Puta
com os destinos administrativos do Brasil Varonil, a Maga Patalógica, alcunha
jocosa de uma de minhas vizinhas, distribuía impropérios aos governantes de
então e revirando os olhos para um ponto indefinível lá nos céus, dizia para D.
Zefinha: “Isso é o marchismo, Zefa!
É o marchismo!!!” Assistente
privilegiado da cena prosaica e ingênuo navegante das literaturas
sócio-políticas, imaginava que a tal culpa cabia ao machismo que imperava na
sociedade e que, além de responsável por manter a integridade conhecida da
personagem, ainda era culpado pelos desmandos administrativos do país, senão do
mundo.
Areia
pelos compartimentos da ampulheta depois, pude perceber que a culpa pelos problemas
eram dirigidas ao marxismo, vocábulo
que a minha expert em política tinha captado, en passant, em uma graduação expressa em geografia que não a
capacitava a ter noção, se vivia dentro ou em cima da bola azulada, se a África
era um continente ou um país ou em qual posição cardeal básica ficava o litoral
brasileiro. A questão de fundo, porém, não se reduzia à pronúncia enviesada da máxima
sociológica, mas a apropriação do termo para definir a conjuntura e embasbacar a
“gente simples” com um pretenso conhecimento. Além, é claro, de alimentar as
relembranças e a idolatria da personagem por um certo pessoal de farda.
Esse
comportamento, contudo, não é uma particularidade da Maga em outros tempos...
Ao contrário, a via internáutica que nos transporta não serviu para criar mais
bem pensantes. Aperfeiçoou, sim, a formação e o aculturamento dos “ignorantes
letrados”. Uso essa expressão com doses generosas de sadismo, porque acho que
para a empáfia dos “inteligentes de última hora”, não há outro remédio que o
gelo do artigo para apagar a fogueira particular das vaidades.
Circulam
por aí, uma porrada de espécies e subespécies de ignorantes letrados. Minha
pesquisa informal, contudo, detectou inicialmente 04 tipos. A primeira delas,
chamei de “pocket book”, aqueles que
se formam (ou ganham um lustro mínimo) por via das edições de bolso, as
compilações, sem jamais conseguir consumir algo no original. Esses até são o
mais conscientes de suas limitações e, por humildade, geralmente não andam por
aí mostrando seus dentes de asno. Cometem, alguma vez, uma gafe ou outra, mas
se contêm.
A
segunda espécie é a da osmose axilar,
posto que desfilam exibindo opúsculos, por vezes, até originais, mas não
ultrapassam a leitura das orelhas. Pena que estas não lhe sirvam de adorno
craniano. A terceira é a formação aforismática.
Por ela, os insignes ignorantes leem frases soltas, por vezes desconexadas de
seu contexto original. Leem, decoram e destilam frases feitas com uma autoridade
de quem digeriu o Manual de cara de pau (Manual do cara de pau, é fácil falar
difícil, de Carlos Queiroz Telles) na íntegra.
Por
último, talvez a mais danosa das espécies, os da oitiva desatenta. Aulas de sociologia, antropologia geralmente são
enfadonhas, porque os mestres não têm paciência de descer de seus andores ou
esperar que as eclusas do conhecimento aproximem alunos mal-formados das
condições de navegação em águas absolutamente niveladas. Esse comportamento que
se repete em outras disciplinas como a matemática, permite a formação da
espécie oitiva desatenta. Entre a má fomação e a desatenção, o cara vai
pegando, pelo rabo, trechos desconexos da fala do professor e depois sai a
propagar, rouba ideias de A, B ou Z, faz uma omelete indigesta e as usa, como
se suas fossem.
Todos
esses comportamentos de formação (ou de vícios de formação) perpassam e
distorcem questões como o “marchismo”, citado no início da crônica. A
ignorância total quanto às ideias do alemão Marx – poucos que utilizam suas
teses, hoje, realmente leram-no no original. Daí atrelar a culpa pelos
problemas do mundo ao marxismo é fácil e falacioso. As ideias marxianas, quando
lidas com a parcimônia necessária, mostram uma forma de ver o mundo, a evolução
histórica através da construção das riquezas e da exploração do trabalho. Um
método, enfim, que objetivamente permite observar a vida, alongar o olhar sobre
as nuanças mais explicitas ou mais obscuras da formação da sociedade.
Assim
como uma cartilha dos magos capitalistas que ensina os caminhos da
capitalização, da administração de pessoas, coisas, e o escambau que sirva à
exploração e a competição arraigada entre os homens, só. Culturalmente, contudo,
ideias marxianas (ou apenas o termo marxismo), servem aos avatares da ignorância
letrada, destituídos de qualquer autoridade intelectual, para denominar
movimentos políticos e basear suas conclusões mindinhas, seus pré-conceitos,
suas revoluções de fancaria e alienação.
Não
acuso, claro, os ignorantes como iletrados. Letrados são, sim. Porém, apenas chegaram
rastejando ao letramento. De resto, são boas doses de achismo e arrogância, os
quais não tem vergonha de distribuir a torto e a direito.
por Edson de França
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