Biblioteca Central/UXXX
TEORIA
DA CULTURA DE MASSA
dia 4 do 9
terça
3 da tarde
Bolevard.
B
daiana
levar o currículo.
O livro, um opúsculo reunindo
figurões da sociologia, da comunicação e da cultura, repousava (provavelmente
depois de recém manipulado) numa das mesas da sala de estudo da universidade.
Cena deveras corriqueira dentro das rotinas dos centros de estudo. Alunos que
chegam, recolhem livros, escancaram as entranhas, extraem de lá alguns
parágrafos, fazem anotações às margens das páginas, transferem algo importante
de lá para os seus cadernos e, seguindo a norma das bibliotecas, largam-lhes lá
para que diligentes auxiliares cuidem da saúde da sorte dos volumes.
O lembrete, aposto no lugar prá lá de
improvável, era escrito com grafite em letras bem legíveis. A princípio,
telegráfico. Denunciava a condição semi-infante do escriba graças à firmeza
recém- adquirida dos livros de caligrafia. Nas entrelinhas, certa inabilidade
com os estrangeirismos introduzidos em nossa pátria globalizada. E certo
desleixo compreensível com as normas cultas da língua, onde nos ensinaram, por
exemplo, que nomes próprios começam com letras maiúsculas, que é preciso usar
vírgulas para “indicar uma pausa e separar membros constituintes de uma frase”
e que “todas as palavras proparoxítonas devem receber acento gráfico”. Não
necessariamente um pontinho duvidoso sobre a sílaba tônica.
O livro cheirava ainda a novo. As
páginas ainda se mantinham impecavelmente brancas. Não tinha ainda as folhas
manchadas pela adiposidade ou suores das falanges dos leitores. Muito menos a
poeirinha típica que denota a decrepitude da matéria e o trabalho incansável das
traças. A ficha de controle de
empréstimo contabilizava apenas três saídas. A data de registro de entrada do
livro no sistema era 16/12/2010. O primeiro empréstimo, 14/09/2011, quase
exatos nove meses depois da entrada no circuito da biblioteca. Tempo de
gestação.
A teoria e a vida real pareciam dialogar
a partir daquele ato fortuito. A teoria, solene, séria, compenetrada,
condensada em livro para o gáudio de intelectuais que tentam explicar e
compreender o mundo. A vida real, prática, se construindo qual fonte fugaz,
imprecisa, nas mesas de uma biblioteca pública onde uma daiana grafou singela e
enfaticamente (os algarismos 9 e 3 marcavam fortemente a folha, como se fosse
mortal esquecê-los) um lembrete.
Molecagem? Depredação do patrimônio público? Vandalismo bibliotecário?
Pressa? Falta de papel? Uso indevido de
um bem coletivo como agenda pessoal de lembretes? Ao cronista, de passagem,
apenas um lembrete sugestivo. Sumariamente, representava a possibilidade de uma
pessoa “colocar-se” em meio às
maquinações produtivas da massa no século vinte um. Culturalmente.
por Edson de
França
Nenhum comentário:
Postar um comentário