sábado, 29 de setembro de 2012

Castelos psíquicos





Osvaldo Montenegro denominou de “castelos psíquicos” a vivenda aonde vão se entocar os personagens que sobre os quais escrevemos. Estes uma vez personificados em prosa ou poesia, devidamente insuflados de personalidade, simplesmente não se desfazem no ar feito uma bolha de sabão barato. Não nos abandonam, por assim dizer. Melhor. Ganhando vida própria, desencarnados de nós, eles passam a nos espreitar, a nos seguir, nos penetrar, intrusos.
Seus olhos, ao invés de inexpressivos como os dos zumbis ou mortiços como os dos fantasmas, são vivazes e prescrutadores. Olhos vivos, uma vez possuidores das mil possibilidades que compõem anfiteatro das emoções e reações humanas. Eles nos habitam informal e anarquicamente.
Oswaldo ainda sugere que os personagens que aquilatam nossas emoções. Pesam-nas só para efeito de censura e alguma condescendência. Ignoram nossas ousadias, riem de nossas tibiezas, comemoram sádicos nossos tropeços. Afinal, fazendo parte indissociável de nossa psique criadora e vampiresca concluem satisfeitos “somos você amanhã e ontem”.    
Presente, passado e futuro, assim como nessa existência material, compõem a vida dos personagens. Esquecemos disso quando sopramos suas narinas. Nossa vontade é aprisionar suas existências em um lapso de tempo curto, nas tramas de um romance, um conto ou uma simplória poesia. Entre situações bizarras por nós criadas para dar-lhes um fôlego mínimo e, se possível, provocar o riso ou o choro no incauto leitor.
Para emoções tão piegas utilizamos o código lingüístico como amarras, âncoras, grilhões e a narrativa como teia viscosa para enredar vidinhas. Cárceres, enfim, para personas imaginárias ou, na grande maioria das vezes, colhidas do mundo real e maleficamente caricaturizadas. Contudo, apesar do nosso esforço em brincar de deuses (matando-os, inclusive, para dar verossimilhança à trama), eles não se atém a superficialidade das palavras ou aos limites acanhados das situações criadas. Para o personagem a palavra é rio, correnteza. Mar de profundezas insondáveis. Ele sempre exigirá mais vida que a que emprestamos.
Visibilidade, atenção, releitura. Revisita. Os personagens das histórias não arrastam correntes, mas perambulam pelos pavilhões desses castelos que criamos, dão boas vindas aos que chegam, estabelecem relações de vizinhança com eles. Amiúde, por não gostarem da solidão, guiam o olhar do cronista permanentemente para um possível novo morador da mansão dos mortos mais vivos que se tem notícia.

por Edson de França

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