Entre
a décima segunda ou decima quinta saideiras, tendemos a ficar mais intensos na
emissão de voz e, magicamente, os pensamentos parecem nos converter em entes mais
espirituosos. Foi numa saga dessas um dos meus amigos me surpreendeu, em nossos
papos aleatórios, com uma expressão deveras sugestiva. Qualquer coisa
desagradável que surgisse ou que, por uma incongruência marota dos astros, se
tornasse aziaga, recebia da parte dele um taxativo e filosofal: “Tou dando alta para...”.
Bastou
a primeira emissão e seguiu-se uma profusão de “altas”, generosamente
distribuídas, para pessoas, instituições, lugares e situações. Passei, por
imitação, também a “dar altas” para
fatos cotidianos de humor desagradável. Passei a considerar minha mera posição
humana como um labirinto psíquico, sujeito a ocorrências sempre limítrofes,
jamais intermediárias. Elas cotizam minha paciência, em parcelas não exatamente
iguais, de estados de bem estar e irritabilidade iminente.
Dos
estados de “bem estar” nada a dizer. A não ser curti-los extensa e
intensivamente. Aos outros, cabe sempre a referência alegórica do manicômio, do
hospital em que nos tornamos, em determinadas situações provocadas por agentes
externos ou por nossas próprias encucações doentias. Dependências de um
hospital, paredes brancas, convalescentes e estados terminais, leitos cansados
de desencarnes, loucos de fato ou de direito zanzando de cima para baixo e nos
observando, sádicos, com seus imensos olhos insanos.
Penso
que não é exclusividade minha (nem do amigo professor) essa proto-condição
humana. A materialidade acachapante dos cotidianos é condicionada pelas
relações com instancias de toda natureza. Cada uma delas sugerindo emanações
que fogem a qualquer controle por parte das entidades envolvidas. Há miasmas e
produção acentuada de fogos-fátuos nas nossas estáveis e cambaleantes relações
de convivência. Assim nascem os desacertos e as situações de desconforto.
Sempre
que elas quiserem tomar contar, protagonizar a zebra em nosso pasto, alta para
elas. Dar alta é tornar suspenso um estado de permanência em nossos limites.
Existem, lógico, hospitais para recuperação prolongada e de pronto atendimento,
esses últimos sem elasticidade de tempo para uma recuperação completa. Entre
nós, seriam os chamados pavios curtos, aqueles que não estão com a paciência em
dia para suportar ocupações de leito por muito tempo.
Há
gente que atura, suporta, engole o sapo, respira, infla o peito e sai por cima.
Talvez quem tenha uma tendência Madre Tereza se encaixe nesse perfil altruísta.
O resto de nós, cuja santidade não tem raízes bem firmadas, seguimos tentando
dialogar com o mundo e, vez em quando, “dando
alta” para pessoas, situações, instituições, as coisas chatas e os atrasos
de vida em geral.
por Edson de França
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