Também
já fui garoto. Brasileiro, paludo, peladeiro, passarinheiro, caçador de
lagartixas. Do mundo das bolas-de-gude, buras, triângulos, dos patachos e notas
de carteiras de cigarro que tinham valores imaginários, de baleadeira de soro
para imolar passarinhos e calangos. Fui torcedor do Flamengo até perceber o
equivoco; mudei de flâmula e nação. Jamais tive uma “nega Tereza”. Deixei de
caçar anuns e lagartixas. Abracei outras nações e outras causas. Horizontes
distantes desafiavam-me a vê-los de bem de perto.
Como
garoto sonhava. Tinha medo de fantasmas, quebrantos, cria em crendices,
bicho-papão, queria ser lobo. Apreciava a chuva doce, a tempestade. Tinha medo de raios, divertia-me com os
trovões. Aprendia ingenuamente. Apreendia a vida, a oficina de serralheiro, os
cadernos, o violão imaginário, a guitarra esculpida em madeira bruta, os sons
dos bate-latas e ala-ursas no carnaval.
Crescia
entre a ingenuidade dos justos e a fé dos miúdos. Aprendi a sentir deus em meus
pulmões (a falta de ar me fazia piar como uma ave noturna) enquanto escalava as
árvores do quintal ou me dirigia aos pontos mais elevados do bairro para
assistir a vida que corria na velocidade dos automóveis na BR 230 e nos
casebres de beira de estrada que escondiam as gentes humildes do meu lugar, com
sua férrea rotina e suas crias sambudas e remelentas.
Fui
pescador nas lagoas, candidato a manchetes de jornais sensacionais em tempos de
escassez de noticias (até hoje não sei nadar), consumidor voraz de oliveiras para
deixar a língua roxa. Demorei a andar de bicicleta. Levei meus tombos até
desistir de ter professores para esse oficio. Tornei-me caminhante; assim vivi
aventuras. Até hoje acho que não sou mais que isso: um caminhante. Caminho como
d’antes pelas vielas da vida real e pelas entrelinhas do espaço psíquico dos
livros.
Um
dia, em meio à caminhada, senti que havia crescido. Crescido em ossos, em tez,
em princípios, em malicia para desconfiar do mundo e de suas vontades, em
couraça para assimilar seus golpes. Restara, porém, algo de ingenuidade na
marca lesa que me acompanha na insistência do sorriso. Saboreei dos mistérios.
Apoderei-me de chaves que decifrariam enigmas do corpo e eliminariam os
recalques da alma.
Não
vou dizer que a vida não me tenha azunhado com suas lâminas. Não me poupou de
cortes; uns bem profundos, outros superficiais como uma brisa marota que
“beija, brinca e se vai”. Tive que aprender a curar-me com os seus (e os meus)
próprios venenos. Nunca mais fui o mesmo. Aquele menino, contudo, não ficou
perdido naquele templo indefinido do deserto onde o adulto amarra da infância.
Onde a abandonamos para dela trazermos apenas os recalques.
Também
já fui garoto. Sonhador, nobre do reino da infância. Capitão-mor do território
das ilusões pueris. Arquiteto de castelos invisíveis e feitor soberano de suas
herdades. Para um território tão pequeno um mundo de possibilidades, como a
sonhar fazer parte da fauna invisível do jardim, junto a joaninhas e emboás. As
pequenas e passageiras maravilhas. Onde ninguém poderia ir, estava eu... como
agora, página em branco e mergulho telúrico em resumos tão intransferivelmente
meus.
Por
isso entendo e desentendo os garotos; os que vivem a presença da idade e os que
moram, por pura molecagem, dentro dos homens já contaminados pelas
objetividades da vida. “O menino é o pai do homem”, fixou o genial “bruxo do
Cosme Velho”, em Memórias póstumas de
Brás Cubas. Por molecagem ingênua de homenino
rezo para que, por dentro de cada homem, caminhe o menino que ele um dia
foi, possuídos da submissão vigilante e curiosa aos enredos desenredados dos
mistérios da alma, da carne e dos ritos do existir.
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Banda
sonora
“Há
um menino, há um moleque... Toda vez que a bruxa me assombra ele vem pra me dar
a mão” http://www.youtube.com/watch?v=0BImp-7-Kzc&feature=fvwrel
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Derradeiras Abaixo
Quando
não se fala em mudança, o verbete preferido das administrações públicas ou dos
pretendentes a assumi-las é construção. Fala-se em construção como se,
obrigatoriamente, tudo o mais não estivesse. Pessoas, natureza, coisas são
objetos em construção permanente. Partimos do principio de sermos um “nada” que
vai em direção a alguma coisa. Uma nova percepção, uma nova condição, um novo
status. Porém, construir exige elementos sólidos, determinação, rupturas quase
sempre dolorosas. Fica difícil falar em construção quando o velho traveste-se
de novo para permanecer ou contamina com seus miasmas o processo de mudança.
Uma
nova Paraíba, por exemplo, (desculpem o pessimismo renitente do cronista)
nasceria da instalação de novas mentalidades, de uma gente disposta a dizer sim
ao novo, não ao velho, porém, com ponderação nas escolhas. Depois, a desapropriação
dos elitismos, dos coronelismos, dos paroquialismos, dos catolicismos arcaicos,
dos individualismos antiproducentes. A continuar sob o julgo desses ismos
todos, a nova Paraíba teria que ser construída nas camadas estratosféricas onde
uma nova ordem se estabelecesse como regra, meta e desapego dos projetos
personalistas.
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por Edson de França
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