quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

O bode pós-carnaval


        Todos os anos os noticiários nacionais tentam conferir um ar de curiosidade a chegada do ano novo chinês, evento ocorrido na última semana. A raridade do fato repousa nos elementos exóticos e incomuns que a data articula. Claro que a nossa parca imaginação, inundada de resquícios antropocêntricos, não perderia a chance de deleitar-se com essas aparentes esquisitices da terra dos mandarins.
A associação do ano a um animal que confere, por associação, qualificações e prognósticos para o novo período é um desses estranhamentos enaltecidos pela mídia. Ano passado deu cavalo na cabeça. Este ano, por lá ainda indecisos, acham que serão regidos pela cabra, ovelha ou carneiro. Para nós, essas coisas não passam de dicas preciosas para a fé no jogo do bicho e a chance de financiar, anonimamente, as enredações do próximo mega-carnaval de temática polêmica.
Outra estranheza é a contagem dos anos que nada tem a ver com o nosso calendário ocidental, ou melhor, não está acorrentado aos estados e humores do mundo da lua. Por lá comemoram “míseros” 4.713 anos, por cá a vida segue com a nossa gregoriana lógica que nos concede 2.014 ciclos civilizatórios completados. 
Quem pensa, ingenuamente, que mantemos uma distância quilométrica da cultura chinesa erra feio. Por lá comemoraram o ano novo, por cá, reza a picardia popular, estamos agora a começar o ano. Como diz a voz do povo, o ano por aqui só é realmente novo depois do carnaval, justamente para coincidir com a efeméride chinesa.
 Até a invenção do brasil, seguindo o raciocínio de velho compositor popular, se deu “no dia 21 de abril/ dois meses depois do carnaval”. (Salve Lamartine Babo e sua sagaz versão para a História do Brasil). Então, desculpem-me as pessoas que derramam suor desde o primeiro dia do ano, mas o ano literalmente está começando e não há nada de engraçado nisso a não ser a nossa risível capacidade autoanálise destrutiva.
Estamos prontos para o ano, enfim. Ainda em processo de transição seja o mais correto, pois é difícil se acostumar com os miasmas que ele ameaça evocar.
Os aumentos das contas de começo de ano já se adiantaram aos nossos devaneios. As intrigas políticas, acusações de A para B e vice versa, num ringue onde os dois lados se equivalem já nos deixam bem bodeados. Nas ruas e nas redes tem gente clamando por golpe.  O Big Brother já está no ar. O Faustão já busca novamente “iluminados” para o estrelato bel cantante do brasil varonil. Juiz carioca, representante do olimpo encarnado, desfila com bens de “luxo” apreendidos. Tem futebol terça, quarta, quinta, sábado e domingo. Eduardo Lages já se rendeu aos dotes musicais de Annita... Haja motivos para nos quedarmos de bode.
          Se por lá pela China estão indecisos, por cá o bode já tá reinando, solto na capoeira. Por associação, estamos literalmente bodeados. Estar chateado é o sentimento mínimo que se pode experimentar nesse estado de coisas. Outros sentimentos mais cabeludos também imploram por ocupar a cena. Há tristeza, abatimento, desassossego e muita inquietação pra se queimar sob a luz mortiça dos fogos de nosso réveillon tardio.
por Edson de França


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