sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Perguntar? Pode, com moderações, por favor!


Não tenho certeza se é uma afirmação ou uma interrogação, mas no filme K-PAX (K-PAX, o caminho da luz, direção de Ian Softley, EUA, 2001,), o personagem de Prot, o homem do outro mundo, interpretado por Kevin Spacey faz uma interpelação deveras instigante ao Dr. Mark Powell, personagem de Jeff Bridges. Não me lembro a ordem das palavras, mas a questão pode ser colocada nesses termos: “Você não pergunta demais para um homem que se diz inteligente?”. 
A pergunta feita em tom reprovatório tinha por objetivo brecar a avalanche de perguntas que o psiquiatra Powel dirigia ao homem das estrelas com o intuito de diagnosticá-lo vítima algum distúrbio de personalidade tão comum a humanos tão normais e esquizóides. Pelo que dá pra se entender da reprovação é que o homem das estrelas não suportava a obviedade dos comentários e inquirições e, mesmo com toda a simpatia dos superiores, tentava rechaçá-las ou fazer o inquiridor pensar nas limitações de seu intelecto perscrutador.
Perguntar faz parte das estratégias sócio comportamentais do homem; são formas singelas (às vezes impertinentes e invasivas) de engendrar sociabilidades. Mecanismos com que os indivíduos tomam pé das coisas do mundo; matérias de pessoas, lógicas, estruturas de convivência, psiquismos comportamentais das pessoas e das coletividades.    
Há uma fase na vida das crianças em que perguntar faz parte da entronização social; uma espécie de extensão lingüística do sentido tátil. A pergunta básica “O que é isso?” vira o repertório quase que exclusivo da conversações limitadas entre gigantes e pequenos. Não se intui nada, pergunta-se. Para os adultos mais insensíveis trata-se de uma fase irritante. Já vi, inclusive, muitos pais descerem o sarrafo verbal ou material no lombo dos “picorruchos” por causa da inocente e tão natural sanha de conhecimento.
Na realidade é que essa fase vai sendo minorada à medida que crescemos; à medida que ganhamos massa cultural e intelectual. A medida, enfim, que estabelecemos laços mais consistentes com as intricadas particularidades do mundo. Mas, em algum lugar da constituição psico-física do homem adulto reside a curiosidade infantil – em alguns casos infantilóide – que  leva alguns de nós a investir todos os recursos intelectuais na arte da perguntação.
Por ofício, porem, algumas profissões exigem que seus agentes tenham que se esmerar na arte, mas aí falamos de entrevista com algum objetivo, por exemplo, a produção de informação pública ou em casos de anamnese. A reserva se dá justamente a quem contraria essa lógica. É comum confundir-se perguntadores banais com inteligentes. Nem eu, nem Prot vemos as coisas assim.
Inteligência tem mais de intuição a partir de perguntas básicas e incisivas do que da banalização do exercício. É que muitas vezes a pessoa perguntadora subvaloriza todos os mecanismos de interpretação em troca do simples – para eles - prazer de perguntar, perguntar, perguntar... Para quem se depara com um desses espécimes sobram, creio eu, doses maciças de irritação e desconforto.
por Edson de França   

P.S: Texto publicado no www.patosonline.com com o título "Acaminho do Saber", em 12/09/2014.

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