quarta-feira, 18 de setembro de 2019

Teologia da sublimação


Edson de França*

Imagine um monte. O bíblico Sinai ou o mortal K2 himaláico. Ao sopé de qualquer um deles, imagine-se. Você não passa de um minúsculo e insignificante ponto. Frágil, ignorante, embasbacado diante da grandiosidade pétrea cabe-lhe tão somente admirar e sonhar com o topo. De lá, quem sabe, outra visão da terra. Do alto; serias, também quem sabe, uma outra pessoa, portarias outro status.
 O topo do monte seria, por nossos critérios materiais, introduzido no imaginário como o ideal da ascensão. Ascensão social que está atrelada às conquistas financeiras, do conhecimento do poder e proeminência sobre os semelhantes. O topo entre nos é visto como a meta, o ideal, a conquista derradeira. Estar no ponto mais alto, no cume da montanha é possuir, mas sobretudo projetar uma aura de poder. Para tanto é preciso subir o monte.
Falei de conquista e reuso o vocábulo. Conquistas, por vezes, nem carecem de materialidade: a simples sugestão de que as detém permite ao possuidor imprimir uma marca e, entre os seus, amealhar respeito.
O mundo endeusa os conquistadores, os que estão ou parecem ter ido ao topo. Aos vencedores, seja pessoa comum ou rara, a posse de uma bela habitação, um endereço nobre, um automóvel da moda, um titulo nobiliárquico, um alto posto político-administrativo ou um enfieira de títulos dos píncaros acadêmicos impressiona bem. 
O catecismo de algumas congregações neófitas, ditas cristãs, usa Deus abertamente para abrir portas que levam o comum das gentes a ansiar por conquistas. Fortuna ancorada até as raízes nos tais “sinais exteriores de riqueza”. Teologia da prosperidade.
Para receber das mãos de Deus as Tábuas da Lei, o teimoso Moisés teve que secar as canelas na subida, enfrentar a solidão e o desamparo suar frio e desafiar a incredulidade, quem sabe o escarnio, de seu povo. Para conquistar o K2, arrisca-se a vida, entregando-se ao frio inclemente, ao risco de hipotermia e à ameaça das nevascas ameaçando a toda hora transformar o vivente em fóssil preservado para estudo das gerações vindouras.
Quem viveu, enfrenta ou frequenta a rotina da vida acadêmica convive diariamente com exemplares prontos e acabados de historias e “estórias” de sucesso. No primeiro caso, as pessoas que tem de fato méritos garantidos por seu empenho e competência. No segundo, as que fingem ter conseguido chegar ao topo. O sucesso acadêmico é um troféu que muitos desejam, sobretudo para ostentar.
 Muitos desejam a glória acadêmica, seja conseguida por estudo ou osmose. Curiosamente a horda que ora ocupa a cena politica já foi flagrada, em vários momentos, utilizando-se de ardis para mostrar sua carga acadêmica. Valem a procedência da diplomação, a proclamação pública de títulos conseguidos deus sabe-se como, a inclusão de titulações no currículo e, por fim, quando há um traço de verdade, o trabalho mostra sinais de desonestidade intelectual.
O tempo atual pôs em cena a “teologia da sublimação”. Talvez em época alguma ela tenha conseguido tanta visibilidade e amealhado tantos adeptos. Trocaram o ser pelo ter. Não é importante lutar para ser um intelectual, mas dar a impressão de que se é um, mesmo a custa de títulos comparados e trabalhos forjados na mais refinada técnica de “copia e cola”.


*Jornalista, cronista e poeta


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