- Pêdo, tu vai querê pão de mi?
A
voz miúda de D. Joana Graú ganhava momento de agudíssima estridência, quando
perguntava a Seu Pedro, opinião sobre o cardápio da janta. Era o momento em que
ela ocupava a boca da cena bucólica de fim de tarde, assumia a fala. Brilhava
corpo e voz, com autoridade e a segurança de sua tímida desenvoltura.
O
cenário, a seu modo, era belíssimo.
Entre
a casa principal e o apêndice que servia de moradia ao casal, nos fundos do
terreno, se distribuíam plantas frutíferas – lembro-me de uma goiabeira e de
uma pinheira que ali moravam -, arbustos medicamentosos – xaxambá, hortelã,
capim santo, cidreira... -, flores nobres e daninhas – uma roseira soberana e
rosetas sem-vergonhas de malmequer (comida para a criação de preás e lebres).
No terreno baldio, ao lado, bananeiras, mangueiras e coqueiros contribuíam com
sua parte para a montagem de um cenário latino americano como uma alegoria, uma
referencia suburbana aos labirintos da alma latino-americana, tão bem descritos
por Gabriel Garcia Marquez.
Havia um caminho entre as duas moradias.
Uma
vereda levava da cozinha da casa grande ao quichó do casal; no percurso, graças
a providência da base alta e laje de uma fossa, formava uma espécie de assento
coletivo que servia de banco para as histórias de seu Pedro com os piás, a
conversa de d. Zefa, a locatária, com d. Graú, e a cachaça de seu João com
alguns amigos de sina. Era a um tempo confessionário das mulheres, festança
para os homens grandes, encantamento para as crianças e, algumas vezes, nos
momentos da total redução da energia
telúrica vital, de abandono e ensimesmamento.
Havia
um clima de suburbana e festiva afetividade.
Dissemos era tarde e, naquelas tardes, havia
uma confluência feliz de situações. Além da preparação da janta que ocupava as
mulheres e moças das casas, os meninos haviam chegado da escola, os patriarcas do
trabalho. Os animais se recolhiam; galinhas nos poleiros naturais e
improvisados nos galhos das fruteiras, a ração dos bichos pequenos já tinha
sido servida. Os humanos faziam, então, a prévia festiva do descanso noturno e
aproveitavam essa hora para descarregar as últimas energias gastas durante o dia.
Cansaço, frustações, preocupações e esperanças...
-
Pêdo, tu qué pão de mi?
Jamais havia ouvido falar em “pão de mi” (traduzindo:
“pão de milho, na nossa esnobe mania de dar sentido ao falar popularesco). Pão
de milho era o velho e bom cuscuz nordestino, à base de farinha de milho, água
e água. D. Joana Graú, com seu linguajar caiçara e sua sabujice de esposa
dedicada, representava a simplicidade e a naturalidade da vida dos arrabaldes.
Pedaço de universo particular, recorte bucólico da vida onde íamos, meninos, pari
passu, costurando nossas experiências sensoriais de mundo.
por Edson de França
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