Dei
o título de uma música de Beto Guedes a crônica por uma razão telúrica e
sentimental. Por reiteradas vezes desejo sentir o gosto e o cheiro da terra e
da gente simples. Nas estradas de terra ou nos nichos do asfalto busco
encontrar uma ligação sã com o que há de mais puro na face desse complicado
planeta. Tudo aquilo que há de mais despretensioso, sem ser gratuito,
fútil. E nessas horas lembro-me do velho
Maia, meu pai, e da forma como atravessou e encarou a vida.
Mesmo
dentro do quadro da ranzizice que acomete os mais velhos, como o frio que faz
doer os ossos, havia naquele homem algo de pueril, inocente, infante. Uma
morada longínqua e serena dentro dos olhos apertados que pareciam perguntar o
porquê das coisas. Um perguntar silencioso, contido, ao contrário das crianças
que interrogam os pais puxando-lhes as abas da roupa. Explosões naturais de
humor para quem já cansou dos percalços da existência mesclada a uma calma de
quem aceita, pacientemente, a inexorabilidade do destino.
Uma cidade pequena em transição entre ar de
cidadezinha qualquer e o espírito cosmopolita, uma pracinha, duas arvores
frondosas, uns desgraciosos, porém úteis, banquinhos de cimento, os olhares
espichados dos varões para uma moçoila que passa indiferente, um boteco de
ponta de rua, os “ois” e “boas tardes” de quem passa pra comprar pão doce pro
lanche da tarde, uma sombra mãe, uma mesa, uma cerveja gelada ou uma “de
cabeça” acondicionada em garrafa pet, um velho a observar a vida em uma cadeira
de balanço, um palco para chorões. Isso me faz pensar no transitório e no que
há de realmente permanente nessa vidinha besta.
Penso
num choro tocado pelo clarinete de seu João Maia. Pesco as ultimas notas como
pérolas. Deixo-me possuir pelo mundo e me irmano com o poeta mineiro e todo
resto de mundo.
A música é o veículo das coisas d’alma.
Afinação mais que absoluta do instrumento que sonda as regiões abissais do ser
e vem a flor da pele em movimento permanente. Ela parte de quem intui sons e os
arranja e os libera, ave de prata inefável, para dentro de quem ouve. Faz
morada no centro das sensibilidades. Enternece, desperta memórias, marca
instantes, afasta os maus espíritos e cria ternas moradas para os fantasmas amados
ou as evocações de um tempo outro.
O "choro de pai" se acerca da gente, despretencioso como um bando de borboletas que se convida a dançar no jardim para encantá-lo. São notas-borboletas de um colorido único. "Quem me disse pra não chorar/ Nem me perder por aí/ E tanto fez e refez, tanto faz/ das cordas do meu coração/ que bom choro de pai". Interrogam-nos sobre a natureza das flores que cultivamos. "Contou que para colher sempre tem companheiro/ Mas plantar é trabalho de quem vive só/ Me diz aonde caminhar e vence a vida por mim/ mesmo sabendo que eu caminharei por mim".
Seu João, sereno, me olha a distância e pede pra que eu pesque
mais uma nota com ele componha um novo acorde.
por Edson de França
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