Os rapazes do extinto humorístico global Casseta e Planeta cunharam uma piada sobre o assédio dos cantadores de viola que “atormentam” a vida de turistas e nativos que curtem os bares da orla. Na realidade, como o humor em sua cerne deve servir fundamentalmente para a crítica social, política e de costumes, a piada em foco deve ter um leitura bem mais ampla do que o simples riso passageiro diante das constatações óbvias. Os cantadores de viola - sobretudo os que dão seu expediente nas praias - fazem parte, atualmente, de um estrato social segregado e servem como exemplo da extensão da miséria econômica e cultural que impera no Brasil.
Sente-se em um bar em qualquer lugar desses brasis, que logo serás assediado por um exército composto de miseráveis. São meninos de rua desnudos e viciados, pequenos trabalhadores, boêmios precoces consumindo álcool e cigarros, menininhas de olhares lânguidos e famélicos, mulheres-meninas andrajosas com recém-nascidos remelentos no colo, bêbados, loucos e doidões pedintes de centavos e pingas, vendedores de rede, miçangas, bugingangas, quinquilharias e pingentes hippies.
Enfim, toda uma fauna de excluídos e “alternativos” que encontramos dos litorais
aos sertões deste país. Cidadãos de segunda, de terceira ou, sabe lá Deus, de que classe.
Junto a esses, os cantadores de viola, compõem um capítulo a parte. Eles não pedem simplesmente. Eles vendem arte. Talvez não à altura da qualidade e pureza que caracteriza o gênero e que a história nos relata. Mas, a seu modo, mantêm a tradição. Insistem, às duras penas, em permanecer tecendo versos para quem quiser (ou não) ouvi-los. Pululam nos bares buscando tão somente da boa vontade de quem quiser ouvi-los, aquele quinhão que os ajudará a manter a família e a inspiração.
Chova, faça sol ou chuva, lá estão eles, cantando tal qual as cigarras da fábula, enquanto as “formigas” roçadeiras labutam, ganham e gastam seus dinheiros, se divertem, se embriagam. Só que, ao contrário da fábula, as formigas não largam de seu labor um instante para dirigir a palavra, ou no mínimo, os ouvidos para as cigarras. Ali o contrato é econômico, um busca a sobrevivência, o outro... Alguns ouvintes chegam até a ceder alguma mixaria, com ares de desdém, apenas para livrar-se mais rápido daquele incômodo.
Os versejadores, espécie em rápido processo de extinção, viraram mendicantes do verso enfrentando um amplo espaço - este sim em processo crescente de expansão - de incompreensão. Sua musicalidade cabocla ainda tem que enfrentar os superpotentes sons de bares e automóveis envenenados tocando a última pérola musical de um grupo qualquer, batizado com um nome composto, geralmente, de harmonia incongruente. São vozes destoantes - para alguns, irritantes - diante de um mundo que sugere não querer ouvi-los mais. Viraram “praga”, simplesmente cigarras de praia em confronto com um mundo apoético, competitivo, em que o canto ancestral
destoa da racionalidade contemporânea. São sobreviventes atuando no amplo palco da indiferença.
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