Participei
dia desses, do lançamento de mais um programa de incentivo ao pequeno
empreendedorismo. Entre as metas do programa constavam, além do incentivo
financeiro óbvio, a disposição em regularizar os pequenos comerciantes, ou
seja, tirá-los da total informalidade. O convencimento dos mesmos passava,
claro, pelo aceno da bandeira legalista que promete, entre outras coisas, o
acesso aos benefícios da Previdência, a habilitação jurídica para a concorrência
nas licitações públicas e a entrada no rol dos cidadãos com direito a créditos
bancários. São douradas as promessas para quem se dispor a abandonar o mercado
informal.
Essa
é uma parte da história contada pelos gestores. A isca. Não podemos, de fato,
descartar os benefícios e o esforço legítimo e real, para levar aos simples
comerciantes a condição mínima de legalidade. O que falta dizer, entretanto, é
que todo esse esforço legalista, se tem algo de benemérito, tem também uma
contrapartida: atuar sob as condições legais é render-se à vigilância estatal
e, sobretudo, ter maiores compromissos com a receita pública, através de
impostos e taxações. Não que isso contenha algo de imoral. Não! O problema vem,
sobretudo, da carga de exigências, afora as garras dos rapinismos e burocracia,
com que a máquina estatal acossa os incautos.
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Os
ônibus urbanos das grandes cidades ostentam outdoors onde se lê: “Transporte
ilegal de passageiros é crime”. O aviso alerta para os perigos advindos do uso
disseminado, brasis a fora, dos tais transportes alternativos. Tudo certo, tudo
bem, tudo lindo, tudo... legal. O que se esquece de dizer, no entanto, é que a
condição em que os legais trafegam beiram as piores das alternatividades.
Basta
visitar uma cidade qualquer de uma região metropolitana, para sentir o real
peso da legalidade. Não é nada legal quarar em um ponto de ônibus sem cobertura
durante, no mínimo, quarenta minutos. Sei que, neste caso, põe-se em cheque a
reponsabilidade do poder público, mas esse é mais um sinal do compromisso do
estado brasileiro com as condições legais.
Quando
surge o busão, a entidade denominada de cidadão – no caso, sem qualificativo na
escala social como um time sem série – tem um susto. Uma carcaça enferrujada
que se arrasta em sua direção, pensa e de pneus meio carecas. Quando adentra,
outra amarga surpresa.”Lata sardinha” seria mais confortável. São pingentes
humanos pendurados nos estribos, assentos largando de bancos, bancos largando
do chão, motorista esbaforido, estressado, mal pago e, entrementes, senhor de habilidades
discutíveis.
Ora,
no momento civilizatório, onde a grande maioria das pessoas cumpre horário e
para isso necessita, decisivamente, de uma forma de deslocamento rápida e
precisa, nossos sistemas públicos deixam a desejar. Pergunta-se: como aderir a
legalidade, se o sistema não atende às necessidades e, em muitos casos, empatam
em termos de qualidade e capricho com os alternativos, os informais e os “fora-da-lei”.
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Acho
que o leitor mais atento há de perguntar-se “o que essas duas histórias têm em
comum?” A rigor, responderia o cronista, trata-se de um desabafo que muitos
gostariam de expressar, creio. Viver no Brasil, em alguns momentos, é ser
convidado a ser legal, a participar do banquete da legalidade, usufruir de
todos os direitos, benefícios e segurança que ela poderia propiciar. No
entanto, nada é mais falho que as condições legais postas por alguns dos nossos
serviços básicos. Nesse quesito, ainda estamos em construção, carregando pedras
e a argamassa para garantir a segurança do muro.
por Edson de França
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