A
página (ou a tela para os moderninhos) em branco é o maior desafio para o
escritor. Frente a frente com ela neguinho vacila, em casos extremos faz sair
fumaça carapinha acima. É um sofrimento intenso que antecede e não se extingue
com a colocação da primeira palavra. Para muitos o ato de escrever beira as
margens do impossível, algo aparentado com uma subida ao topo do Aconcágua sem
agasalhos ou instrumentos de proteção para alpinistas.
Mesmo
no jornalismo, atividade por excelência avessa ao indefinível chamado
inspiração, mais afeita aos redatores que aos escritores puro sangue, é por
vezes angustiante encadear as ideias. E olhe que processo de produção jornalística prende-se
mais ao imperativo temporal (dead line) que às questões estilísticas. Ele
começa, via de regra, pela coleta de informações, passa algumas vezes pelo
crivo da checagem para, finalmente, chegar a elaboração do texto. Aí é a hora
de elencar informações por ordem de importância, selecionar as palavras certas
que condigam com a objetividade que o ofício exige e só aí começar a macular a
página. É mecânico, dizem, mas não de todo liberto da angustia.
Ela,
a palavra, enquanto isso, parece escarnecer dos dilemas do pobre escrevinhador.
Seja no texto mais literário, seja no texto mais indicial, esquemático a
tragédia se repete. É dilema e tamos conversados. É no fundo um joguinho de
esconde-esconde, em que as palavras, libertas por natureza, faíscam na
superfície nada límpida da mente e lançam desafios a quem queira fisga-las. “Tens
uma idéia, infeliz?” – parecem perguntar. “Então, olhe para nós e escolha as
melhores para dar vida aos seus pensamentos!”.
Creio
nas palavras como entidades virtuais e, naturalmente, polissêmicas. Autônomas,
sobretudo. Detestam as amarras das ideias fixas. Atraem-nos para as profundezas
dos conteúdos instigantes. Namoram brincalhonas com a inventividade, com a inventação e com a criatividade, essas
coisas que colorem a imaginação de quem escreve e quem, por acaso, encontra
prazer em consumir textos. Amigos da palavra, um e outro, separados pela
“intransponível” barreira da página em branco. A palavra é um signo linguístico
que adquire materialidade na página, mas exige decifração.
A
palavra detesta a preguiça. A inércia mental de quem não insiste, não martela,
não se abre ao desafio de provocar uma produção textual qualquer. Abomina
também a indolência de quem renega a capacidade de decifrar signos ou símbolos.
O mundo só é mundo através do uso palavra. Do usufruto de seus aromas, texturas,
armadilhagens. De sua capacidade imensurável de criar laços, mundos,
combinações alquímicas para guerra ou para a almejada paz entre os homens.
Se o
escrevinhador, na real, quer produzir algo, elas batem a porta tal qual a flor
que não se cheira da velha canção de Pepeu Gomes: “Toda manhã ela bate em minha
porta, toca em minha janela só pra ver o sol entrar”. O velho cronista, do alto
de seus dilemas criativos assevera: ”eu lhe asseguro que ela não é flor que se
cheire, mas, mais que o sol, ensolara
o coração”. A página em branco, afinal, é só mais uma rinha de esgrima entre um
ente “criador” e o complicado mundo da comunicação entre as pessoas.
por Edson de França
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