segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Onde jazz a utopia

A pérola retórica “jazer em berço esplêndido”, que parece inspirado no verso do hino nacional “deitado eternamente em berço esplêndido”, tem tudo a ver conosco. Somos o país que jaz em berço esplêndido. Jazer aqui no sentido não apenas de estar deitado, mas sim de estar inanimado ou, no máximo, comportando-se como zumbi sagaz. Aparentemente vivaz, mas morto por dentro. Falta-lhe alma, gênio, coordenação motora e direcionamento.

Não é preciso ser exageradamente iluminista para perceber que um pouco de razão aplicada à ação humana influi decididamente na organização da sociedade e, sobretudo, na definição dos papéis sociais e responsabilidades individuais. Um país não é apenas uma porção territorial ocupada por indivíduos; mas fundamentalmente esses indivíduos em ação é que, em ultima instância, determinam o estatuto de pais, nação ou qualquer outro qualificativo que se dê a um pedaço de terra com meia dúzia de individualidades forjando convivências.

As noções de pertencimento e identidade, portanto, não fazem sentido se não emanam verdadeiramente de uma consciência plena do ser (individuo, pessoa) como construtor, mesmo que minoritário, do ideal de nação.

O que acontece conosco é emblemático. Somos “conscientes” a décadas do nosso baixo nível de escolaridade, por exemplo. Baixo nível de escolaridade redunda fatalmente em dificuldade em lidar (absorver, digerir, dar sentido, criar espírito critico) com os conhecimentos mais básicos. Mas, ironicamente, não fomos ainda capazes de construir um sistema escolar inclusivo e capaz de reverter esse quadro. Nosso sistema é excludente e, muitas vezes, inócuo. Temos gênios que não conseguem progredir nos estudos por n motivos e analfabetos nas universidades. Educação e conhecimento por aqui ganham status de projeção social no pior sentido.

Por outro lado, elegemos como instancia mais avançada de informação popular – aqui como criador de um determinado tipo de conhecimento que, no nosso caso, se tornou hegemônico – a mídia. Os últimos 40, 50 anos foram marcados pela polarização entre os meios de comunicação e a combalida escola. Ao passo que esta ultima via esvaziados seu sentido e recursos, aquela outra ganhava espaços com uma pedagogia muito mais atrativa (linguagem informal, nenhuma rigorosidade e os apelos fáceis da emocionalidade dentre outros). Tudo isso, claro, sem a oposição da mentalidade crítica que delimitasse espaços e exigisse incrementos qualitativos.

Por fraturas e contradições no nosso processo de escolarização é que o nível intelectual que andamos por ai usando, infelizmente, é bem mediano mesmo; daquele que justifica e, o pior, legitima o cardápio da mídia que é oferecido como base da informação popular.

Se alguma coisa é definida com o rotulo de “o povo gosta” pode contar que irá às ruas, invadirá as bancas, adentrará a sala de estar sem pedir licença. Mesmo efêmera, a coisa fincará raízes. A mente do povo estará plugada e o papo cabeça de vento girará em torno de alguns sucessos questionáveis. Não duvido nada que o anúncio de separação da dupla Zezé e Luciano tenha rendido mais preocupação e análise por parte de doutos e rudes do que as sucessivas quedas ministeriais do governo de D. Dilma. Estes últimos quando rendem comentários quase sempre são da base achista dos desentendidos, dos pigmeus do Boulevard e dos oposicionistas flutuantes.

Por aqui não se define, em nível de informação, o que é necessário, preciso, mas apenas o que cobre o caráter especulativo, facinho, digerível por osmose e, sobretudo, o que cabe dentro do desejo imediato de consumo mais ralés.

Penso que mesmo contra a maré cada editor de um jornal popularesco especializado em nos três b’s (bunda, bola e bala) devia montar na credibilidade adquirida e criar meios impressos que tocassem pontos nodais da vida moderna (economia, mundo corporativo, sustentabilidade, tecnologia, comportamentos saudáveis, direitos e deveres etc), mesmo que em linguagem popular, já que essa é a única que nós medianamente conseguimos entender. Penso (utopicamente, claro) que estaríamos contribuindo para um país e um mundo melhores. Mais rico de informações que, acima do mais do mesmo do mundo das celebridades improdutivas, cairia como alimento sustentador para os construtores cotidianos do país.

Enquanto nada disso ocorre – talvez, convenhamos, pela nossa incapacidade técnica, intelectual e insensibilidade social e futurista, ou mais, por uma indolência natural pelo que é passível de ser compartilhado -, vamos tocando improvisadamente com reco-recos, tamborins um réquiem para aquele que jaz. Um arremedo de jazz. Quem dera que o jaz que nos cabe fosse grafado com dois Z e que nossos improvisos rendessem, ao menos, melodias estimulantes para espíritos inquietos.

por Edson de França

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