Vou rogar a São Liseu, padroeiro informal dos jornalistas, a vênia de
ciceronear também, em seus raros momentos de ócio, os professores. E isso tem
uma razão prática e, se assim quiserem entender, oportunista. Como pertenço às
duas categorias estarei por mérito “protegido” em minha renitente
pindaíba.
São Liseu é um desses santos que protegem o duro como a acaso protege os
bêbados. Genuinamente paraibano, é uma espécie de anjo avesso, expulso do céu
não porque houvesse dúvidas quanto a sua beatitude, mas apenas por não dispor
de alguns caraminguás pro aluguel.
O santo detém um poder relativo. Modesto até. Aquele que permite
manter-nos reduzidos aos contornos de magros salários, mas não nos deixa cair
na tentação do desespero descabelante ou na fuga inebriante do consumo
exarcebado, além do exagero máximo da cachacinha benta na hora do almoço.
Nos ensina, catequistamente, a arte da superação das limitações
financeiras. Com verve, auto-pilhéria (jamais auto piedade, somos muito
orgulhosos para isso) e algum jogo de cintura somos capazes de fazer charme utilizando
apetrechos decorativos de R$ 1, 99 e modinha by Sulanca, importada de Santa
Cruz do Capibaribe e adjacências.
Jornalistas, assim como professores, são trabalhadores do virtual. O
produto fim de seu trabalho não se materializa exatamente em algo que o infeliz
consumidor possa ostentar por aí. Não são abelhas nem metalúrgicos. Não
produzem mel para bocas, nem carros de luxo para jogadores de futebol e
cantores de breganejo. Não fazem parte, enfim, da produção de sinais exteriores
de riqueza.
Professores só materializam seus esforços em chatíssimos relatórios de
notas, avaliações bimestrais e conceitos. Ou, vez por outra, quando uma ovelha
sortuda do rebanho de aprendizes atinge o ápice da coluna social como uma
profissão de vergonha, ou de vergonha nenhuma como a política. Mas esse é um
sucesso apenas para o gáudio do próprio infeliz, pois a sociedade jamais
pensará que algum louro daquela coroa cabe como reconhecimento dos ensinamentos
do propedêuta.
Jornalistas, então, produzem a coisa mais efêmera do que se tem noticia
no meio social, ou seja, a própria notícia. Se informação demandar esforço de
cobertura, trabalho intelectual de produção, investigação e todos os riscos a
ela associados valerá menos ainda. Pode valer alguma coisa caso pertença aos
quadros promocionais de celebridades e fofocarias do mundo VIP.
Teoricamente, jornalistas e professores, contribuem para a elaboração do
conhecimento público em uma sociedade que necessita de informação para
educar-se, formar-se, ganhar lustros de aperfeiçoamento. Mas o que significa
essa balela frente a uma Ferrari 599, de alguns milhões de dólares.
Toda sociedade parece precisar de jornalistas (sejam como arautos do rei
ou croniqueiros mirins das mazelas sociais) e professores (das “tias” fadadas à
solteirice a classe medianíssima de sapientíssimos professores universitários).
Alguns indivíduos precisam deles particularmente, pagam-lhes, porém, não vendo
resultados palpáveis, acabam por reduzi-los a uma insignificância, digamos,
decorativa. Não vendo méritos para que aquinhoar-lhes com rendimentos
dignos.
A grande arte de jornalistas e professores é sobreviver. Somos isso aí
mesmo: profissionais da sobrevivência. Isentos da babaquice do sacerdócio,
porém cientes de um papel não decorativo de nossos fazeres vamos andando,
cantando e louvando a São Liseu para que mantenha no bolso o real da passagem
do coletivo e o crédito aberto no boteco da esquina. Ensinaram-nos que
mobilidade e lazer eram direito de cidadania. Danado é que acreditamos. Depois
tivemos que adaptá-los aos limites apertados de nossos parcos numerários.
Valei-nos, São Liseu.
por Edson de
França
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