terça-feira, 5 de abril de 2016

Êta, mundo véi com porteira!!

De passagem pela frente da Tv, flagro um trechinho, uma chamada em verdade, de um folhetim global intitulado Eita, mundo bom. Nele um caquético comendador, interpretado pelo veteraníssimo Luiz Gustavo, encomenda a uma alcoviteira da terceira idade, ardiloso plano para atrapalhar o encontro romântico de dois jovens mancebos. Esse simplório recorte cênico, espécie de chamariz para a lesa assistência, é uma síntese da linha seguida pela produção novelística brasileira.
Afora isso, mesmo não sendo assíduo assistente da trama, sei que existem outras torpezas humanas como a busca desenfreada por uma relíquia que daria direito a uma fortuna e um rufião que arrasta uma tabaroa para a cidade grande, a emprega num dancing e consome seus ganhos. Enquanto, o tal mundo bom resume-se a um alesado rebento perdido que desfila sua ingenuidade oligofrênica novela à dentro. Provavelmente, outras relíquias da morte do caráter humano devem pontuar a produção daquela produção televisiva.  
Mas, é essa a risca, a cartilha de autores e emissões midiáticas. Religiosamente, o brasileiro médio tem acesso fácil e ilimitado a um desfile de tramas, maquiavelismos, mesquinhezas, egotrips exarcebados, puxadas de tapete e o que mais você puder imaginar em termos de torpeza e sordidez humana. As produções esmeram-se a reduzir o ser humano, a existência e o convívio social a um simples jogo de artimanhas em nome das vantagens pessoais, através do exercício do gozo, do escarnio, da humilhação e das lesões morais e físicas de um persona a outrem.
Há muito tempo que as tramas globais dividem os habitantes do velho planeta em duas categorias: os lesos, minimamente honestos e, por isso, pouco quedados e merecedores de vitórias; e os espertos (ou fortes), ladinos por natureza e caráter. Nem sempre, claro, esses últimos conseguem seus intentos – os autores, por vezes, reservam a suas crias malévolas finais infelizes e tropeços vexatórios -, mas a lógica que move a máquina cênica nivela a todos por baixo.
Não há um vilão só, a vilania atinge de 60 a 70 por cento dos personagens criados e, até os bonzinhos não escondem seus pecadilhos sórdidos.
A trama, como a própria carga semântica da palavra sugere, é composta por situações ardilosas que funcionam como ganchos para a assistência. É assim na arte literária, teatral e cinematográfica. É preciso enredar o público, levando-o a escolher um lado ou simplesmente apreciar a dança eufórica das personalidades em atritos e conchavos.
Cada uma das artes citadas, no entanto, guarda certo distanciamento do espectador ou leitor. Nelas, a intensidade do diálogo entre o texto, a encenação e o espectador é minorada por um exercício pessoal de reflexão. Creio que o mesmo não acontece no formato novela que, naturalmente, fustiga a mente com pílulas diárias e requerem a participação cativa, acrítica e em níveis de fidelidade patológica. Não sei dizer se isso é bom ou mal. Só sei, cá pra nós, se quiser encontrar “mundo bom”, não se enrede nos folhetins globais.
por Edson de França
 

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