Parece
mágica. Círculo de amigos, zumzum de falas em todos os tons e timbres possíveis,
exortações e ânimos exaltados, doses e doses, ampolas e ampolas de cerva,
piadinhas amiúde, sarros com as caras deste, daquele ou daquela, palmas ou
risos para uma relembrança qualquer que aflora.
De repente, alguém se lembra de requerer o “auxilio luxuoso” de uma
viola... Ela chega tímida, muda, meio desafinada, rouca. Vai infiltrando-se e
recebendo apalpadelas em seu corpo esguio. Procura-se alguém que, mesmo
parcamente, atire-se ao misterioso universo de cordas e sons.
A subordinada ave canora
voeja a procura de um ser que harmoniosamente acaricie suas cordas vocais
expostas. Passa de mão em mão. Mãos delicadas, mãos rudes, desajeitadas
manoplas. Se tivessem ouvidos, chorariam ao ouvir comentários estabanados. “O
que me atrapalha são as cordas”. “Tenho uma frustração: não aprendi tocar”.
Tenho um bom ouvido, sei até afinar, mas tocar, parceiro, é outra coisa”. “Tu
aí, metido, tu gosta de tocar? Porque não aprende?”. “Se tiver quem toque, eu
canto!!!”. Alguém ameaça fazê-la de atabaque.
A viola declina, com certa
arrogância, de assédios tão “tentadores”. Almeja tão somente chegar às mãos de
quem a submeta aos limites de sua destinação existencial. Que a toque, que
extraia do seu ventre algum som minimamente harmônico. Um herói, antes tarde
que nunca, toma posse do pinho esculturado em formato feminino. O dispõe
sensualmente entre as pernas e entre os arrulhos da companhia passa a tentar
uma mínima afinação.
Parece magia. Aos poucos a
caótica reunião passa a ter um motivo, um alvo de atenção, um antídoto anti-dispersão.
O barulho diminui, os ouvidos parecem aguçados, as mentes a buscar melodias
perdidas como se a simples presença da ilustre viola pudesse fazê-los recordar
(e recordar é viver, já dizia uma
velha canção perdida no tempo) os maviosos arranjos de suas afetivas canções.
Caso
haja um prodigo virtuose entre os camaradas, a tertúlia tenderá a execução
precisa de clássicos. Como geralmente um desses não está ao alcance fácil das
rodas boêmias contemporâneas, a rodada de hits será composta de musica
popularesca e altissonantes vozerios, enganiçados e precários. Mas tudo estará
certo. Haverá magica no ar, afinal ninguém quer mais que a companhia da viola.
Quando
o misterioso universo das madeiras, cordas e trastes passa a ser penetrado,
bolinado, descoberto, exposto, mesmo que por mãos pouco habilidosas e
conhecimentos musicais superficiais, existirá magia no ar. Ouvidos, também
pouco afeitos aos conhecimentos estéticos musicais mais intensos, nada se
importarão com a intromissão.
Melhor.
O mistério dos dedos que atiçam cordas e despertam sonoridades atrai. São
bruxedos, mistérios, mandingas, artes de prestímanos para iludir ou encantar plateias.
As melodias que daquele inusitado
encontro saem despertam sentimentalidades adormecidas. As proximidades entre os
elementos – instante, instrumento e artífice – perfazem o quadro mágico. A
proximidade pessoal de estar dentro da mágica faz o circunstante ativo no
espaço da magia.
Parecerá tudo então mágico
como um Choro Bandido (Edu Lobo/Chico Buarque). “Mesmo que os cantores sejam
falsos como eu/ Serão bonitas, não importa/ São bonitas as canções/ Mesmo
miseráveis os poetas/ Os seus versos serão bons...”
por Edson de França
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