizadas, retrógadas, conservadoras e de baixa análise sócio-estrutural e de conjuntura.   
Na real, creio que eles sempre existiram, afinal, na história da comunicação e do jornalismo especificamente, quem tem um olho “crítico” e uma voz altissonante sempre se passou por aglutinador dos interesses maiores da maioria sem voz. Uma subespécie de paladinos da “razão” pública. Em alguns momentos, seja ocupando o centro das atenções, seja escapando entre os guetos infectos da desimportância, os “comunicadores” de voz possante e ideias enviesadas sempre estiveram presentes na cena social.
O jornalismo contemporâneo, do impresso ao televisivo, foi concebido para ser produzido por grupos empresariais que pudessem manter, minimamente, equipes altamente especializadas, dedicadas à composição do produto noticia. Equipes que entendessem o produto em todas as suas nuanças: técnica, ética, estética e comercial. E, também, pelo significado e importância político-social de sua emissão.
Criou-se, em torno da notícia, um campo intelectual amplo que discutia da captação e da formatação ao plano gerencial e aos limites da penetração social dos conteúdos. Essa é uma função político-empresarial com certeza, pois liga as estratégias do negócio comunicação às bases de negociação e influencia que a noticia pode adquirir. Vem dessa base estruturada, especializada, sutilmente política e politizante, a expressão do jornalismo como um quarto poder.
Um quarto poder exercido não pelo grito banal, mas pela coerência dos argumentos, pela seriedade na apuração, pela coragem de abrir caixas-pretas e desafiar os autoritarismos de toda ordem, pela análise diuturna e balizada da conjuntura política, da noção exata dos danos irreparáveis de uma emissão irresponsável. Talvez seja este rosário uma quimera e apareça um dedo pronto a apontar a irrealidade dessas premissas e a afirmar que a comunicação pública sempre foi e será um lamaçal pronto a expirar perdigotos por todos os lados e contaminar o tecido social.
Talvez, o impacto das “notícias-mentira”, sobrepujem os idealismos, acostumem corações e mentes ao conformismo das palavras esvaziadas de sentidos mais profundos e enterrem de vez a ideia de um jornalismo mais sério e comprometido com a emancipação do homem e da coletividade. É esse, enfim, o caminho que tomamos com a falência da organização da produção jornalística, o individualismo laboral dos âncoras histriônicos das rádios e tvs populares e, finalmente, com a infestação do pior da “política” no editorial vigente.
Limitada, interesseira, controversa, hedionda, alarmista são apenas alguns dos adjetivos que se pode colar, qual decalque na produção jornalística de maior ibope no atual momento. É ela, profusa, atabalhoada, porém, precisamente, que orienta os comportamentos mais torpes por parte dos profissionais e promove lacunas contextuais nos conteúdos disseminados por aí. Melhor, contribui para criar maiores contingentes de gente desinformada e, pior, conformada e remotamente guiada.
por Edson de França
 
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terça-feira, 18 de agosto de 2015

Da festa ao fosso

Convenhamos, caríssimos companheiros do front jornalístico, que nosso dia a dia é ponteado por pautas, motivos e situações intocáveis. Inalcançáveis, até. Isso devido, com certeza, ao nosso limitado domínio das artes de perscrutar, ao moderado estilo de inquirir, aos nossos meios operacionais e acessos disponíveis e, é claro, às temíveis conjunturas politicas, dadas a conveniências várias e censuras particulares.
Quem está na arena, seja como mero registrador de eventos ou agente inteligente e provocador, seja como mero espectador ou analista privilegiado da mídia, tem que direcionar o periscópio e magnetizar as antenas da crítica para perceber-se, também, dentro dessa condição paralisante do bom exercício da informação clara e precisa.
Há situações e temas espinhosos, caixas-pretas que não podemos abrir, solos de mansardas e palacetes que queimam nossos pés, truculência e maneirismos de figuras de proa do cenário político, econômico e até da militância dita social. Além, é claro, das tesouras que limitam nossas asas e da subversão da mente que contribui com nossa idiotização. Primeiro individual, depois, a partir da propagação do nosso trabalho, coletiva e contagiosa.
Dificilmente, alguma pauta de real e grandioso interesse coletivo ganha as cores e a profundidade ideais para parâmetros básicos de informação que sirvam como ganho real no nível de conhecimento do público.
Discordo do profeta Raul quando insinuava ser o jornal um monte de mentiras. Mas isso é apenas a defesa apaixonada do trabalho de inúmeros colegas que ralam incansavelmente para produzir jornalismo.
Por outro lado, não posso negligenciar a alfinetada sagaz do maluco beleza. O jornalismo pode não ser um calhamaço de mentiras, mas não passa de um produto enlatado para consumo. Pense em enlatado como veneno para saúde, para o corpo ou para a mente conforme o caso.
O enlatado, geralmente, promete gostosuras, praticidade, com garantias de essência imaculada. O jornalismo promete verdade, imparcialidade, objetividade e, mais recentemente, imediatismo.
Do enlatado, suprimem-se (quando se adicionam os conservantes) a essência vital dos alimentos aprisionados. Por extensão, caem os sabores naturais (por vezes, substituídos por artificialismos). É preciso garantir vida longa ao produto como forma de garantir muitos dias de vida na prateleira dos peg-pagues do mundo.
No jornalismo, o caminho da fonte ao leitor, expectador ou ouvinte é floresta de lobos vorazes e maquiavélicos.
As matérias de transito fácil, que envolvem interesses e narcóticos massivos, são o oba-oba da cobertura jornalística. Abrem-se janelas, escancaram-se portas, estendem-se os tapetes vermelhos para profissionais de ponta e pixotes amadores. Todos tem acesso a tudo.
É a hora do oba-oba da notícia.
O interesse é, claro, massificar a informação para que todos saibam todos os detalhes superficiais da ação e atendam ao chamado do berrante. Saber só, não. É preciso acreditar, multiplicar, transferir, replicar até perder de vista.
Pergunte, por exemplo, em nome da transparência, que se ponha luz sobre os contratos das estrelas de festas populares. Pauta fácil para profissionais e holofotes de qualquer rincão perdido pelos cafundós dessa república. Acho, com certo escarnio, que vão transpor o vermelho do tapete para teu corpo amarrotado.
Quando algum golpe está em caminho, naqueles casos em que a mídia é conivente (quando não mentora), abrem-se escaninhos ocultos; números e estatísticas viram café da manhã, almoço e jantar; perdas e ganhos são sopesados diariamente.
Cria-se um clima de terror ou de derrocada anunciada. Algo assim como a invasão imaginária de homenzinhos verdes no planeta. Nesses momentos, o ilustre inquiridor, sempre se achará um arauto da verdade, da veracidade, da moralidade e outros ades a mais. É bom pensar nisso.
por Edson de França  


 


   

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Em volta da viola

Parece mágica. Círculo de amigos, zumzum de falas em todos os tons e timbres possíveis, exortações e ânimos exaltados, doses e doses, ampolas e ampolas de cerva, piadinhas amiúde, sarros com as caras deste, daquele ou daquela, palmas ou risos para uma relembrança qualquer que aflora.  De repente, alguém se lembra de requerer o “auxilio luxuoso” de uma viola... Ela chega tímida, muda, meio desafinada, rouca. Vai infiltrando-se e recebendo apalpadelas em seu corpo esguio. Procura-se alguém que, mesmo parcamente, atire-se ao misterioso universo de cordas e sons.
A subordinada ave canora voeja a procura de um ser que harmoniosamente acaricie suas cordas vocais expostas. Passa de mão em mão. Mãos delicadas, mãos rudes, desajeitadas manoplas. Se tivessem ouvidos, chorariam ao ouvir comentários estabanados. “O que me atrapalha são as cordas”. “Tenho uma frustração: não aprendi tocar”. Tenho um bom ouvido, sei até afinar, mas tocar, parceiro, é outra coisa”. “Tu aí, metido, tu gosta de tocar? Porque não aprende?”. “Se tiver quem toque, eu canto!!!”. Alguém ameaça fazê-la de atabaque.
A viola declina, com certa arrogância, de assédios tão “tentadores”. Almeja tão somente chegar às mãos de quem a submeta aos limites de sua destinação existencial. Que a toque, que extraia do seu ventre algum som minimamente harmônico. Um herói, antes tarde que nunca, toma posse do pinho esculturado em formato feminino. O dispõe sensualmente entre as pernas e entre os arrulhos da companhia passa a tentar uma mínima afinação.
Parece magia. Aos poucos a caótica reunião passa a ter um motivo, um alvo de atenção, um antídoto anti-dispersão. O barulho diminui, os ouvidos parecem aguçados, as mentes a buscar melodias perdidas como se a simples presença da ilustre viola pudesse fazê-los recordar (e recordar é viver, já dizia uma velha canção perdida no tempo) os maviosos arranjos de suas afetivas canções.
Caso haja um prodigo virtuose entre os camaradas, a tertúlia tenderá a execução precisa de clássicos. Como geralmente um desses não está ao alcance fácil das rodas boêmias contemporâneas, a rodada de hits será composta de musica popularesca e altissonantes vozerios, enganiçados e precários. Mas tudo estará certo. Haverá magica no ar, afinal ninguém quer mais que a companhia da viola.
Quando o misterioso universo das madeiras, cordas e trastes passa a ser penetrado, bolinado, descoberto, exposto, mesmo que por mãos pouco habilidosas e conhecimentos musicais superficiais, existirá magia no ar. Ouvidos, também pouco afeitos aos conhecimentos estéticos musicais mais intensos, nada se importarão com a intromissão.
Melhor. O mistério dos dedos que atiçam cordas e despertam sonoridades atrai. São bruxedos, mistérios, mandingas, artes de prestímanos para iludir ou encantar plateias.  As melodias que daquele inusitado encontro saem despertam sentimentalidades adormecidas. As proximidades entre os elementos – instante, instrumento e artífice – perfazem o quadro mágico. A proximidade pessoal de estar dentro da mágica faz o circunstante ativo no espaço da magia.
Parecerá tudo então mágico como um Choro Bandido (Edu Lobo/Chico Buarque). “Mesmo que os cantores sejam falsos como eu/ Serão bonitas, não importa/ São bonitas as canções/ Mesmo miseráveis os poetas/ Os seus versos serão bons...”

por Edson de França

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Superior, em quê¿

Os cursos de terceiro grau no Brasil representam, medianamente, a realização para muitos concidadãos. Todo, mais todo mundo mesmo, que conseguiu passar em um vestibular, seja para universidade top ou inqualificável, comemorou às pampas.
Primeiro por ter galgado o patamar máximo da educação média, depois pelas perspectivas de aprendizado profissional, sucesso, ascensão sócio-econômica e etc. O coquetel básico para mentes medianas. Alguns semestres cursados depois, as opiniões sobre os superiores se dividem.
Uma enquete rápida com o alunado certamente colherá indícios de frustração, críticas bem adolescentes pelo teor superficial e, nos casos mais graves, flagrantes inadequações pessoais às rotinas do ensino universitário.
Rigorosamente, o recém ingresso nos cursos tem apenas um semestre para maquinar e descobrir, per si, qual é a do ensino dito superior. Nesse tempo, safamente, o indivíduo tem que sacar as rotinas, o nível de estudo que ali se pratica, as relações que se estabelecem entre docentes e discentes, acostumar-se ao “desregramento produtivo”, ao disciplinamento de sua agenda de estudo e vida social, às condições postas de dialogicidade, ao estabelecimento de parcerias e etc.
Sobretudo, entender que está só. Que até as relações amistosas que estabelece com os colegas não vão lhe valer na hora em que tiver de dar respostas pessoais, coerentes e integradas.
E esse não é um processo simples. E não o é, sobretudo, pela imaturidade que as séries anteriores plantaram no comportamento dos indivíduos. É que a nossa educação começa pelas “tias” com seu bando de “mimadinhos”, de onde os piás já partem desaprendidos de segurança intelectiva.
Num segundo momento, lança o ente aprendiz, de supetão, na idade da “rebeldia”. Contraditoriamente, a fase que direciona o indivíduo para todo aprendizado mundano e pouco, muito pouco, para uma formação mais consistente e autônoma.
Aqui, a rebeldia significa afronta gratuita e desacato a tudo e todos (sobretudo à escola) e aprendizagem enviesada, conservadora em conteúdo e soluções pedagógicas. Outra vez lá vamos nós, brasileiramente jeitosos, nos resumindo às corrupções escolares, aos pactos pela “mediocridade” do ensino tutelado.
   Já a aprendizagem em nível de 3º grau se dá pela disponibilidade pessoal para aprender.
Aprender, no caso, ganha expressão de experimentar, empreender, gostar de ler, ter desenvolvido ao longo da vida escolar a capacidade de absorver e entender o que foi lido, de ter antecipado etapas, roçando conhecimentos além do cardápio oferecido pelos conteúdos curriculares, de competência na reprodução do que aprendeu, repassar, confrontar ideias e por aí vai.       
Se alguém, por acaso, sai de um curso superior e tem coragem de dizer que por lá não aprendeu nada, deixa claro, sim, que não deveria era ali ter entrado. Melhor, demonstram claramente que, em muitos casos, o curso superior entre nós virou um adereço social, um souvenir, e não um passaporte para uma compreensão realmente superior da realidade e da força de intervenção socio-estrutural da área de domínio. 
Para coisas práticas, busca desenfreada de alguns oligofrênicos, cursos de fuxico e amenidades seriam bem mais aprazíveis. Satisfação garantida durante o percurso e maiores sensações de realização no final.

por Edson de França



quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Malandro é malandro...

            Cá entre nós, basicamente existem dois tipos de malandros. Os safos, profissionais, e os amadores. Seguindo as lições da velha canção de Neguinho da Beija Flor, pedra bruta no repertório do malandríssimo Bezerra da Silva, aprendemos ludicamente que “malandro é malandro, mané é mané”. Malandros e manés figuram no mesmo cenário, dividem a mesma cena (geralmente periférica), compartilham os mesmos trejeitos, mas se diferenciam pelos comportamentos endêmicos. Malandro nasce malandro. Mané é o malandro que pegou o bonde errado.
            Definir o malandro, talvez seja uma das coisas mais difíceis para os especialistas em malocagens. Isso porque o malandro tem um perfil social (pré) conceituado pela sociedade. A imagem do malandro pressupõe a bebida, a boemia, a jogatina, a promiscuidade sexual e a violência latente, só para ficar na nata. Ou seja, o ébrio, o rufião, o trapaceiro, o descuidista, o cafetão, o golpista, o mãos leves do carteado e outros tipos são os malandros enraizados no imaginário popular.
            Tal definição, no entanto, cai por terra quando personalidades como Moreira da Silva, o Kid Morengueira, ou o próprio Bezerra, já citado, se definiam por outro tipo de malandragem. A malandragem dos que bebem socialmente ou são abstêmios, não gostam de armas nem de armações, aqueles que, ao que parece, se especializam tão somente na difícil arte da sobrevivência. A arte refinada pelo drible de corpo para situações limite, o olho vivo, a língua controlada, o apuro das idéias básicas, um golpezinho de vez em quando, um blefe ou outro para manter a pele intacta.
            Com a ascensão de tal persona, aquele malandro arruaceiro e aproveitador, tende a virar um mané de marca maior. O mané tende a projetar uma figura si mesmo, a exaltar essa imagem, a sofrer crises agudas de destempero verbal. Podemos dizer, sadicamente, que o mané o malandro que acreditou na estereotipia corrente da figura. Vestiu a camisa, armou os ânimos, pintou-se com as cores e caiu na rua acreditando-se malandrão de fato.
            Quando penso no universo e na cultura da malandrice, tendo a estendê-lo, qual bandeira, nos varais de toda a vida. A vida em si carece daquilo que chamo de “boa malandragem”. A malandragem vista por esse ângulo é aquela em que os artífices são pra lá de maneirosos. Tendem a falar muito, mas não tocam em ponto nevrálgicos que possam ferir coletivas suscetibilidades, a não ser pelo viés da crítica jocosa, do folclórico das gentes e tipos.
Malandro que é malandro não usa a tintura para a guerra contra exércitos bem armados ou para multidões insanas. Sabem do seu papel limitado, camuflam-se camaleônicos, não comem a carne onde ganham o pão, não dão a falar de si, não criam tipos que não possam se sustentar na hora das brigas foice.
O mané, ao contrário, acreditando que a imagem é o que vale, age com trejeitos desajeitados, cria em torno de si lendas e hábitos, que acredita promoverem a infalibilidade e a indestrutibilidade. Mas ficam por aí, na lenda. O mané social, na real, quer ser o que não é. Quer ter o que não pode. Quer viver o que não lhe é permitido. “São caboclos querendo ser ingleses” (Viva Cazuza e sua “Burguesia) ou “chupim querendo ser cardeal”, como nos ensinava um velho excerto embutido em velha cartilha de infância.

por Edson de França