sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Em volta da viola

Parece mágica. Círculo de amigos, zumzum de falas em todos os tons e timbres possíveis, exortações e ânimos exaltados, doses e doses, ampolas e ampolas de cerva, piadinhas amiúde, sarros com as caras deste, daquele ou daquela, palmas ou risos para uma relembrança qualquer que aflora.  De repente, alguém se lembra de requerer o “auxilio luxuoso” de uma viola... Ela chega tímida, muda, meio desafinada, rouca. Vai infiltrando-se e recebendo apalpadelas em seu corpo esguio. Procura-se alguém que, mesmo parcamente, atire-se ao misterioso universo de cordas e sons.
A subordinada ave canora voeja a procura de um ser que harmoniosamente acaricie suas cordas vocais expostas. Passa de mão em mão. Mãos delicadas, mãos rudes, desajeitadas manoplas. Se tivessem ouvidos, chorariam ao ouvir comentários estabanados. “O que me atrapalha são as cordas”. “Tenho uma frustração: não aprendi tocar”. Tenho um bom ouvido, sei até afinar, mas tocar, parceiro, é outra coisa”. “Tu aí, metido, tu gosta de tocar? Porque não aprende?”. “Se tiver quem toque, eu canto!!!”. Alguém ameaça fazê-la de atabaque.
A viola declina, com certa arrogância, de assédios tão “tentadores”. Almeja tão somente chegar às mãos de quem a submeta aos limites de sua destinação existencial. Que a toque, que extraia do seu ventre algum som minimamente harmônico. Um herói, antes tarde que nunca, toma posse do pinho esculturado em formato feminino. O dispõe sensualmente entre as pernas e entre os arrulhos da companhia passa a tentar uma mínima afinação.
Parece magia. Aos poucos a caótica reunião passa a ter um motivo, um alvo de atenção, um antídoto anti-dispersão. O barulho diminui, os ouvidos parecem aguçados, as mentes a buscar melodias perdidas como se a simples presença da ilustre viola pudesse fazê-los recordar (e recordar é viver, já dizia uma velha canção perdida no tempo) os maviosos arranjos de suas afetivas canções.
Caso haja um prodigo virtuose entre os camaradas, a tertúlia tenderá a execução precisa de clássicos. Como geralmente um desses não está ao alcance fácil das rodas boêmias contemporâneas, a rodada de hits será composta de musica popularesca e altissonantes vozerios, enganiçados e precários. Mas tudo estará certo. Haverá magica no ar, afinal ninguém quer mais que a companhia da viola.
Quando o misterioso universo das madeiras, cordas e trastes passa a ser penetrado, bolinado, descoberto, exposto, mesmo que por mãos pouco habilidosas e conhecimentos musicais superficiais, existirá magia no ar. Ouvidos, também pouco afeitos aos conhecimentos estéticos musicais mais intensos, nada se importarão com a intromissão.
Melhor. O mistério dos dedos que atiçam cordas e despertam sonoridades atrai. São bruxedos, mistérios, mandingas, artes de prestímanos para iludir ou encantar plateias.  As melodias que daquele inusitado encontro saem despertam sentimentalidades adormecidas. As proximidades entre os elementos – instante, instrumento e artífice – perfazem o quadro mágico. A proximidade pessoal de estar dentro da mágica faz o circunstante ativo no espaço da magia.
Parecerá tudo então mágico como um Choro Bandido (Edu Lobo/Chico Buarque). “Mesmo que os cantores sejam falsos como eu/ Serão bonitas, não importa/ São bonitas as canções/ Mesmo miseráveis os poetas/ Os seus versos serão bons...”

por Edson de França

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