segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Sketch político



Subirauá. 14:47. Sabor de tarde morna. Eu e Lorota Jock, velho amigo industrial falido e político sem mandato, derrubávamos umas loiras geladas no mais singelo exercício cidadão de nada fazer, também conhecido como ócio improdutivo. Desfrutávamos do parasitismo são, queimando nossas ultimas finanças, quando vimos adentrar ao recinto uma solene figura. Um histrião, um tanto quanto espalhafatoso, uma tanto quanto impressionante. Jock o reconheceu:
_ Olha lá, olha lá... Dr. Marmelo Siqueira! Há quanto tempo não via essa autarquia...
            Indiferente pra mim.
_ De quem se trata? – indaguei.
_ Tu não conhece? Já vi que tu não sabe nada da história da tua cidade. Do povo importante da tua cidade, da elite.
Dei de ombros.
- Dr. Marmelo, na realidade Ibsen Marmelo Siqueira Milk, com todas as letras. Descendência inglesa, meu velho. Uma das famílias mais importantes dessa cidade, figurinha carimbada nas colunas sociais. Tem até parentesco com os fundadores... com os fundadores, meu filho, sabe o que é isso? O pai foi fazendeiro; ele herdou as propriedades, investiu em outros ramos de negócio, é advogado e conselheiro do Clube Social de Subirauá. Sinceramente, meu velho, tô com vergonha de tu não conhecer, vergonha por tu, otário. Só num sei, “mermo”, o que ele ta fazendo aqui...
Do relato empolado de Jock nada guardei, não faziam parte do meu raso memorial de lembranças públicas. Decidi ali na hora que não gostaria da proximidade do figurão. Mas recessivo como estava na mesa, assisti impávido o empolgado amigo invocar a criatura:
_ Dr. Siqueira, meu amigo, figura impoluta, chegue aqui próximo do amigo, chegue, dê-me cá um abraço. O que faz nessa espelunca, visitando os remediados, arrebanhando serviçais? Pois está claro pelo porte do amigo, que essa pocilga não está à altura de sua persona...
O figuraça se apossou da nossa paz vespertina. Graças aos deuses, me olhou com um ar de superioridade e desprezo. Sinceramente agradeci pela pouca importância, rezei intimamente a oração da invisibilidade, meu amigo antídoto para figuras de sociabilidade dúbia. Fiquei ali, quieto, assuntando feito um vira-lata desconfiando.

_ Diga lá, doutor, o que manda?
            Meu amigo parece ter esquecido de mim com a chegada da ilustre personalidade. Agradeci duplamente. Pela indiferença e o preconceito explicito do figura e pela desimportancia do amigo para comigo.
_ Tô em campanha! – sentenciou o homem já tirando um maço de santinhos do bolso do paletó. Sinto-me obrigado em nome da baderna que se instala em nosso meio. Para mim hoje é essa uma cruzada em nome das pessoas de bem desta terra. To candidato em nome do resgate da dignidade das classes gestoras, empreendedoras, históricas dessa cidade, das pessoas de sangue, de descendência nobre, dos conquistadores. Veja só, permitiu-se a ascensão de gentinha, meu amigo. Gentinha, meu amigo!
Afundei-me ainda mais no meu mutismo. Mente viajando pras fronteiras do insondável.
_ Imagine só, meu amigo... meu amigo, como é teu nome mesmo? Já não se pode mais andar de avião, por exemplo. É gente paupérrima, mau educada, sem finesse, pingentes de pau de arara rá, rá, rá... enchendo o aeroporto com suas vergonhas. Não, meu amigo, é preciso subvencionar as elites para que voltemos a respirar em paz...
Calcei minha rota sandália havaiana. Levantei-me. Ninguém nem deu fé. Saí de fininho, levei minhas “oiça” pra longe do discurso do representante da realeza inglesa. Minha mente estava sintonizada em outra estação, distante, mais humana, mais pé no chão, mas sem brasões ou títulos de nobreza e sem nenhuma intenção de aterrissar.

por Edson França

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