Quando se embarca num coletivo
urbano pode-se ter certeza de uma coisa: não teremos pela frente, em termos de
paisagem, um mundo uniforme. Você irá do primeiro ao terceiro mundo em questão
de segundos, verá inferno e maravilhas nas tessituras da cidade em que mora ou
que visita, passará pertinho da ineficiência administrativa e estreitará
misérias e sub-humanidades em exemplos bem vivos. Verá, com certeza, poucas
grandezas que encham olhos e peito de esperança.
Nos percursos abertos para os
transportes individuais geralmente as vias tem pavimento aceitável, ruas
relativamente largas e exemplares de “desenvolvimento” no “bom gosto” da
arquitetura das casas de moradia e comerciais. Mais curto, mais objetivo, mais
cômodo. Nas vielas destinadas aos coletivos é onde o Brasil mostra sua cara como
uma face deformada pela acne. Centímetros de pele sã dividem espaço com
protuberâncias sanguíneas que imploram ungüentos e cuidados especiais.
O Brasil carece ser estudado a frio.
No tête-à-tête das ruas é onde se gesta a consciência de que há um trabalho a
ser feito. Todo o conhecimento acadêmico com que se entope as veias das
juventudes ávidas pelos empregos do futuro de nada servem se não conseguem
estabelecer métodos de análise crítica sobre a plataforma social por onde pisam
nossos insensíveis pneumáticos. Tal método deve morar primeiramente nos livros,
claro. Mais é urgente que ele salte de lá, dialogue com a realidade e surja
novo como conhecimento e propositura.
Por nossas paragens moram resquícios
de um coronelismo (hoje high-tech, repaginado, mas tão atrasado em sua lógica
como ontem de manhã) e uma crença na determinação divinal das situações. O
discurso de mudança só aparece como figura retórica no discurso político
sazonal. Não está encarnada como meio de ação na cabeça nem na postura da
maioria de nossas gentes. Assim sendo, todas nossas mazelas sempre aparecerão
como naturais, cristalizadas, portanto, insolúveis.
A paisagem caótica de nossas cidades
parece não ser objeto de dissecação para estudantes em geral. E o cardápio, ao
contrário do que possa se pensar, é amplo e oferecido gratuitamente. Desde as
Letras (a grafia risível dos selves-selves, por exemplo, uma nova língua, uma
interpretação popular, uma estratégia de resistência à invasão dos
estrangeirismos e ao ar esnobe das classes que pensam dominar a língua?), a
História (que critérios determinaram a ocupação urbana?) até o Planejamento
urbano (Em que armários foram parar os planejamentos das vias de locomoção?) e
a Engenharia (Construções feitas abaixo do nível da rua não acomodam homens-ratos
que não resistiriam à primeira enchente?).
As cidades mostram suas
contradições como microcosmos de uma “realidade” brasileira reiteradamente
reproduzida. Você verá obras monumentais, é certo, moradias dignas, é certo.
Mas verá também universos insalubres, mal planejamento urbano, casario
decadente pedindo demolição, arranjos arquitetônicos do improviso suburbano, estreitezas
de vias e submoradias se amontoando numa babel contemporânea. A cara das nossas
cidades, toscamente maquiada, se mostra para quem vê a partir da janela, na
maioria das vezes empoeirada, de um coletivo urbano.
por Edson de
França
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