Memória das águas. Esculturas de pedras. Dizem os especialistas que as regiões desérticas ou de clima semi-áridos, um dia já foram mar. Foram assim por milhões de anos até que o refluxo das águas acomodou a geografia terrena à atual distribuição topográfica do planeta. Litorais, brejos, cariris, sertões, desertos. Uma impressionante gradação climática, ao sabor das mais abundantes as mais homeopáticas dosagens de água. Cada qual com sua constituição própria, onde se sobressaem as mais variadas formas e texturas de relevo.
Observando com olhos de criança a exuberante composição do planeta pode-se vislumbrar os mais controversos fenômenos. Entre a fauna animada e os elementos inanimados existe uma vida dinâmica, uma relação de observação passiva e, às vezes, invasiva, imitativa. Mas não é só. Entre os elementos da natureza, sejam inertes, voláteis ou móveis, também havia de existir uma relação de exibicionismo, cada qual em sua particularidade que dá cores próprias ao seu ritual de representações. Paremos, então, antes que tarde seja, para ler o discurso imagético de pedras e nuvens.
As nuvens, vagando errantes por todo o globo, guardam memórias, figuras do mundo e as vão moldando, criando representações. Ícones multiformes Reproduzindo-as, sob a força dos ventos que as transportam, no cenário dos céus, seguem compondo imagens. Os olhos despreocupados, também errantes, observadores e sonhadores dos seres infantis as identificam e, também vão incorporando ao cabedal de memórias. São parceiros da viagem lúdica.Parece que um ser supremo e moleque, como o menino Cristo de Fernando Pessoa, brinca com a ingenuidade dos elementos.
As nuvens representam, em seu bailado, imagens de toda terra. Aqui um rosto humano de perfil, acolá um elefante estilizado e um pássaro diáfano que te persegue, um rebanho de cordeirinhos, logo ali, um cavalo alado, um sorriso de criança, uma montanha de algodão-doce. Há até quem tenha conseguido ver um rebanho desgarrado na pradaria, e vaqueiros como loucos a gritar, galopando para o além. Esse é élan da natureza das nuvens mutantes, errantes, nômades. Já as pedras... As pedras dos sertões. Impávidas, colossais, titânicas. Qual inertes guardiões dos séculos, solenes em seu mutismo mostram também suas memórias.
Vão recortando sobre a longitude dos horizontes, toscas figuras. Belas, na grande maioria das vezes, estranhas e soturnas, umas tantas outras, constituindo, à sua maneira, vastissínmo pasto para a imaginação. Lá, com doses de imaginação, é claro, vê-se leões marinhos, focas maternais e seus filhotes, um crocodilo pétreo que descansa a beira de um charco; todos em reverência ao confins infinitos do cosmo. A falível e passageira constituição do homem entra em contato sobre-humano com a fugaz representação das nuvens e com a dura constituição milenar das pedras.
Distante do mar, as pedras do sertão, em seu negrume férreo, vão estranhamente antropomorfoseando-se em criaturas aquáticas. Não lembram imagens dos desertos, dos animais terrestres seus pares que, sendo da natureza de seu habitat, lhes seriam bem mais peculiares. Têm a memória das águas que um dia banharam-lhe o dorso e, numa mirada atenta, fervorosa e enigmática dos céus, ficam em tempo de espera pelas eternas ondas que fecundaram-lhes de lembranças.
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