sexta-feira, 10 de abril de 2015

Dando alta para as zebras

Entre a décima segunda ou decima quinta saideiras, tendemos a ficar mais intensos na emissão de voz e, magicamente, os pensamentos parecem nos converter em entes mais espirituosos. Foi numa saga dessas um dos meus amigos me surpreendeu, em nossos papos aleatórios, com uma expressão deveras sugestiva. Qualquer coisa desagradável que surgisse ou que, por uma incongruência marota dos astros, se tornasse aziaga, recebia da parte dele um taxativo e filosofal: “Tou dando alta para...”.
Bastou a primeira emissão e seguiu-se uma profusão de “altas”, generosamente distribuídas, para pessoas, instituições, lugares e situações. Passei, por imitação, também a “dar altas” para fatos cotidianos de humor desagradável. Passei a considerar minha mera posição humana como um labirinto psíquico, sujeito a ocorrências sempre limítrofes, jamais intermediárias. Elas cotizam minha paciência, em parcelas não exatamente iguais, de estados de bem estar e irritabilidade iminente.
Dos estados de “bem estar” nada a dizer. A não ser curti-los extensa e intensivamente. Aos outros, cabe sempre a referência alegórica do manicômio, do hospital em que nos tornamos, em determinadas situações provocadas por agentes externos ou por nossas próprias encucações doentias. Dependências de um hospital, paredes brancas, convalescentes e estados terminais, leitos cansados de desencarnes, loucos de fato ou de direito zanzando de cima para baixo e nos observando, sádicos, com seus imensos olhos insanos.
Penso que não é exclusividade minha (nem do amigo professor) essa proto-condição humana. A materialidade acachapante dos cotidianos é condicionada pelas relações com instancias de toda natureza. Cada uma delas sugerindo emanações que fogem a qualquer controle por parte das entidades envolvidas. Há miasmas e produção acentuada de fogos-fátuos nas nossas estáveis e cambaleantes relações de convivência. Assim nascem os desacertos e as situações de desconforto.
Sempre que elas quiserem tomar contar, protagonizar a zebra em nosso pasto, alta para elas. Dar alta é tornar suspenso um estado de permanência em nossos limites. Existem, lógico, hospitais para recuperação prolongada e de pronto atendimento, esses últimos sem elasticidade de tempo para uma recuperação completa. Entre nós, seriam os chamados pavios curtos, aqueles que não estão com a paciência em dia para suportar ocupações de leito por muito tempo.
Há gente que atura, suporta, engole o sapo, respira, infla o peito e sai por cima. Talvez quem tenha uma tendência Madre Tereza se encaixe nesse perfil altruísta. O resto de nós, cuja santidade não tem raízes bem firmadas, seguimos tentando dialogar com o mundo e, vez em quando, “dando alta” para pessoas, situações, instituições, as coisas chatas e os atrasos de vida em geral.

por Edson de França     





   

  

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