Toda porcaria que ganha alguma projeção é prontamente atribuída ao povo. Basta guardar ao redor de si referências jocosas ou extravagantes e já se rotula “povo”. Uma afinidade, mesmo que remota, com o comportamento espontâneo do porção populacional mais pobre e já se gasta o decalque “povo”, como estigma feiamente colado às costas. Se algo cheira forte, tendendo para qualquer dos extremos da paleta olfativa, é coisa de “povo”. Enfim, o “povo” é tomado como sinônimo de tudo que se limite com o mau gosto, a má educação, os maus modos, o histriônico, o risível, o violento.
Alheio ao conceito sociológico, antropológico ou político, a categoria “povo” é atribuída, pela ação limitada do senso comum, ao estamento mais baixo da população. Aquele em que as condições sócio-econômicas levam a habitar, consumir e assimilar hábitos condizentes com o ambiente em que se vive e, sobretudo, com o que se ganha.
Esse mesmo “povo”, se visto de forma otimista e épica, seria a parcela de bravos sobreviventes; espécime tendente ao improviso vital e as adaptações para sobrevivência cotidiana. Mas essa não é a história/visão assimilada pela maioria. Para essa, a baixaria, a grosseria, o exotismo no seu sentido mais esdrúxulo são atributos do pobre, do paupérrimo, do sem instrução, do rebelde, do despossuído, dos periféricos de toda ordem.
O “povo” tomado como categoria depreciativa, em alguns pontos, se limita com o “popular”. Mas, este último, mesmo quando pego desprevenidamente, ainda ganha uma lustração; emprestam-lhe uma certa aura de qualidade, uma distinção. “Povo”, não. O vocábulo “povo” sempre é rebaixado ao pior do ser humano e tem a pobreza como modelo.
Se surgem produtos de mídia que sejam pautados pela dissecação das entranhas do “mundo cão” chamam-no de popular, no sentido negativo de ser coisa do “povo”. Foi espetacular, circense no pior sentido, sangrento como o antigo matadouro de Cruz das Armas, não levanta dúvida, é popular, é do “povo”, é do povão. Se aparece uma estrela televisiva de alta popularidade e audiência e baixo caráter, a geral apõe logo um “povo” como sobrenome ou marca do indigitado.
O povo, na real, tem muitíssimas qualidades, todas elas atreladas a seu modus de enfrentar a vida, encarando obstáculos, superando adversidades, criando sua própria cultura. Sendo ademais vítima maior das incompreensões e das sacanagens dos governos de plantão e do sistema que não o reconhece, nem em nada favorece. Acima de tudo, porém o povo exala alegria. Não inteiramente por autocrítica, ri de si mesmo.
O povo é o que é por questões objetivas, materiais, excludentes. Aqueles cuja mentalidade só vai até onde a compreensão intui o povo como sinal de pobreza e baixaria carecem de estudo e sensibilidade. Descerem dos salões emplumados e verem, daqui de fora, pralém dos jardins, como são ridículos e decadentes os atos, os fatos, os modos e bolor das elites.
por Edson de França
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