sábado, 13 de outubro de 2012

Garotos (resumo tosco)





Também já fui garoto. Brasileiro, paludo, peladeiro, passarinheiro, caçador de lagartixas. Do mundo das bolas-de-gude, buras, triângulos, dos patachos e notas de carteiras de cigarro que tinham valores imaginários, de baleadeira de soro para imolar passarinhos e calangos. Fui torcedor do Flamengo até perceber o equivoco; mudei de flâmula e nação. Jamais tive uma “nega Tereza”. Deixei de caçar anuns e lagartixas. Abracei outras nações e outras causas. Horizontes distantes desafiavam-me a vê-los de bem de perto.
Como garoto sonhava. Tinha medo de fantasmas, quebrantos, cria em crendices, bicho-papão, queria ser lobo. Apreciava a chuva doce, a tempestade.  Tinha medo de raios, divertia-me com os trovões. Aprendia ingenuamente. Apreendia a vida, a oficina de serralheiro, os cadernos, o violão imaginário, a guitarra esculpida em madeira bruta, os sons dos bate-latas e ala-ursas no carnaval.
Crescia entre a ingenuidade dos justos e a fé dos miúdos. Aprendi a sentir deus em meus pulmões (a falta de ar me fazia piar como uma ave noturna) enquanto escalava as árvores do quintal ou me dirigia aos pontos mais elevados do bairro para assistir a vida que corria na velocidade dos automóveis na BR 230 e nos casebres de beira de estrada que escondiam as gentes humildes do meu lugar, com sua férrea rotina e suas crias sambudas e remelentas.
Fui pescador nas lagoas, candidato a manchetes de jornais sensacionais em tempos de escassez de noticias (até hoje não sei nadar), consumidor voraz de oliveiras para deixar a língua roxa. Demorei a andar de bicicleta. Levei meus tombos até desistir de ter professores para esse oficio. Tornei-me caminhante; assim vivi aventuras. Até hoje acho que não sou mais que isso: um caminhante. Caminho como d’antes pelas vielas da vida real e pelas entrelinhas do espaço psíquico dos livros.
Um dia, em meio à caminhada, senti que havia crescido. Crescido em ossos, em tez, em princípios, em malicia para desconfiar do mundo e de suas vontades, em couraça para assimilar seus golpes. Restara, porém, algo de ingenuidade na marca lesa que me acompanha na insistência do sorriso. Saboreei dos mistérios. Apoderei-me de chaves que decifrariam enigmas do corpo e eliminariam os recalques da alma.
Não vou dizer que a vida não me tenha azunhado com suas lâminas. Não me poupou de cortes; uns bem profundos, outros superficiais como uma brisa marota que “beija, brinca e se vai”. Tive que aprender a curar-me com os seus (e os meus) próprios venenos. Nunca mais fui o mesmo. Aquele menino, contudo, não ficou perdido naquele templo indefinido do deserto onde o adulto amarra da infância. Onde a abandonamos para dela trazermos apenas os recalques.
Também já fui garoto. Sonhador, nobre do reino da infância. Capitão-mor do território das ilusões pueris. Arquiteto de castelos invisíveis e feitor soberano de suas herdades. Para um território tão pequeno um mundo de possibilidades, como a sonhar fazer parte da fauna invisível do jardim, junto a joaninhas e emboás. As pequenas e passageiras maravilhas. Onde ninguém poderia ir, estava eu... como agora, página em branco e mergulho telúrico em resumos tão intransferivelmente meus.
Por isso entendo e desentendo os garotos; os que vivem a presença da idade e os que moram, por pura molecagem, dentro dos homens já contaminados pelas objetividades da vida. “O menino é o pai do homem”, fixou o genial “bruxo do Cosme Velho”, em Memórias póstumas de Brás Cubas. Por molecagem ingênua de homenino rezo para que, por dentro de cada homem, caminhe o menino que ele um dia foi, possuídos da submissão vigilante e curiosa aos enredos desenredados dos mistérios da alma, da carne e dos ritos do existir.

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Banda sonora
“Há um menino, há um moleque... Toda vez que a bruxa me assombra ele vem pra me dar a mão”  http://www.youtube.com/watch?v=0BImp-7-Kzc&feature=fvwrel
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####################################################################### Derradeiras Abaixo
Quando não se fala em mudança, o verbete preferido das administrações públicas ou dos pretendentes a assumi-las é construção. Fala-se em construção como se, obrigatoriamente, tudo o mais não estivesse. Pessoas, natureza, coisas são objetos em construção permanente. Partimos do principio de sermos um “nada” que vai em direção a alguma coisa. Uma nova percepção, uma nova condição, um novo status. Porém, construir exige elementos sólidos, determinação, rupturas quase sempre dolorosas. Fica difícil falar em construção quando o velho traveste-se de novo para permanecer ou contamina com seus miasmas o processo de mudança.
Uma nova Paraíba, por exemplo, (desculpem o pessimismo renitente do cronista) nasceria da instalação de novas mentalidades, de uma gente disposta a dizer sim ao novo, não ao velho, porém, com ponderação nas escolhas. Depois, a desapropriação dos elitismos, dos coronelismos, dos paroquialismos, dos catolicismos arcaicos, dos individualismos antiproducentes. A continuar sob o julgo desses ismos todos, a nova Paraíba teria que ser construída nas camadas estratosféricas onde uma nova ordem se estabelecesse como regra, meta e desapego dos projetos personalistas.
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por Edson de França

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