quinta-feira, 11 de julho de 2019

Escolinhas de intolerância


Sempre apreciei a ideia do palhaço de mola que agredido devolve a “gentileza” com um safanão involuntário, dado o movimento pendular de sua cabeçorra, na criança cruel. Adianto, jamais tive pena da criança agressora; seu comportamento sempre me pareceu inadequado e, por outro lado, passível de ser repetir-se pela vida a dentro.
Não lembro bem do tipo de publicação e em que época captei a ilustração, só a assimilei de cara a mensagem. Ela me ensinou a não distribuir violência gratuita seja contra quem for, por mais diferente que seja da imagem que faço de mim mesmo. Agredir o que lhe parece diferente, estranho ou frágil é o modus operandi dos intolerantes e, infelizmente, para isso temos escola. E eficiente, diga-se de passagem. Começando pelas mães que incentivam os comportamentos vis.
            Os pais ensinam, no aconchego de seus lares, a ignorar, zombar, agredir se possível, o diferente. O discurso que reveste essa atitude é a defesa e a proteção de um território. Ela é gestada no mundinho dos lares, mas se enraíza e prospera socialmente em preconceitos de cor, condição financeira, raça, classe, ideologias e demais modos de aparentar, trajar, agir e pensar ou provenha de uma terra outra.
            A escola, por mais democrática e inclusiva que seja, reproduz certas cartilhas de intolerância. Lembro-me de certo professor, não recordo bem se de Educação Moral e Cívica (EMC) ou Organização Social e Politica Brasileira (OSPB), que sempre que podia utilizava um chiste ou chacota para demonstrar seu desprezo por alunos “de cor” como eu. Creio que era uma estratégia de nos expor diante da turma, nos fragilizar e, por extensão, ensinar para a turma mista que alguns não deveriam nem estar ali.
            Anos depois aprendi como uma brincadeira infantil, aparentemente inóqua e engraçadinha, pode servir como inoculadora das sementes da intolerância. Foi num daqueles programas infantis que preenchiam as manhãs dos anos 80 e 90 das principais TVs do país. A brincadeira era simplesmente caçar “marcianinhos”.
Num cenário tosco, simulando uma espécie de cupinheiro do serrado, estavam dispostas tocas onde se escondiam alguns “bichinhos bizarros” que as crianças eram instigadas pela “tia apresentadora” a capturar com redes caça-borboletas. Claro que ganhava pontos quem conseguisse capturar mais marcianos.
            A brincadeira ensina do colonialismo, do imperialismo, da “necessidade” humana da conquista por meio da subjugação do diferente. “É preciso conquistar, dominar, escravizar, exterminar, se preciso. Para isso fomos instruídos lá nos nossos primórdios”, parece dizer. E não há nada ali de subliminar, é ensino direto e reto. Por trás, contudo, ela embute um olhar que tem que ser desenvolvido contra o diferente, o que me parece estranho.
Ao que me consta nunca foi visto um marciano. Tudo que temos em mãos como imagens são as suposições que invadem os filmes de Ficção Científica. No entanto, na citada brincadeira, os marcianos eram moluscos e anencéfalos e, por essa condição, mereceriam ser capturados. A didática da intolerância passa por esses expedientes.
Uma serie extensa de ensino e reforços que aos poucos vão forjando personalidades intolerantes. Se formos contar os processos contrários, de lições para aceitação e alteridade, creio que vamos encontrar alguns poucos. Porém os intolerantes de plantão dirão que estamos errados e prezamos pela intolerância.

por Edson de França

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