A canção popular cria e recria a todo instante, ritmos, sonoridades,
construções verbais e poeticidades que interferem no cotidiano auditivo das
gentes e na composição de retratos das épocas. Incorpora esse caldo, ativo no inconsciente
coletivo, às sensações de pertencimento a uma determinada cultura, a
saudosidade ancestral e à criticidade permanente das conjunturas políticas.
A canção tem a função, se assim podemos falar, não apenas de remexer o
corpo ou ativar as sensações elétricas das romanticidades efêmeras. Coisa em
que a maioria que “dá voltas no trio” parece acreditar. A canção é, sobretudo,
a sensibilidade artística, sob os cânones de uma plasticidade datada, aplicada
sem peias nem cabrestos a sentimentalidade de um povo. Um caminho lúdico, em
primeira mão, de se reconhecer e participar da vida e das marés tempestuosas da
história.
Pareço, a primeira vista, teórico demais, ideologista demais, hermético
demais e outros istas a mais demais nesse começo de texto. Sei que posso soar
esnobe para alguns. Mas posso me explicar, com sua permissão, caríssimo leitor.
A música popular é elemento fundamental para a aprendizagem, para a vivência e
auto estima de um povo. Irredutivelmente, é preciso ser consumi-la e ponto
final. Penso dessa forma mesmo e talvez não saiba dizer a mesma coisa com
palavras mais simples. Foi assim que sempre compreendi (ou tentei compreender)
a música – mais precisamente, a canção popular (visto não termos,
brasileiramente falando, uma tradição erudita, clássica, por assim dizer) – de
minha época, desde a minha distante e persistente adolescência.
Não fiquei imune aos primeiros acordes que ouvi de Belchior, Raul Seixas,
e Ednardo e Luiz Gonzaga e Capiba e Jackson do Pandeiro e Trio Nordestino e.
Não tinha como. Nem com Livardo Alves, Vital Farias, Cátia de França, Biaia,
Zé e Elba Ramalhos, paraibanos de fé. Nem muito tardiamente a Disparada
de Geraldo Vandré e Theo de Barros, mesmo sendo paraibano. A mandíbula do burro
executada no acompanhamento de um frenético Jair Rodrigues ressoa no meu ouvido
a todo instante.
Falei que ouvi tardiamente a disparada de Vandré e foi. O que só me convenceu,
também precocemente, da nossa pobreza cultural. Pobreza não em termos de
produção (nisso, somos admiráveis), mas nas difusões enviesadas da cultura
endógena. Santos de casa jamais fazem milagre por essas bandas. O que, por fim,
nos acomete de um desconhecimento pífio de nossa produção cultural, deixando
faixas de público e regiões totalmente ignorantes do “barulhinho bom” que se
faz por aqui.
Por gostar de remar contra a maré é que casei com a música da Paraíba de
várias maneiras. No cartório e na Igreja - com juiz padre, padrinhos e
testemunhas - me casei com a música dita “séria”, uma Música Popular da Paraíba
com certa griffe que tanto agrada aos
intelectuais, música cabeça. Mundanamente, fui seduzido e me amancebei com a
música brega. Aí rolou uma cerimônia simples, com direito a audições de música de parques de quermesse e “festas americanas”
do subúrbio que nos pariu. Para completar, ainda flerto auditivamente com toda
a produção instrumental, experimental, eletrônica, multimídia, raps, repentes e
batuques produzidos por contemporâneos. Virei amante fiel, cuidadoso, extremado,
com ouvidos liberados para todos que usam a música como forma de expressão e
creem no ato de criar como uma forma sempre renovada de viver a vida como
passagem e o instante como forma de interação.
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Banda Sonora
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Para hoje a pedida é Livardo Alves, em verso e
ironia, na canção Doido da Paraíba, música do álbum duplo Malandro do Morro.
Pra ser doido na Paraíba
É preciso ter juízo
Tem que pular feito guariba
Tem que cantar de improviso
Tem que lamber, dendê, macaíba
Chupar um limão e dar um sorriso
Tem que ser artista, masoquista,
equilibrista
Alquimista, alpinista
Tem que ser polivalente,
inteligente
Inconsequente do jeito que o povo
gosta
Eita doido maneiro
Não rasga dinheiro, e nem come bola
Eita doido faceiro
Que bate pandeiro e toca viola
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Derradeiras Abaixo
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A situação da saúde no Brasil é de fazer chorar. Por aqui o serviço
público de saúde sofre pela ação nefasta de gestores e agentes (leia-se máfias
infiltradas sistema, má gestão das políticas públicas, políticas públicas
inadequadas, agentes despreparados e mais). Enquanto penteava essa derradeira,
uma olhada no site da Revista Época deu-me o mote que precisava para ilustrar
minha fala (http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/noticia/2012/10/saude-pede-socorro.html)
Por essas e outras é que entre a população prolifera a desconfiança
quanto à eficiência do serviço público de saúde. Verifica-se, também, certo
“preconceito” que visa desqualificá-la mais ainda. Enquanto isso, o setor
privado – este que um dia foi símbolo do status sócio-econômico e uma das joias
do ideário neoliberal contemporâneo - não passa de gestor de “planos de saúde”
na melhor acepção da palavra. Para estes, o cliente (ou seria vítima?) só serve
enquanto são. Haja, portanto, saúde para trabalhar e pagar mensalidades
(altíssimas, reajustadas religiosamente e por faixa etária), baixa cobertura,
rede sofrível de atendimento e etc.
Para equacionar tudo, além da TV a cabo, das prestações do seu possante
financiado e das especialidades não cobertas por seu plano máster, faça também
um plano funerário. Pode ser que na hora em que você precise realmente de um
plano, este seja realmente o que lhe socorra. Amém!
por Edson de França
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