Subirauá. 14:47. Sabor de tarde morna. Eu e Lorota
Jock, velho amigo industrial falido e político sem mandato, derrubávamos umas
loiras geladas no mais singelo exercício cidadão de nada fazer, também conhecido
como ócio improdutivo. Desfrutávamos do parasitismo são, queimando nossas
ultimas finanças, quando vimos adentrar ao recinto uma solene figura. Um
histrião, um tanto quanto espalhafatoso, uma tanto quanto impressionante. Jock
o reconheceu:
_ Olha lá, olha lá... Dr. Marmelo Siqueira! Há
quanto tempo não via essa autarquia...
Indiferente pra mim.
_ De quem
se trata? – indaguei.
_ Tu não conhece? Já vi que tu não sabe nada da
história da tua cidade. Do povo importante da tua cidade, da elite.
Dei de
ombros.
- Dr. Marmelo, na realidade Ibsen Marmelo Siqueira
Milk, com todas as letras. Descendência inglesa, meu velho. Uma das famílias
mais importantes dessa cidade, figurinha carimbada nas colunas sociais. Tem até
parentesco com os fundadores... com os fundadores, meu filho, sabe o que é
isso? O pai foi fazendeiro; ele herdou as propriedades, investiu em outros
ramos de negócio, é advogado e conselheiro do Clube Social de Subirauá.
Sinceramente, meu velho, tô com vergonha de tu não conhecer, vergonha por tu,
otário. Só num sei, “mermo”, o que ele ta fazendo aqui...
Do relato empolado de Jock nada guardei, não faziam
parte do meu raso memorial de lembranças públicas. Decidi ali na hora que não
gostaria da proximidade do figurão. Mas recessivo como estava na mesa, assisti
impávido o empolgado amigo invocar a criatura:
_ Dr. Siqueira, meu amigo, figura impoluta, chegue
aqui próximo do amigo, chegue, dê-me cá um abraço. O que faz nessa espelunca,
visitando os remediados, arrebanhando serviçais? Pois está claro pelo porte do
amigo, que essa pocilga não está à altura de sua persona...
O figuraça se apossou da nossa paz vespertina.
Graças aos deuses, me olhou com um ar de superioridade e desprezo. Sinceramente
agradeci pela pouca importância, rezei intimamente a oração da invisibilidade,
meu amigo antídoto para figuras de sociabilidade dúbia. Fiquei ali, quieto,
assuntando feito um vira-lata desconfiando.
_ Diga lá, doutor, o que manda?
Meu amigo parece ter esquecido de mim com a chegada da ilustre personalidade. Agradeci duplamente. Pela indiferença e o preconceito explicito do figura e pela desimportancia do amigo para comigo.
Meu amigo parece ter esquecido de mim com a chegada da ilustre personalidade. Agradeci duplamente. Pela indiferença e o preconceito explicito do figura e pela desimportancia do amigo para comigo.
_ Tô em campanha! – sentenciou o homem já tirando
um maço de santinhos do bolso do paletó. Sinto-me obrigado em nome da baderna
que se instala em nosso meio. Para mim hoje é essa uma cruzada em nome das
pessoas de bem desta terra. To candidato em nome do resgate da dignidade das
classes gestoras, empreendedoras, históricas dessa cidade, das pessoas de
sangue, de descendência nobre, dos conquistadores. Veja só, permitiu-se a
ascensão de gentinha, meu amigo. Gentinha, meu amigo!
Afundei-me ainda mais no meu mutismo. Mente
viajando pras fronteiras do insondável.
_ Imagine só, meu amigo... meu amigo, como é teu
nome mesmo? Já não se pode mais andar de avião, por exemplo. É gente
paupérrima, mau educada, sem finesse, pingentes de pau de arara rá, rá, rá...
enchendo o aeroporto com suas vergonhas. Não, meu amigo, é preciso subvencionar
as elites para que voltemos a respirar em paz...
Calcei minha rota sandália havaiana. Levantei-me. Ninguém
nem deu fé. Saí de fininho, levei minhas “oiça” pra longe do discurso do
representante da realeza inglesa. Minha mente estava sintonizada em outra estação,
distante, mais humana, mais pé no chão, mas sem brasões ou títulos de nobreza e
sem nenhuma intenção de aterrissar.
por Edson
França
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