quarta-feira, 17 de março de 2021

Da vértebra dos noticiários

 


Um peso!

            Por várias vezes, no decorrer da pandemia, o presidente JB se reuniu, pontualmente, com dois públicos. O povaréu dos rincões do nordeste e os produtores rurais do Centro sul. Com os primeiros fez reuniões a céu aberto, quando da inauguração de cacos de obras e, como é de sua natureza, ignorou todas as recomendações sanitárias de uso de máscaras e distanciamento social. Com isso talvez quisesse exortar o povo a também ignorar as medidas de prevenção contra a Covid-19 e correr para trabalho, sob sóis a pino e vírus galopante a fora.

Duas medidas!

            Para o segundo grupo, os capitães do agrobusiness, as reuniões acontecem sempre em ambientes climatizados, onde não se dispensa os coffee breaks e a água mineral de boa procedência. A esses, a pauta presidencial reservou, sempre, um pomposo “parabéns” pelo setor não paralisar o Brasil durante a pandemia. Mas vem cá, salvo minha ignorância vértebra, penso que o agro é um dos setores que menos propenso a promover aglomerações em sua base produtiva. Bem diferente, creio, do comercio urbano (mesmo o de produtos agro), do meio industrial e de algumas áreas dos serviços. Desconhecimento, equivoco ou má fé explicam os parabéns do  JB. X para as três opções.

Descrédito a galope!

            Além das lamentáveis perdas de vidas humanas, a pandemia de Covid-19, vai debilitar, em menor ou maior grau, muitos setores. Ao menos, quero crer, servirá para lembrar e conscientizar a muitos que o elemento gente é o motor real de todo engenho humano. Um desses setores a saírem chamuscados da crise, certamente, serão os planos de saúde. Já se percebia, há tempos, certo descrédito quanto a sua eficácia. A pandemia esta agindo para aprofundar a desconfiança. A redução da renda para motivar o desligamento de muitos. Cada vez mais, diante do colapso anunciado, a população intui os planos de saúde como planos de vida. Enquanto menos se precisar de sua cobertura e assistência, mantendo-se saudável, melhor para a sobrevivência dos planos. Cuida-te que o plano cuidará de ti.

Sandice em massa!

            Hoje o noticiário internacional dá nota sobre o assassinato de mulheres em spas, casas de massagem, nos Estados Unidos. O intrigante dos tristes episódios, segundo os relatos, é a origem das vitimas: todas de origem asiática. Analistas atribuem, ate mesmo seguindo uma das linhas de investigação policial local, que esses casos podem ações residuais do discurso xenofóbicos do ex-presidente Trump (o homem do topete amarelo) em sua pregação sobre o tal vírus “chinês”. Compreensível. Um líder deve saber do alcance de suas palavras. Talvez sua fala não repercuta nem crie eco dentro de sua casa, junto aos seus. Uma vez propagada sempre acabará caindo num terreno baldio e vagabundo, propenso a executar ações homicidas por uma causa que às vezes nem busca saber os porquês.

 

Ensandecidos se atraem

Palavras desequilibradas ativam os mecanismos da insanidade coletiva e individualizada. Pode parecer expressão carregada, puro senso comum, mas a palavra percutida às avessas, geralmente encontra com quem se afine. Como uma ordem de comando lançada ao cérebro de forma intempestiva e violenta. Mal comparando, como uma ordem de serviço vocalizada no ouvido de um recruta. Não há espaço/tempo para reflexão. O terreno é extremamente fértil no vazio das mentes dos insanos, onde é possível o concerto afinadíssimo entre os ideais, princípios, preconceitos, desvios, reacionarismos e dogmas sociais de quem emite e quem recebe mensagens.

por Edson de França (Jornalista, cronista e poeta)

domingo, 14 de março de 2021

Enquanto sobem os créditos finais

 



por Edson de França
*

“E foram felizes para sempre...”. Com essa frase todo conto de fadas se acaba, deixando no leitor nenhum gostinho de “quero mais”. Ela é definitiva, fria, pétrea. Trata-se de um artificio, utilizado por autores de antanho, para aquietar a turbulência de espirito que o leitor experimenta durante o desenrolar das desventuras das personagens na narrativa das estórias.

Encerrou-se e pronto. Não há dia seguinte possível. Nenhum convite expresso à mente para imaginar um prosseguimento, um caco sequer, uma palavra além. Tá sacramentado, sanitizado, salubre, asséptico, glacêificado com massa de biscuit. Tudo está no seu devido lugar. Dá a impressão que, de repente, alguém meticulosamente compôs um instantâneo e fixou para sempre uma cena onde todos os elementos estão encaixados e apaziguados entre si e consigo mesmos.

Ah, se a vida tivesse a consistência dos contos de fadas!. Certamente brigaríamos muito mais pelos tais finais felizes. Seria uma grita geral pelo congelamento de instantes, situações formatadas idealmente que se reproduziriam ad eternum. Mas, como diria o poeta, “a vida não é filme!”. Precisa-se também entender, segundo outro poeta, que “o prá sempre, sempre acaba!”.

O THE END, final do relato ou da estória, pode vir a significar (ou sugerir) uma imensidão de possibilidades como cabe à própria vida que nos sobressalta. O que advirá no período pós The End? Pode bem significar uma sucessão de dias de gloria, conquista, amor e paz ulterior. Mas, também, pode ser aquele momento assombroso em que, os personagens vão sumindo em fade out, descaracterizando-se, enquanto os contra-regras vão desmanchando e reorganizando o cenário para o inicio da contação de contar uma outra estória.

O que sucede ao the end, aqueles territórios aonde a mente não pode ou se nega a ir, é, na realidade um roteiro ainda não escrito. Nenhuma especulação ou ansiedade responde a ele de pronto.

Li dia desses uma interessante narrativa sobre o desejo de anonimato que marcou a trajetória de Debra Winger (1955 - ). A atriz americana, famosa nos anos 80 por participações em filmes como O céu que nos protege (1990), A força do destino (1982), Cauboy do Asfalto (1980) e Laços de Ternura (1983), conviveu em pé de guerra com a indústria cinematográfica hollywoodiana, em virtude das exigências, da exposição forçada e da frivolidade dos roteiros.

Nesses últimos particularmente, dizia ela, a escassez de criatividade contribui para o investimento maciço em produções edulcoradas na medida certa para atuações bizarras e consumo por parte de um público pouco exigente. Limitantes, diríamos, para atores verdadeiros e campo fértil para proliferação de celebridades de magazine. Chamou-me particularmente atenção para o conteúdo das estórias, sobretudo quando se refere aos finais de narrativa.

Em suma, a atriz quer dizer que a vida – na essência e na dinâmica – não é composta de marcações teatrais, personalidades bem formatados e roteirizações de vida bem definidas. Ou seja, todo final tanto pode ser um final – seja feliz ou infeliz -, mas também pode ser a abertura de um outro mundo, uma nova estrada, uma nova maneira de pensar e encarar o mundo, um enigma enfim. “Gosto de finais enigmáticos. (...) Desenvolvi alergia aos finais fechados porque nos fazem sentir que a vida terá um clímax”, diz ela.

A vida tem clímax, sim, apenas no momento em que surge o the end na tela, o fim no romance de trocentas páginas, só. No momento em que começa a escalada dos créditos finais do filme. Mas, lembrando outro poeta da musica popular, “Os sonhos não terminam como um disco. Estrelas não se apagam ao tocar. O amor não é um filme, Jezebel!”. Na real, o enigmático é o que prospera com o nosso dom – não nato, diga-se - de descrer das permanências. O importante é apostar sempre no que pode vir a nos surpreender depois da palavra, da composição do quadro e dos créditos finais.

*Jornalista, cronista e poeta

Decifrando reticências


 

               


Abuso de reticências. Já abusei mais, mas deixei de usar do expediente ao conhecer a palavra reticente. Esta ultima que dizer exatamente “que ou quem age com reticência diante das situações; que ou aquele que hesita, que vacila”, tendo como sinônimos as palavras quieto, calado, fechado, reservado e indeciso. A reticência pode ser considerada como típico comportamento da pessoa que não tem nada a dizer, ou tem imprecisão sobre o assunto que trata.

            Em meio a minhas atividades como jornalista e professor as reticencias aparecem como um problema. Um hábito capaz, unicamente, de gerar interpretações nada elogiosas por parte do interlocutor imediato. Quase sempre apontando para a “falta de informações” ou “insegurança” do retor, do emitente das mensagens. Colocando numa imagem aproximada, o gigolô das reticencias se expressa numa linguagem próxima da telegráfica, naturalmente lacunar.

            Me referi acima ao ato de interpretar e essa pratica, para além dos pré-conceitos listados sobre o emitente de uma mensagem, nos põe, quando profissionalmente, no papel de decifradores de reticencias. Ou seja, tentamos adivinhar aquilo que a pessoa não disse ou não teve condições de elaborar. Quando se fala de informação objetiva não se deve recorrer a figuras ou recursos estilísticos. Reticencias fazem bela figura na construção poética, sugestão estilística para o devaneio do leitor.

            Decifrar reticencias é um exercício onde o escrevinhador tem, forçosamente, que recorrer ao arsenal da imaginação, dos conhecimentos prévios e dos malabarismos verbais para expressar a mínima ideia. O jornalismo, assim como outras atividades, detesta o vazio da pagina. Não se cria com lacunas. A motivação do mesmo é informar da forma mais completa possível. E isso exige um monte de palavras, de preferencia precisas e exatas.

            Trabalho de certa forma árido, digamos. Após o exercício de imaginação, o autor, notavelmente se dá por satisfeito. Criou em cima das parcas ideias fornecidas, das ausências de argumentos e de informações básicas. Hora de devolver o texto à fonte para os últimos ajustes. Aí vem a surpresa. A fonte não age tão laconicamente como na hora do contato inicial. Discorda do texto pronto e se sente, como nunca, no direito de refazer integralmente as ideias escandidas que foram motivadas pela sua insegurança, fechado, indecisões e reservas.

por Edson de França