A minha primeira escola tinha o ar
da mais pura infância. Chamava-se Castro Alves e, como num poema romântico,
representava o idílio, o lirismo e a inocência que envolve os verdes anos dos
miúdos. Prédio novo, pintado de
indefectível amarelo, grandes janelas envidraçadas (o que conhecemos como
basculhantes) e o detalhe que a tornava charmosa: os muros baixos que sugeriam
uma integração tácita entre a escola e o mundo circundante.
Tínhamos pátio extenso pras correrias do recreio. Creio que era bonito
para quem passava ver um bando de meninos, numa manhã ensolarada, perfilados
para o canto do hino nacional. Claro que esse patriotismo tinha a ver com a
política ufanista da época, mas ali estava “o pais que iria pra frente”
representado por soldadinhos de calças curtas.
Não me lembro de professoras idosas no corpo docente. A grande maioria
parecia também ali estar começando. Ali, junto com a escola, junto com seus
alunos. Estávamos ainda num tempo anterior às tias da pedagogia hodierna. Éramos
meninos do subúrbio, puros e sujos como é comum da idade. Elas, professorinhas,
com uma dedicação inegável, possivelmente muito conscientes da responsabilidade
que os pais punham em suas mãos.
Com o passar do tempo, a escola passou a ser alvo de pedradas. Os imensos
basculhantes eram vítimas passivas do vandalismo de alguns; os retângulos de
vidro iam sucumbindo aos poucos à selvageria da ignorância. A escola enfeiava a
olhos vistos. Os muros subindo. A escola desaparecendo por trás de uma muralha
cinzenta, argamassa salpiscada sem acabamento. Foi-se a beleza, instalou-se a
feiúra.
Com as invasões naturais dos ambientes escolares por gente alheia ao seu
cotidiano e o assédio, o muro foi crescendo. Por fim, um cubo babélico surgiu
no meio da comunidade. Surgia, então, uma fortaleza tão inexpugnável, com muros
tão sólidos, que qualquer amostra grátis de chuvinha noélica seria capaz de
afogar todos que estivessem dentro de suas dependências. Em sua volta o
comércio informal criou vida. Uma espécie de cortiço, qual parasita, foi se
instalando a sombra e ao arrimo da grande muralha.
Sinceramente, até hoje não entendo a
raiva que a massa ignara tem das escolas, daquela em especial. Raízes macabras
pareceram emanar do solo e do ódio humano das cercanias. A animosidade parecia
querer matar a beleza, isolar o prédio do resto do mundo. E a velha escola foi
desaparecendo do alcance do olhar. Isolando-se. Fechada, por força das
agressões, em suas fronteiras. O muro surgiu como mecanismo de defesa, proteção
do patrimônio estrutural e humano.
Penso em como educar miúdos
isolando-os do mundo. Claustro. Internato de meio expediente. Pais zelosos.
Professores obstinados e ameaçados. Miúdos assustadiços e presas fáceis para
drogas e outras taras mais. Três metros e meio de muro para evitar as invasões
bárbaras (bárbaro é sinônimo de destruidor escolas?). Meninos que detestam
aulas, mas curtem a escola como espaço da zorra. Ociosidade de primeiro,
segundo, terceiro graus e irrecuperáveis.
Espero que por dentro daqueles muros
circule ao menos a alma de outro cronista. Que ela resida bem no peito de um
aprendiz de primeiras letras. Por lá, infante, ficaram meus primeiros laivos de
escriba. Que ao menos lá dentro, a infância e o desejo de aprender sejam
preservados. Que lá dentro haja cores e vida. Pois, por fora, a imagem é
sintomática de um tempo cinza para escolas, para educação, para um mundo sempre
em construção. Que essa construção não se restrinja a muros sufocantes para
escolas.
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Banda sonora
Saque “Another bring in the wall” (Pink
Floyd), consuma com os ouvidos e reflita sobre educação, cultura, futuro,
voto...
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Derradeiras Abaixo
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Dia
de eleição. Inventaram para esse evento o apelido de “festa da democracia”.
Concordo. Temos uma festa sazonal como uma quermesse de padroeira. Naquelas
reside a fé, bem supremo, inefável. Aqui o motivo tem um cunho material (a
administração pública e a representatividade dos poderes) e um simbólico,
imaterial (um tal de bem público). Por uma total inversão de valores, eleição,
enfim, é o campo das paixões pessoais, das traições regulamentares, das
mudanças bruscas de partidos e partidários visando o bem pessoal, de biografias
manchadas procurando guarida para novas incursões insuspeitas. Ou seja, algo
que visa o coletivo acaba assumindo ares de feudo particular, hereditariedade,
projetos particularíssimos, manipulação de desejos... “Fé cega, faca amolada”
para só tem como arma um “quicé” chamado voto. Use-o, porém, com destreza!
por Edson de França
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