sexta-feira, 15 de agosto de 2014

A aura da competência




            A aura sobre a cabeça de certas figuras do mundo significa santidade, elo inquebrantável com a divindade, um grau superior de espiritualidade. É normal e até natural que usemos a palavra aura para nos referirmos aos estágios de aceitabilidade social de algumas pessoas. Avaliações que vão dos extremos da persona positiva e luminosa ao grau baixíssimo dos cães miúdos, nefastos, intragáveis, personas non gratas. Há quem utilize a leitura da aura como ação diagnóstica e terapêutica. Mas a gama de interpretações auráticas não se extingue nesses exemplos dados.
No mundo político-administrativo, por exemplo, há outro tipo de aura a que chamaremos, na falta de nomenclatura mais adequada, de “aura de competência”. Os indivíduos laureados com essa manta inefável ganham sem muitos esforços ares de príncipes intocáveis da administração pública. No jargão popular, seriam figurinhas carimbadas, arroz de festa, cadeiras cativas, costas quentes ou qualquer outro nome que se queira dar. São membros cativos e honorários do seleto clube de comando da burocracia administrativa brasileira.
Assim como os escolhidos de deus, teoricamente, tem um trânsito livre entre as pessoas, independente da classe social, cor da pele, roupagem que esconde as vergonhas ou níveis de fé, os intocáveis transitam entre todas as cores partidárias, ideológicas e de projetos políticos com uma desenvoltura ímpar.  Invejável, até. Se a nossa impressão de infalibilidade fosse no mínimo similar aos apolíneos da administração pública certamente estaríamos a salvo de muitas intempéries da vida prática. Mas, infelizmente, não é assim que a coisa rola para nosso lado, tão reles mortais. Tão despidos de aura.
Versáteis, descolados e acima de tudo “competentes”, eles flutuam acima de qualquer orientação ideológica que ocupe o governo. Algo incongruente assim como professar o socialismo e figurar nos primeiros escalões de um governo ditatorial. A história político-administrativa da Paraíba está cheia deles. Caso fosse feito um levantamento biográfico dos governos do estado fatalmente esbarraríamos em muitos dessas camaleônicas criaturas. Não importa qual grupo político ocupe o poder e um olhar mais acurado irá detectá-los, nem que seja num cargo de menor. Nem que seja administrando um mercado de pulgas nos arrabaldes das cidades.
Claro que para se administrar não se precisa de muito conhecimento da área em si. Basta ter trânsito social, estar imerso nos conchavos político- partidários que se armam a cada pleito e, principalmente, ser essa espécie de especialista em porra nenhuma que se chama chefe. É preciso saber chefiar, sim. Ou melhor, pertencer por calejamento das mãos a essa sub-espécie que apresenta no mínimo pose de cacique, pachá ou guru. Só não dá certo quem não tem saliva e ladinice para montar a rede de sustentação, orientar o dedo que indica, legitimar-se como competente, mesmo que na apuração da massa bruta, o resíduo não passe da matéria de que são feitas as auras. Impalpável, etéreo, imaterial. Porém de uma onipresença fantástica.
por Edson de França        

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