sexta-feira, 1 de agosto de 2014

A controvérsia dos polos culturais




Por várias vezes escutei da boca de autoridades da cultura e, também, de pessoas comuns a expressão “Minha cidade é um pólo cultural” ou “tal cidade é um pólo cultural”. Não costumo discordar da afirmação, mas alguma coisa dentro de mim se revolve como a exigir uma discussão ampla da “verdade” expressa nas palavras. É que a expressão soa, na grande maioria das vezes, como um chavão ou expressão destituída de significados palpáveis.
Penso (e isso é natural em nós) que muitas vezes somos levados a reproduzir certos chavões ou clichês. Todos produzidos pela propaganda institucional ou pelas crenças enraizadas nesse inconsciente de fácil acesso que nos faculta o recurso da retórica fácil. Recorremos às idéias preconcebidas, deus sabe lá por quem e, por força do hábito, as utilizamos para propagar ou fortalecer nossas próprias ilusões. O pior, entretanto, é que tais reproduções acabam legitimando certas (in) verdades.
Fala-se e escreve-se mais sobre cultura e efervescências culturais do que realmente vive-se uma atmosfera cultural na maioria absoluta das cidades em que os zelosos moradores afirmam reinar os tais “pólos” culturais. Na realidade, a cultura a que se referem se trata de manifestações pontuais, específicas e insignificantes do ponto de vista de vivencia cultural de uma localidade. Na maioria das ocorrências, trata-se de uma “cultura de vitrine”, destituída do enraizamento, do compartilhamento, da participação coletiva e de multiplicação tácita de ocorrências.
Uma “cultura” de eventos episódicos tão somente geradores de “souvenirs” imateriais para o orgulho nativo dos intelectuais da província e a propaganda oficial da cidade. Claro que para quem pretende visitar uma cidade qualquer, a tal “cultura” serve como atrativo. Para quem visita, uma apresentação qualquer, serve para alimentar a memória afetiva e acrescer em pouquíssimos pontos o lastro cultural do viajante.
Cultura em nosso meio, creio, deve ser resultado de mobilização coletiva em torno de algo Uma prática, um cultivo, uma celebração, um hábito, o que seja da área das manifestações coletivas. Uma sensação de pertencimento e de participação efetiva corre como onda motivacional entre os indivíduos. Quando esses componentes ganham materialização e impõe-se internamente no seio de uma população, então temos verdadeiramente um sentido amplo de cultura. O resto é apenas mais uma das ilusórias “verdades” que nós, de entusiastas e militantes a deslumbrados e inocentes, proferem para manterem-se vivos.
Os pólos culturais sobrevivem, na maioria das vezes, da sangria “oficial” sobre grupelhos artísticos e folclóricos, mantidos as duras penas pelos componentes. Sendo estes frutos muitas vezes do esforço de abnegados que um dia, lá no passado, juntaram cacos de memória adquiridas, via cultura oral, por laços familiares ou comunitários ancestralísssimos, e ergueram em torno de si uma lenda mais pessoal que coletiva. Até aí, já se disse metade do processo: a “cultura” é paupérrima. Não em sentido de riqueza intrínseca, laborativa e antropológica, mas na estrutura que lha dá apoio e sustentação, na organização de base e nas políticas públicas que garantam sobrevivência.
Oriunda, claro, dos estamentos mais instáveis sócio-economicamente de que se dá notícia, a espécie “cultura” dos “pólos culturais” são pedras rolantes que não conseguem firmar-se, mantendo-se e criando multiplicadores que ajudem a manter sua mística, seu lume, suas técnicas, suas artes, sua alegria. São velas ao vento. Chama oscilante ao sabor de tempestades tão medonhas e impenetráveis, que com poucas rajadas podem largar ao esquecimento todo seu guarnicê de práticas afetivas.   
por Edson de França

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