sábado, 6 de outubro de 2012

A escola sitiada




            A minha primeira escola tinha o ar da mais pura infância. Chamava-se Castro Alves e, como num poema romântico, representava o idílio, o lirismo e a inocência que envolve os verdes anos dos miúdos.  Prédio novo, pintado de indefectível amarelo, grandes janelas envidraçadas (o que conhecemos como basculhantes) e o detalhe que a tornava charmosa: os muros baixos que sugeriam uma integração tácita entre a escola e o mundo circundante.
Tínhamos pátio extenso pras correrias do recreio. Creio que era bonito para quem passava ver um bando de meninos, numa manhã ensolarada, perfilados para o canto do hino nacional. Claro que esse patriotismo tinha a ver com a política ufanista da época, mas ali estava “o pais que iria pra frente” representado por soldadinhos de calças curtas.
Não me lembro de professoras idosas no corpo docente. A grande maioria parecia também ali estar começando. Ali, junto com a escola, junto com seus alunos. Estávamos ainda num tempo anterior às tias da pedagogia hodierna. Éramos meninos do subúrbio, puros e sujos como é comum da idade. Elas, professorinhas, com uma dedicação inegável, possivelmente muito conscientes da responsabilidade que os pais punham em suas mãos.
Com o passar do tempo, a escola passou a ser alvo de pedradas. Os imensos basculhantes eram vítimas passivas do vandalismo de alguns; os retângulos de vidro iam sucumbindo aos poucos à selvageria da ignorância. A escola enfeiava a olhos vistos. Os muros subindo. A escola desaparecendo por trás de uma muralha cinzenta, argamassa salpiscada sem acabamento. Foi-se a beleza, instalou-se a feiúra.
Com as invasões naturais dos ambientes escolares por gente alheia ao seu cotidiano e o assédio, o muro foi crescendo. Por fim, um cubo babélico surgiu no meio da comunidade. Surgia, então, uma fortaleza tão inexpugnável, com muros tão sólidos, que qualquer amostra grátis de chuvinha noélica seria capaz de afogar todos que estivessem dentro de suas dependências. Em sua volta o comércio informal criou vida. Uma espécie de cortiço, qual parasita, foi se instalando a sombra e ao arrimo da grande muralha.
            Sinceramente, até hoje não entendo a raiva que a massa ignara tem das escolas, daquela em especial. Raízes macabras pareceram emanar do solo e do ódio humano das cercanias. A animosidade parecia querer matar a beleza, isolar o prédio do resto do mundo. E a velha escola foi desaparecendo do alcance do olhar. Isolando-se. Fechada, por força das agressões, em suas fronteiras. O muro surgiu como mecanismo de defesa, proteção do patrimônio estrutural e humano.
            Penso em como educar miúdos isolando-os do mundo. Claustro. Internato de meio expediente. Pais zelosos. Professores obstinados e ameaçados. Miúdos assustadiços e presas fáceis para drogas e outras taras mais. Três metros e meio de muro para evitar as invasões bárbaras (bárbaro é sinônimo de destruidor escolas?). Meninos que detestam aulas, mas curtem a escola como espaço da zorra. Ociosidade de primeiro, segundo, terceiro graus e irrecuperáveis.
            Espero que por dentro daqueles muros circule ao menos a alma de outro cronista. Que ela resida bem no peito de um aprendiz de primeiras letras. Por lá, infante, ficaram meus primeiros laivos de escriba. Que ao menos lá dentro, a infância e o desejo de aprender sejam preservados. Que lá dentro haja cores e vida. Pois, por fora, a imagem é sintomática de um tempo cinza para escolas, para educação, para um mundo sempre em construção. Que essa construção não se restrinja a muros sufocantes para escolas.

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Banda sonora
 Saque “Another bring in the wall” (Pink Floyd), consuma com os ouvidos e reflita sobre educação, cultura, futuro, voto...
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Dia de eleição. Inventaram para esse evento o apelido de “festa da democracia”. Concordo. Temos uma festa sazonal como uma quermesse de padroeira. Naquelas reside a fé, bem supremo, inefável. Aqui o motivo tem um cunho material (a administração pública e a representatividade dos poderes) e um simbólico, imaterial (um tal de bem público). Por uma total inversão de valores, eleição, enfim, é o campo das paixões pessoais, das traições regulamentares, das mudanças bruscas de partidos e partidários visando o bem pessoal, de biografias manchadas procurando guarida para novas incursões insuspeitas. Ou seja, algo que visa o coletivo acaba assumindo ares de feudo particular, hereditariedade, projetos particularíssimos, manipulação de desejos... “Fé cega, faca amolada” para só tem como arma um “quicé” chamado voto. Use-o, porém, com destreza! 


por Edson de França

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