De
passagem pela frente da Tv, flagro um trechinho, uma chamada em verdade, de um
folhetim global intitulado Eita, mundo bom. Nele um caquético
comendador, interpretado pelo veteraníssimo Luiz Gustavo, encomenda a uma
alcoviteira da terceira idade, ardiloso plano para atrapalhar o encontro romântico
de dois jovens mancebos. Esse simplório recorte cênico, espécie de chamariz para
a lesa assistência, é uma síntese da linha seguida pela produção novelística
brasileira.
Afora
isso, mesmo não sendo assíduo assistente da trama, sei que existem outras
torpezas humanas como a busca desenfreada por uma relíquia que daria direito a
uma fortuna e um rufião que arrasta uma tabaroa para a cidade grande, a emprega
num dancing e consome seus ganhos. Enquanto, o tal mundo bom resume-se a um
alesado rebento perdido que desfila sua ingenuidade oligofrênica novela à
dentro. Provavelmente, outras relíquias
da morte do caráter humano devem pontuar a produção daquela produção
televisiva.
Mas,
é essa a risca, a cartilha de autores e emissões midiáticas. Religiosamente, o
brasileiro médio tem acesso fácil e ilimitado a um desfile de tramas, maquiavelismos,
mesquinhezas, egotrips exarcebados, puxadas de tapete e o que mais você puder imaginar em
termos de torpeza e sordidez humana. As produções esmeram-se a reduzir o ser
humano, a existência e o convívio social a um simples jogo de artimanhas em
nome das vantagens pessoais, através do exercício do gozo, do escarnio, da humilhação
e das lesões morais e físicas de um persona a outrem.
Há
muito tempo que as tramas globais dividem os habitantes do velho planeta em
duas categorias: os lesos, minimamente honestos e, por isso, pouco quedados e
merecedores de vitórias; e os espertos (ou fortes), ladinos por natureza e caráter.
Nem sempre, claro, esses últimos conseguem seus intentos – os autores, por
vezes, reservam a suas crias malévolas finais infelizes e tropeços vexatórios -,
mas a lógica que move a máquina cênica nivela a todos por baixo.
Não
há um vilão só, a vilania atinge de 60 a 70 por cento dos personagens criados
e, até os bonzinhos não escondem seus pecadilhos sórdidos.
A
trama, como a própria carga semântica da palavra sugere, é composta por
situações ardilosas que funcionam como ganchos para a assistência. É assim na
arte literária, teatral e cinematográfica. É preciso enredar o público,
levando-o a escolher um lado ou simplesmente apreciar a dança eufórica das
personalidades em atritos e conchavos.
Cada
uma das artes citadas, no entanto, guarda certo distanciamento do espectador ou
leitor. Nelas, a intensidade do diálogo entre o texto, a encenação e o
espectador é minorada por um exercício pessoal de reflexão. Creio que o mesmo
não acontece no formato novela que, naturalmente, fustiga a mente com pílulas
diárias e requerem a participação cativa, acrítica e em níveis de fidelidade
patológica. Não sei dizer se isso é bom ou mal. Só sei, cá pra nós, se quiser
encontrar “mundo bom”, não se enrede nos folhetins globais.
por Edson de França
Nenhum comentário:
Postar um comentário