sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

A paixão errante da realeza


Mora no mais intimo de nós brasileiros uma alegoria de realeza. Vive e se reproduz como todas as mazelas que se enraízam no inconsciente e que, ao passar do tempo, tornam-se impossível expurga-las.  Reside dentro de nós como um monstro, um parasita qualquer, cuja natureza é viver da seiva do desavisado hospedeiro.  Como materialização modelar, poderíamos sugerir algo similar ao espécime alienígena da serie Alien, o 8º passageiro (EUA, Ridley Scott, 1979).
Para quem não assistiu ou não lembra, o filme primitivo da série Alien narra os horrores do encontro da tripulação terráquea de uma nave espacial com uma criatura altamente agressiva que ataca e mata impiedosamente os alienígenas, nós. No primeiro encontro, o alienígena, ele, ataca um dos tripulantes e o utiliza como últero ocasional para o desenvolvimento de seu horrendo parto. A maléfica descendência mata o hospedeiro, cresce rapidamente e sai a cumprir seu legado: o extermínio das formas humanas ali presentes. A comparação para o nosso caso particular não é a aniquilação da carne, mas a aniquilação das vontades.
Pois bem, nossas fantasias de realeza estão entranhadas em nós, por mais que nos consideremos politicamente avançados, como algo adquirido por contaminação e transportado civilização a fora. Dá a aparência de algo atávico, culturalmente reificado, que vai se reproduzindo através das nossas mentalidades sempre tendentes aos padrões médios de raciocínio. Não sei até que ponto a cultura cristã ocidental contribui para isso, nem a razão das suas raízes.. Também não investiguei a fundo as tendências islâmicas para a formatação dos seus califados. Grosso modo, acho que tanto lá como aqui, o ser humano traz essa visão como base para enxergar e “construir” o mundo.
Cá entre nós, essa anomalia nos leva, meio inconscientemente, a denominar reis, aplicar título de realeza a tudo que nos pareça excepcional, além dos limites infra-humanos de nosotros, pobres mortais. Aplicar-lhes, enfim, qualificativos generosos como a genialidade de feitos e talentos, a infalibilidade de suas escolhas pessoais e, sobretudo, a associação de poderes quase divinos a suas personas tão exageradamente humanas. Somos elásticos nessas classificações.
Do rei da juventude ao rei da sucata, da rainha da fava ao rei do osso buco, da rainha do acarajé a rainha dos caminhoneiros, da rainha dos baixinhos a rainha do bumbum. Isso quando não associamos alguns materiais, considerados por sua nobreza, a pretensa qualidade laboral de algumas pessoas. Aí, a coisa já passa pelos martelinhos de ouro da vida. Se permanecêssemos nessa esfera, creio que não passaria de uma particularidade anedótica e folclórica dos nosso jeito de ser. Acredito, porem que ela traz consequências mais danosas.
Penso que essa visão dominante de mundo tende a reduzir o espirito critico, o questionamento, a percepção crua da nudez do rei. A atribuição de qualificativos extraordinários a quem, se olhado de frente, talvez não mereça. Ou pior, por posse legítima, passe a se locupletar dessa condição. Mais perniciosamente contribui para a concepção e o enaltecimento cego de uma sociedade baseada no espirito da realeza. Sabendo-se, claro, que tal sociedade é composta rigidamente dos iluminados (reis e descendentes), dos baba-ovos (parentes, aderentes e xeleléus qualificados) e da ralé, eufemisticamente denominada de súditos.


por Edson de França

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