Por
várias vezes escutei da boca de autoridades da cultura e, também, de pessoas
comuns a expressão “Minha cidade é um pólo cultural” ou “tal cidade é um pólo
cultural”. Não costumo discordar da afirmação, mas alguma coisa dentro de mim
se revolve como a exigir uma discussão ampla da “verdade” expressa nas
palavras. É que a expressão soa, na grande maioria das vezes, como um chavão ou
expressão destituída de significados palpáveis.
Penso
(e isso é natural em nós) que muitas vezes somos levados a reproduzir certos
chavões ou clichês. Todos produzidos pela propaganda institucional ou pelas
crenças enraizadas nesse inconsciente de fácil acesso que nos faculta o recurso
da retórica fácil. Recorremos às idéias preconcebidas, deus sabe lá por quem e,
por força do hábito, as utilizamos para propagar ou fortalecer nossas próprias
ilusões. O pior, entretanto, é que tais reproduções acabam legitimando certas (in)
verdades.
Fala-se
e escreve-se mais sobre cultura e efervescências culturais do que realmente
vive-se uma atmosfera cultural na maioria absoluta das cidades em que os
zelosos moradores afirmam reinar os tais “pólos” culturais. Na realidade, a
cultura a que se referem se trata de manifestações pontuais, específicas e
insignificantes do ponto de vista de vivencia cultural de uma localidade. Na
maioria das ocorrências, trata-se de uma “cultura de vitrine”, destituída do
enraizamento, do compartilhamento, da participação coletiva e de multiplicação tácita
de ocorrências.
Uma
“cultura” de eventos episódicos tão somente geradores de “souvenirs” imateriais
para o orgulho nativo dos intelectuais da província e a propaganda oficial da
cidade. Claro que para quem pretende visitar uma cidade qualquer, a tal
“cultura” serve como atrativo. Para quem visita, uma apresentação qualquer, serve
para alimentar a memória afetiva e acrescer em pouquíssimos pontos o lastro
cultural do viajante.
Cultura
em nosso meio, creio, deve ser resultado de mobilização coletiva em torno de
algo Uma prática, um cultivo, uma celebração, um hábito, o que seja da área das
manifestações coletivas. Uma sensação de pertencimento e de participação
efetiva corre como onda motivacional entre os indivíduos. Quando esses
componentes ganham materialização e impõe-se internamente no seio de uma população,
então temos verdadeiramente um sentido amplo de cultura. O resto é apenas mais
uma das ilusórias “verdades” que nós, de entusiastas e militantes a
deslumbrados e inocentes, proferem para manterem-se vivos.
Os
pólos culturais sobrevivem, na maioria das vezes, da sangria “oficial” sobre
grupelhos artísticos e folclóricos, mantidos as duras penas pelos componentes. Sendo
estes frutos muitas vezes do esforço de abnegados que um dia, lá no passado, juntaram
cacos de memória adquiridas, via cultura oral, por laços familiares ou
comunitários ancestralísssimos, e ergueram em torno de si uma lenda mais
pessoal que coletiva. Até aí, já se disse metade do processo: a “cultura” é
paupérrima. Não em sentido de riqueza intrínseca, laborativa e antropológica,
mas na estrutura que lha dá apoio e sustentação, na organização de base e nas
políticas públicas que garantam sobrevivência.
Oriunda,
claro, dos estamentos mais instáveis sócio-economicamente de que se dá notícia,
a espécie “cultura” dos “pólos culturais” são pedras rolantes que não conseguem
firmar-se, mantendo-se e criando multiplicadores que ajudem a manter sua
mística, seu lume, suas técnicas, suas artes, sua alegria. São velas ao vento. Chama
oscilante ao sabor de tempestades tão medonhas e impenetráveis, que com poucas
rajadas podem largar ao esquecimento todo seu guarnicê de práticas afetivas.
por Edson de França
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