terça-feira, 18 de agosto de 2015

Da festa ao fosso

Convenhamos, caríssimos companheiros do front jornalístico, que nosso dia a dia é ponteado por pautas, motivos e situações intocáveis. Inalcançáveis, até. Isso devido, com certeza, ao nosso limitado domínio das artes de perscrutar, ao moderado estilo de inquirir, aos nossos meios operacionais e acessos disponíveis e, é claro, às temíveis conjunturas politicas, dadas a conveniências várias e censuras particulares.
Quem está na arena, seja como mero registrador de eventos ou agente inteligente e provocador, seja como mero espectador ou analista privilegiado da mídia, tem que direcionar o periscópio e magnetizar as antenas da crítica para perceber-se, também, dentro dessa condição paralisante do bom exercício da informação clara e precisa.
Há situações e temas espinhosos, caixas-pretas que não podemos abrir, solos de mansardas e palacetes que queimam nossos pés, truculência e maneirismos de figuras de proa do cenário político, econômico e até da militância dita social. Além, é claro, das tesouras que limitam nossas asas e da subversão da mente que contribui com nossa idiotização. Primeiro individual, depois, a partir da propagação do nosso trabalho, coletiva e contagiosa.
Dificilmente, alguma pauta de real e grandioso interesse coletivo ganha as cores e a profundidade ideais para parâmetros básicos de informação que sirvam como ganho real no nível de conhecimento do público.
Discordo do profeta Raul quando insinuava ser o jornal um monte de mentiras. Mas isso é apenas a defesa apaixonada do trabalho de inúmeros colegas que ralam incansavelmente para produzir jornalismo.
Por outro lado, não posso negligenciar a alfinetada sagaz do maluco beleza. O jornalismo pode não ser um calhamaço de mentiras, mas não passa de um produto enlatado para consumo. Pense em enlatado como veneno para saúde, para o corpo ou para a mente conforme o caso.
O enlatado, geralmente, promete gostosuras, praticidade, com garantias de essência imaculada. O jornalismo promete verdade, imparcialidade, objetividade e, mais recentemente, imediatismo.
Do enlatado, suprimem-se (quando se adicionam os conservantes) a essência vital dos alimentos aprisionados. Por extensão, caem os sabores naturais (por vezes, substituídos por artificialismos). É preciso garantir vida longa ao produto como forma de garantir muitos dias de vida na prateleira dos peg-pagues do mundo.
No jornalismo, o caminho da fonte ao leitor, expectador ou ouvinte é floresta de lobos vorazes e maquiavélicos.
As matérias de transito fácil, que envolvem interesses e narcóticos massivos, são o oba-oba da cobertura jornalística. Abrem-se janelas, escancaram-se portas, estendem-se os tapetes vermelhos para profissionais de ponta e pixotes amadores. Todos tem acesso a tudo.
É a hora do oba-oba da notícia.
O interesse é, claro, massificar a informação para que todos saibam todos os detalhes superficiais da ação e atendam ao chamado do berrante. Saber só, não. É preciso acreditar, multiplicar, transferir, replicar até perder de vista.
Pergunte, por exemplo, em nome da transparência, que se ponha luz sobre os contratos das estrelas de festas populares. Pauta fácil para profissionais e holofotes de qualquer rincão perdido pelos cafundós dessa república. Acho, com certo escarnio, que vão transpor o vermelho do tapete para teu corpo amarrotado.
Quando algum golpe está em caminho, naqueles casos em que a mídia é conivente (quando não mentora), abrem-se escaninhos ocultos; números e estatísticas viram café da manhã, almoço e jantar; perdas e ganhos são sopesados diariamente.
Cria-se um clima de terror ou de derrocada anunciada. Algo assim como a invasão imaginária de homenzinhos verdes no planeta. Nesses momentos, o ilustre inquiridor, sempre se achará um arauto da verdade, da veracidade, da moralidade e outros ades a mais. É bom pensar nisso.
por Edson de França  


 


   

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