Foto by Juliano Espindola/RBSTV |
A cidade se transforma. Passa
por metamorfoses para jamais voltar ao estado anterior. Ainda pouco ali havia
uma casa. Bem construída, aparência sólida; talvez uma família classe média tenha
passado muitos natais, carnavais, aniversários felizes dos membros.
Talvez tenha feito parte dos
sonhos de alguém. Projetada com carinho consumiu recursos, se enfeitou para
servir de morada.
Em minhas
caminhadas muitas vezes passei defronte. Algumas vezes cheguei a ver um ou
outro morador. Não sei que eram. Um bom dia prococolar em algum momento, creio,
e seguimos nossos caminhos, destinos, sinas.
A casa
de dois pavimentos era uma das mais vistosas da rua...
Não sei
onde foram parar os moradores, há dias não via movimentação de alguém chegando
ou saindo de suas dependências. Vi, porem, quando os outros chegaram...
Durante a
última semana, por uma excepcionalidade, meu trajeto de casa ao trampo obrigou-me
a passar todos os dias em frente a casa. Tanto na ida como na volta foi o meu
percurso por isso fui testemunha da
chegada dos operários.
Segunda-feira.
Por volta das seis da manhã, um utilitário deixou os homens em frente. Saltaram,
descarregaram as ferramentas, examinaram o ambiente, o homem que parecia
chefe-empreiteiro deus as ultimas ordem e partiu. Presumi a decadência...
Na volta,
já no lusco-fusco, observei a casa. Pareceu-me um crânio começando a descarnar.
Faltava-lhe um olho, uma das duas janelas do pavimento superior há via sido
extirpada. Dava para vislumbrar os vazios que iam se abrindo internamente.
Na sequencia
dos dias a descarnação continuou. Dilapidaram o pavimento superior. Janelas,
portas, esquadrias, telhas foram se amontoando pelos cantos do terreno. Escombros.
Céleres,
os homens cumpriam sua missão de delapidação. Parecia haver pressa em ver um terreno
limpo, destituído de vida antiga, prenhe de vida nova. Na transformação das
cidades é campo árido prá lembranças. Não há tempo para cultivar lembrança.
Na sexta-feira
não havia mais o muro. No terreno já plano e destituído de qualquer vegetação, metade
do tronco de uma árvore que era o mimo do jardim jaz de pernas pro ar, raízes
sem vida expostas ao ar. Resta um tico de entulho no canto do terreno, volume
que talvez não de uma ultima carrada.
Ali jaz.
Acaso coubesse ao quadro uma referência musical, creio que um jazz cairia bem. Uma
nota triste, sem expectativa de sequência, longa, dolorida. Adágio. Soa forte
como estrondo e vai se dispersando pelo ar até o ultimo resquício, suspiro. O ar
de pré-noite completa a solidez lúgubre do momento.
Talvez segunda-feira,
o leito descoberto será ocupado por outros homens. Uma outra musica, frenética,
começara a ser composta. Material de
construção começará a ser encostado. Ao longo dos dias, uma outra vida se
erguerá, ocupando o terreno nu.
A cidade
segue sua sina. Desnudando-se, transmutando-se, arranhando a paisagem,
devastando, reerguendo-se. Outras vidas, quando do empreendimento pronto,
comporão naquele espaço os seus enredos dentro da metamorfose urbana.
por Edson de França
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