quinta-feira, 29 de julho de 2021

Os permanentes da estação


 

Edson de França*


Todos os dias é um vai e vem/ A vida se repete na estação/ Tem gente que chega pra ficar/ tem gente que vai pra nunca mais (...) E assim chegar e partir são só dois lados da mesma viagem”, cunharam os poetas Fernando Brant e Milton Nascimento na inesquecível canção Encontros e despedidas (Milton Nascimento, 1985). 

Quando os poetas utilizam a palavra ficar não querem dizer efetivamente permanecer na estação. As estações são portas para quem chegou para ocupar um lugar no espaço da cidade. As estações são lugares de passagem. Não são definitivamente locais de permanência prolongada. Os transeuntes estão ali temporariamente. Objetivos, buscam apenas embarcar em um meio que os transporte a algum lugar outro.

Vão às suas casas atender compromissos profissionais, visitas sociais ou familiares. Chegam à estação, aspiram ar, analisam o ambiente, acabam respirando algo – se forem ao banheiro, então, seus narizes serão contemplados com um misto de odores do cão - e levando consigo suores, fumaças de cigarro, perfume barato, resquícios de gente em movimento em si. Demoram-se pouco. Se vão.

São populações hegemonicamente flutuantes. As estações são mutantes, multiformes, transformam e redimensionam imediatamente sua paisagem. Obedecem à logica cartesiana e inexorável dos relógios. Ali todo mundo tem pressa. Até os que chegam “só para olhar” tem um tempo determinado. 

Seja de ônibus, trens, metrô, o que se quer é sair dali, buscar destinos. Deseja-se, na maioria dos casos, é abandonar o local, permanecer só o tempo da espera. 

Mas como é toda regra tácita, as exceções mostram-se escandalosas. Há uma população que fica, se estabelece, cria raízes. Uma turba que trafega entre o mundo visível e o invisível. Que ficam ali, feito árvores, monumentos a estática humana tão somente por não ter onde ir. Um endereço, um CEP...

Os terminais de integração, as rodoviárias, as estações de trem vivem uma rotina intrépida. Movimento e pouca permanência dão o tom, fazem a logica e até o charme prosaico do local. Os que, por necessidade, ali criam raízes são a vida que estagna, a paisagem vegetativa, a hera, a flor vital exposta a intempéries da razão humana. A paisagem se pintada, cantada, descrita ou documentada, os contempla. Não os inclui, os fixa em cores, sons, versos. A insensibilidade humana, por seu turno, jamais os lê.

*Jornalista, poeta e cronista

segunda-feira, 24 de maio de 2021

Marchinha do língua de graxa

 

Repartição é uma palavra antiga. O vocábulo “antanho”, como fazem uso os doutos, talvez lhe adjetivasse melhor. Quando penso na palavra, e no ambiente que ela evoca, invoco mentalmente a personagem que a frequentaria. 

Um tipo franzino, trajando calça de brim com vinco acentuado, camisa lisa de manga curta impecavelmente engomada, sapatos gastos, brilhando mais que trilha de lesma. Completando o visu escovinha, o cabelinho repartido no meio e um bigodinho sovina. Em dias mais solenes traja um paletó meio puído, herança de algum tio defunto.

Quem passeia pelas ruas do passado como eu notará que a figura que compus lembra o figurino do personagem “O Amigo da Onça”, criação do cartunista Perícles de Andrade Maranhão, publicado pela Revista Cruzeiro, de 1943 a 1972. Tracei inicialmente os caracteres físicos, mas não esqueci os atributos psicológicos inerentes.

Exemplares do típico funcionário da repartição, que na nomenclatura moderna recebe o nome de secretaria, setor ou escritório, podem ser encontrados nos romances e contos de Machado de Assis e Lima Barreto. 

Imagino-o saindo de casa, às  6 horas e quinze minutos de uma segunda-feira, de sua morada localizada em um subúrbio bem afamado, dando um beijo na testa da “fiel companheira" e proclamando: “Não posso me atrasar para o expediente na repartição!”

A primeira vista ele engana. É muito gente boa. Leva uma vida simples vida simples, frugal, sem muitos vícios. Mas a convivência certamente o levará a concluir que, por trás da lã superficial, encontra-se o verdadeiro “finório da repartição”.

Não quero de forma alguma afirmar que a figura é uma espécie endêmica dentro das repartições do funcionalismo público. Os cartórios estão cheios de engomadinhos suspeitos que compõem, sem jaça, essa irmandade. Aponte o seu, onde quer que esteja.

São gente boa em boa parte. Escondem uns pecadilhos decerto, sob a pele de “cidadãos de bem”. Porém, quando compõem a “legião do mal” se destacam escandalosamente pelo caráter duvidoso, pela ética controversa e, sobretudo, por aquele tapete vermelho portátil que ele estende toda vez que o chefe cruza o batente da repartição.

A repartição se modernizou, é claro. Respira-se outros ares, os figurinos sofreram a influência dos modismos hodiernos. Aquele tipinho foi ultrapassado, assim como as rotinas dos setores. Mas guardem a imagem. A fauna humana que nela se reproduz, entretanto, vez ou outra sente saudades de “antanho” mostra-se exuberantemente reacionária, bem disfarçada por trajes modernos.

A maioria, como dissemos, é gente boníssima. Pacatos na medida certa, educados, prestativos, até ciosos de seus ofícios. Mas, para toda regra rolam exceções estrambóticas. Eis o feudo dos ardilosos, sonsos e sagazes da repartição, aqueles que compartilham expedientes similares ao amigo da onça aludido acima, com o agravante de serem periculosos, com tendências a dedos-duros e, sua maior característica, chaleiras do chefe. 

Em sua homenagem, o poeta popular (no caso, o cronista que vos dirige a palavra), dada as singularidades do colega, traçou os versos que seguem, cantáveis em ritmo de marchinha de carnaval. 


Pra polir bem 

Você não acha

Um lambe botas

Tem que ter língua de graxa



Um escovão 

E uma escovinha

Para manter 

O piso do chefe na linha  


Passa, passa o trapo companheiro 

Lambe até brilhar 

Que o chefe é tenso 

Não dá bom dia 

E anda a procura de uma boa montaria 

De alguém que chegue

Se curve e brigue 

Para manter o calçado real nos trinques 


Dar à tramela

O texto e o tacho

Que lambe-lambe

Já nasceu pra ser capacho 


Deixa-me rir 

Não me socorre 

Que o tal menino

Se não lamber botas morre.


por Edson de França (poeta, cronista e Jornalista)


 


sexta-feira, 21 de maio de 2021

Vivas à incompetência

A incompetência sempre foi uma tônica marcante no sistema de meritocracia instalado por aqui. Ela acomete espécimes vários; por vezes incautos, por vezes, ladinos. Tradicionalmente, sempre convivemos com essas espécies espalhadas por todos os recantos da administração pública. Ironicamente, na iniciativa privada, apesar das exigências mais rígidas, eles também se criam. Em qualquer setor, contudo, a aparição deles parece seguir uma regra tácita e pétrea: mostrou algum grau de incompetência, vai para o começo da fila. Isso quando não viram os protegidos de primeira hora no organograma institucional e no sistema de promoções.

Tal aceitação tem explicações, claro. O incompetente, geralmente, é afável; troca suas limitações por afagos dedicados a quem de direito. Também é falante, simpático e dedicado às atividades triviais e prosaicas do ambiente de trabalho; raramente um incompetente é um mega chato. Claro que as exceções existem, mas, até o final da edição deste textículo, ainda não havíamos recebido os últimos levantamentos acerca dessas ocorrências. 

Por outro lado, quando alçado a algum posto de chefia, o incompetente se transforma. De uma criatura suportável dentro dos limites, torna-se uma excrescência coroada. Um abacaxi estragado, mas com ornamentos no cocoruto. Pensa ele que uma repentina e arranjada ascensão confere, automaticamente, ao portador um naco de poder. Para exercê-lo, por não ter maiores atributos vocacionais e habilidades profissionais,  ele incorpora um papelzinho qualquer para fiscalizar e cobrar trivialidades. A indumentária de capataz lhe cai bem.   

Mas a maior habilidade do incompetente talvez seja a capacidade de adular os chefes; troca fácil a capacidade laborativa por uma boa habilidade de lamber botas, a velha e boa bajulação. O incompetente comum desfila pelos salões com sua fantasia festiva. A fauna, porém, é variada. Não estranhe se do nada um mastodonte se materializar na sua frente, portando toda a sutileza que seu corpanzil admite. Vão sobrar arrogância, nariz empinado e um certo ar de superioridade intrínseco.

Nos últimos tempos, no nosso Brasil in-varonil, verifica-se uma verdadeira onda de incompetências laureadas. Emergiram das catacumbas, do segundo plano e da coadjuvância inofensiva. Empoderados, feito zumbis devoradores de cérebros, ocuparam o proscênio, compondo um espetáculo grotesco e potencialmente perigoso e antiproducente. Afora, claro, suas grandes contribuições satânicas para os ambientes de trabalho: a desarmonia, o desequilíbrio e o desestímulo.Vivemos a época do elogio da mediocridade, da nulidade e da incompetência congênita.

Infiltrados. Podem ser concursados, de carreira ou em comissão. Se espalham  pelas administrações estatais, forças armadas, judiciário, relações exteriores, enfim. No campo político, outra pá de gente estranha, devidamente eleita e empossada. O certo é que escancararam o portal desse inferno particular da vida brasileira e as  incompetências puseram a cara fora da máscara. Além das trapalhadas, naturais da espécie, o discurso que eles proferem serve para compor a pantomima. Incompetência gourmet, mal falante, servida em pratos devidamente sujos.

Para terminar esse texticulo é preciso dizer que o jornalismo e o mundo artístico não escapam dessa onda não. Sem surpresa alguma, pela cena artística figuram certa incompetência para criar (a intrínseca falta de talento) e capacidade de gerenciar a carreira, pecado de quem se acha liberal, mas não sobrevive às leis de mercado. Do lado jornalístico, a fala comprometida vem demonstrando a incompetência de velhísimas raposas da comunicação brasileira, que só conseguem ser independentes quando o vento sopra a seu favor. 

O que salva - ou pode dar sobrevida - a essa galera é que a categoria “incompetente” não é titulo que se lance no currículo. A marca não se fixa no papel, vai estampado na testa mesmo. Afinal, quem vê cara só vê cara.

por Edson de França



Tudo de bom para os otários


Uma vez mais a imprensa põe em tela, por meio de uma revista televisiva domingueira, a questão do uso da “empurroterapia” nas farmácias. Coisa antiga. Não é a primeira e certamente não será a última vez que a imprensa hegemônica baterá nessa tecla, trazendo à luz  um expediente que não representa novidade alguma. Seja para quem trabalha em farmácias, seja para a população que consome produtos farmacêuticos. 

Documento da OAB sobre a CPI voltada para a prática, em 2000, define a expressão BO no ambiente farmacêutico como “medicamento bonificado”, ou seja aqueles remédios “adquiridos da indústria em condições comerciais mais favoráveis”. Por outro lado, a mesma expressão mantém a conotação de “bom para otário” no jargão dos balconistas de farmácia, na venda de produtos sem efeito ou mais caros.

Lá pelos anos 90 frequentei muito um desses estabelecimentos. Uma amiga trabalhava em uma unidade de rede e, de passagem, muitas vezes a visitava nas horas mornas de movimento. Foi ela que me passou a fita. “Tenho pena, dizia ela, de algumas mulheres que chegam aqui desesperadas, com seus pequenos acometidos de alguma enfermidade.”. Questionei o porquê dessa aflição. Explicou-me. “É que cada vez que uma situação dessas ocorre, os balconistas recorrem ao B.O para resolver a questão”.

O tal B.O, numa tradução jocosa, corrente e bem compreendida e internalizada no jargão dos atendentes , seria o “BOM para OTÁRIO”, que nada mais é que a ação pouco honesta, digamos, de promover a venda de um medicamento cujos efeitos são impossíveis de se prever. Muitas vezes medicamentos são empurrados sob alegação de representar economia no bolso do consumidor. 

Geralmente na hora do desespero, da procura aleatória por algum sanativo ou de  uma compra qualquer, os balconistas fazem questão de sugerir marcas similares ou genéricas, produtos mais baratos, enumerar as promoções e promover as benesses dessa ou daquela droga ou suplemento. 

Nessas horas, a farmácia adquire feitio de feira livre. Faz parte do negócio. Estratégia de sugerir necessidades, radiografar o bolso do consumidor e atiçar o consumo. Quanto mais impiedoso se for, melhor para os negócios. Mesmo o consumidor mais desatento já percebeu e desconfiou dessa diligência dos atendentes. Muitos já caíram na conversa e engordaram suas cestinhas básicas com produtos sugeridos. 

Quando  a imprensa se dedica a um tema como esses, o habitual parece ganhar ares de exceção, excentricidade. Nada disso. O grande feito, além da constatação da obviedade corriqueira, é a investigação capaz de mostrar os bastidores dessa prática. Ou seja,  os mecanismos que envolvem laboratórios, redes de farmácia, gerentes de unidades e operadores de balcão. 

Uma corrente (des) virtuosa que, nada mais é, que a aplicação lógica das leis de mercado. Business is money. Vender é preciso. Nenhum negócio se sustenta se as possibilidades  de venda não forem exploradas; se o consumidor não for levado a contribuir, compulsivamente,  com o saneamento do negócio lá na ponta do varejo. Uns ganham muito, outros medianamente, enquanto, lá na base, sobra uma laminha para a raia miúda.

A imprensa cumpre um papel nesse tipo de questão. A iniciativa de levar a cabo uma matéria com este teor deve, contudo, demandar negociações editoriais. Nem sempre interessa aos veículos explorar tais nichos, por razões também comerciais. Quando, por acaso o faz, supera o cotidiano de matérias acorrentadas aos sucessos escabrosos, os anúncios, a superficialidade dos fatos, a ciranda política e o opinismo militante. É a hora e a vez da natureza investigativa do jornalismo.

A empurroterapia como vimos já foi motivo de CPI, essa instituição parlamentar que nada resolve. É motivo popular e pauta da imprensa incontáveis vezes. Sobretudo é uma prática corrente e  reincidente. Enfim, uma agenda perene em todos os escalões da opinião pública. Dos envolvidos diretamente, os operadores dessa bolsa e os que tem sua fé e seus centavos desembolsados. 

Ao fim, resta só a cara dos CEO’s das redes farmacêuticas e presidentes de organizações classistas, mostrados em matéria de nível nacional, negando tudo e prometendo severidade no combate aos abusos. Me engana que eu gamo. Falei que a “empurroterapia” não é novidade para ninguém. E é sério. Sério mesmo é só a cara das velhas corporações do brasil tentando passar o cheque da idoneidade.

por Edson de França


 


 


quinta-feira, 13 de maio de 2021

A voz e a presença das fontes perdidas

 

Para a exploração ou discussão de qualquer assunto é necessária a recorrência às fontes básicas. Por vezes exaustivo, esse é o processo que constitui a base do método de contar ou reconstituir histórias. 

É das fontes que o escriba extrai a água que vai permitir captar fenômenos A luz esclarecedora que vai dar um norte e aclarar o caminho do texto. É lá que se encontram as pérolas mundanas ou raras em forma de informações.

Penso, para esse caso, primeiramente nos livros, nos documentos de toda ordem, nas fotos, filmes e por aí vai. Fontes primárias porém. De certa forma mortas e um tanto quanto empoeiradas.

Em alguns casos, contudo, é preciso buscar, recorrer, acessar pessoas que venham a elucidar ou despejar opiniões sobre um fato; que venham a acrescentar pontos de vista a uma apreciação ou aclarar um episódio com suas experiências de vida e produção. 

São elas a cacimba vívida, o sal e a luz solar que vai dar vida ao texto. É imprescindível e aconselhável, sempre que possível, ouvi-las.

Faço esse preâmbulo para saudar algumas fontes que, com suas experiências, conhecimento e sabedoria, deram vida a variadas produções. O mundo do jornalismo, da ciência, do cinema documental e até da ficção, devem parte de seu brilho a fontes vivas.

Seja pontuando assuntos, sejam  como personagens centrais da narrativa, são elas o extrato mais rico da cultura e o insumo mais precioso da produção do conhecimento veiculado pelas mídias.

Para o jornalismo corriqueiro temos as fontes oficiais, os mandantes da vez, os queridinhos de áreas fins, o discurso competente. Usando uma palavra da moda os “influencers genéricos” de toda ordem. Para determinados temas específicos, porém, é preciso ir mais longe. É preciso valorizar a voz, a inteligência e os arquivos encarnados, com suas vivências, experiência, sua ternura e criticidade. Até mesmo a rabujice e a aspereza dos entrevistados pode ser bem vinda.

Cada vez que algum pesquisador, veterano ou neófito, se aventurava no campo da poesia popular - suas formas, estilos, modos de produção, aspectos históricos - o nome de Manoel Monteiro era pautado. A enciclopédia viva da produção poética popular estava sempre ali, meio carrancudo, a receber pessoas e sanar suas sedes de conhecimento com curiosidades e, vez por outra, um insight novo sobre o assunto.

Nas areias de Cabo Branco ficaram marcados os passos do velho senhor que ali habitava. Parentes próximos eram funcionários da casa e tive o prazer de entrar nas dependências antes que ela se tornasse Fundação. Por diversas vezes soube de grupos de estudantes secundaristas que visitavam a casa para colher depoimentos. Conta a história que, de seu retiro, José Américo era uma referência para políticos que o visitavam frequentemente. O cineasta Vladimir Carvalho registrou os passos do Homem de Areia, dimensionando-o também como uma importantíssima fonte histórica.

            Pincei de memória essas duas figuras para exemplificar a força da fonte que, como frisei no princípio, são como bebedouros onde se busca saciar a sede que nasce com a curiosidade do saber.

Penso entrementes o valor de um Ariano Suassuna para as coisas da cultura popular nordestina, de um Câmara Cascudo para o folclore, de um Zuza Homem de Melo para a entremeios e redondezas da Música Popular Brasileira. Fontes que, apesar das páginas escritas, se foram deixando este vazio que só seria preenchido com suas vozes e observações iluminando veredas e abrindo caminhos para novas análises e pontos de vista.

por Edson de França (Jornalista, Poeta e Cronista)

 

O bípede exibido

             


Não sou louco de desafiar seu ninguém para uma disputa de apoio de frente - flexão de braço no solo , como chamam os especialistas. Sei, e bem, das minhas limitações físicas e não detenho “histórico de atleta" para exibir. Nem para usar nas mentiras que, por acaso, venha a compartilhar em mesa de bar. Consequentemente, também não tenho a mínima disposição atlética para aceitar um desafio desses. Eu tenho um nome a zelar.

Caso incorresse nessa bravata, acabaria, por um lado, roubando os concorrentes, pela total inapetência para a perfeita prática do exercício. Por outro, experimentando as faces do ridículo humano e expondo-me a vergonha pública.

Para quem não sabe - e um militar cioso de seu papel mais que tudo tem que saber - que a execução do exercício exige uma postura. Há entre nós, porém, bípedes que não se negam a se submeter ao ridículo humano. 

Conheço criaturas “mitológicas” que não se furtam a entrar numa façanha dessas, só para tentar dar provas de sua biografia de caserna e esportiva. Coisas de antanho e necessariamente  Também, por uma limitação nos níveis de testosterona, a mania de cultivar atos capazes de reafirmar sua masculinidade constantemente. 

Assisti em vídeos algumas performances do pavão e concluí: o rapaz foi um militar de péssima estirpe e um atleta de proezas questionáveis. Chamavam-no “cavalo” nos tempos de caserna, dizem. penso que o apelido caiu-lhe bem como uma homenagem aos seus dotes intelectuais. 

Mas voltemos ao apoio de frente. Pense numa lagartixa com escoliose e terás a figura do “atleta”. A única parte que conseguia erguer era do peito para cima e do pescoço. Ou seja, totalmente em desacordo com a execução perfeita do exercício exigida dos aquartelados.  

Pior. A total indisposição para acertar o exercício mostra características psicológicas da mente viciada do personagem: o auto engano, a bravata, o exibicionismo e a capacidade ilimitada de engodo. 

 Parece-me que a performance do nosso personagem está mais para "postura" que se atribui ao galináceo do gênero feminino que qualquer outra coisa. Uma ave emplumada apenas. Temporariamente coroada,  ela se crê algo além de um mísero resíduo genético dos grandes diplodontes.  Exibido, arrogante, mas pequeno; não passou de coisa, não chegou a ser gente. 

Não me convidem para desfilar com a sub-espécie, meu status humano não permite. Tenho um nome a zelar.

por Edson de França


O que você anda pensando, escreva!

 

Edson de França*

 

Circula pelas redes uma expressão muito significativa. “Nunca se escreveu tanto, tão errado e se interpretou tão mal”. Assunto a se pensar bem nos tempos que nos veem passar.

Os humanos depois que dominaram a arte ou a habilidade não pararam mais, de falar, digo. E nesse particular, o brasileiro médio exibe toda sua destreza, sempre que aparece uma oportunidade. Dizem que por uma ancestralidade latina, o dito cujo é chegado mais a fala que à escrita. Nossas línguas, naturalmente, não silenciam nunca. 

Gostamos de nos contar um pro outro, ou para plateias pegas distraídas. No transporte publico ou nas filas de banco, por exemplo. O streep tease da alma e o relato das acontecimentos se dá eminentemente pela fala. "Escrever é coisa de intelectual", ouvi de alguém. De outro ouvi "escrever pra quê, se ninguém lê".

A emergência das "redes sociais" (um dia discutiremos esse conceito e seus impactos), contudo, forçaram o povo a escrever. Escrever mesmo, ainda que os mecanismos de mensagens portem ferramentas que oferecem o recurso da “mensagem de voz” para os mais inábeis.

Escrever, porem, é via de regra no campo restrito das redes sociais. Aí, deu-se o desastre. De uma hora a outra, todo mundo viu-se obrigado a produzir mensagens curtas para alimentar a comunicação diária. De outra parte, amadores premidos a forjar "opiniões" à base da escrita e profissionais a se esmerar, imprensados pelos dead lines internalizados, a escrever em favor da vaporosidade da informação ou do comentário inadiável.

Falando, mesmo com todos os cacos, cacoetes e vícios linguísticos, a mensagem é passada. O interlocutor a capta de alguma maneira. Escrever, porém, é um outro universo. Há milhões de regras, naturalmente rígidas, para se produzir um mínimo texto que seja. Se vira bem quem consegue ser intuitivo na arte ou dominar uma meia dúzia delas.

Mesmo quem escolheu viver escrevinhando tropeça vez ou outra nas regras rígidas do escrever; trai a língua, macula-a. Imagine, porém, quem não é muito simpático à leitura e a escrita quando se vê intimado a produzir textos, mesmo que minúsculos, com o mínimo de inteligibilidade. Já não se trata simplesmente falar, emitir um pensamento, uma ideia, transmitir uma ordem. Escrever cabe no papel e expõe mais facilmente as limitações de organização do pensamento.

Temos instalada a condição de dilema contemporâneo. Descobre-se que a maioria de nós, malgrado nossa empáfia e arrogância titularesca, não sabe escrever. De professores e advogados, de desocupados zapeiros a capitães e generais. Estes últimos, inclusive, que, só por hora, tem uma representatividade presidencial, em um bom contingente, não foram apresentados às regras mínimas da produção textual.

Consciência do teor, domínio da técnica e vigilância ferrenha das armadilhas da linguagem não fazem parte do repertório de muitos contemporâneos. Infelizmente. Lê-se mal em nossos dias, é verdade. Escreve-se porcamente. Imagine, então, os níveis de interpretação que andamos usando por aí. O processo básico da educação cidadã pressupõe essa integração entre esses três níveis. Se nada disso se concretiza na prática, erraram conosco ou nos perdemos em algum ponto.

Definitivamente a página em branco ou a pergunta “O que você está pensando” são nosso calvário. Metemos o pé e lá estará exposta nossa ignorância; não para um ou dois leitores, mas para uma massa. Benvindo ao campo de batalha, guerreiro! Escrever é preciso. Ter ciência do que se escreve, e como, é imprescindível.

 

*Jornalista, cronista e poeta.