terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Glória Cigana (poema revisitado)

Estrelas não caem do céu.
Elas brotam do chão, vez em quando,
como flores.
São únicas, inimitáveis,
raras tão somente.

Solitárias.

A terra as retém e é-lhes estéril,
suga-lhe o sumo e o viço da entrega.

Pela perenidade de apego,
de compreensão, de seiva humana,
a hostilidade campeia ao seu redor.


Frágeis,
da natureza das flores,
em pedra sobre pedra,
apedrejando-se qual masoquistas,
artifices da inglória arte do conviver.

Caem, decerto,
mas se revigoram
e brilham sob o olhar de toda a gente.

Como místicos vagalumes, andaluzes,
ciganos da noite e do dia,
sobrevivem para o espanto geral.

Quando se vão
o amálgama luminar
de beleza e vida e cor e voz
que as definiu
mora no éter,
eternizando-as.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Tema do amor vivido

um amor chão e terra
ímpar como uma foto três por quatro
tese minha,
toda a simplicidade chique da erva daninha.

deixai o amor de céu e sonho aos poetas
(aqueles que não vivem)
nessa utopia,
nosso céu é o dia a dia.

Impulso/1997

A imargem do rio

Nos chãos onde pisou meu pai
Piso eu, agora,



Meu pai foge para a margem do rio
para pilotar jangadas frágeis.

De seu,
o sorriso menino, brincalhão,
os teréns de uma vida inteira,
a gagueira interminável
difícil de dizer "alô"
que não diz: se vai.

Nos chãos onde pisou meu pai
pisei eu, agora,



os passos estão lá,
estão aqui onde piso
e pisa meu pai comigo, consigo.

Impulso/1997

Não, não olhai apenas o campo - Dia de Bingo (poema revisitado)

dias de terra e poeira
vermelha como o sangue vertido
mulheres sãs em modelitos de antanho
jovens, new look, vitrine viva
de um tempo particular

procissão de bicicletas
num culto a velocidade e ao ruminar dos dias.

olhai, amigo,
olhai não apenas o campo desnudo
com suas distâncias a perder de vista
seus longuíssimos horizontes
parecendo desabitados.

olhai a liga humana que o compõe
que se esconde em suas dobras, caminhos,
curvas, verde ralo, mata espessa e cinza,
casebres malanjambrados e esconchos.

olhai,
olhai o vigor, a força, a beleza
e a esperança e o contentamento
dessas gentes, amigo,
também a se perder de vista.

Impulso/1997