quinta-feira, 7 de maio de 2015

Escrita aforismática

          “Enchendo linguiça!”. Foi assim que certa vez fui alfinetado enquanto tentava articular e parir poucas (e mal pagas) ideias que dariam luzes a um projeto de conclusão de curso. Faz uns bons 08 anos que o episódio aconteceu, mas até hoje a crítica instintiva me obriga a ruminá-la.
             A personagem criticava minha luta, talvez inglória, de buscar elaborar argumentos e criar uma linha de raciocínio, minimamente lógica, para o tal projeto de monografia.
            “O texto – tentava rebater o eu criticado -, sobretudo, o acadêmico, não pode ser escrito de forma direta como as expressões de gíria que utilizamos na conversa com nossos parceiros de copo e vadiação. Nem muito menos com poucas e tão diretas palavras dispostas aleatoriamente num textículo mal ajambrado.”
            “É preciso, além da linguagem clara, um tanto de argumentação como artifício, artesanato mesmo, da comunicação ‘complexa’ das ideias”.
Usei a palavra complexa para acentuar que, se mesmo as ideias mais simples têm um “que” de mistério, bastaria perceber a tal “inocência cruel das criancinhas, com seus comentários desconcertantes”, como diria o poeta.
            A linguagem cientifica – ou até uma simplória crônica, se exigirmos um pouco de purismo estético formal -, então, deve estar um degrau acima das nossas argumentações corriqueiras. Exige elaboração. E elaboração quer dizer, numa sequência rígida: ideia clara e precisa, inicialmente; acúmulo de informações empíricas e teóricas; ruminação criativa para dispor no texto as informações harmônica e coerentemente. 
Finalmente, criatividade na disposição dos argumentos que comporão o documento de comunicação a ser produzido. É o momento em que se vê que o texto não se resume a frases soltas, algumas de feitio, e emissões superficiais de pensamentos.
“Se assim não ocorrer, concluí, com essa carne picada para moldar essa linguiça e explicar suas poeticidades pueris, o tribunal acadêmico não absorve a propositura, nem absolve o proponente!”
            “Você argumenta para explicar; para mostrar a profundidade das suas ideias, os vários ângulos, possibilidades e fertilidade delas, além de permitir, a relativização de seus pontos de vista!”.  
            Discurso para o nada. Como convencer um ente de uma geração que não se acostumou com as nuanças e particularidades do texto escrito mais denso. Que se amoldou ao pensamento reto, direto, anti-dialogal; à lógica dirigista e redutora, sem possibilidades de esquiva, da linguagem publicitária.
À lógica hipnótica da propaganda ideológica que trata o indivíduo como objeto, entidade apenas com desejo insaciável de consumo para coisas fúteis e supérfluas.
À escrita aforismática de quem, com o uso de uma palavra desconexa, acha que já disse tudo. À palavra autoritária, cheia de empáfia e esnobismo e, sobretudo, anti-reflexiva.    
A nossa era é maculada pelo discurso ideologizante. A linguagem com que nos conduzimos nas redes sociais mostra bem isso. Frases feitas, pensamentos prontos e descontextualizados. Muitas delas, errônea e risivelmente atribuídas a figurões das letras, circulam e são reproduzidas incontáveis vezes.
Caímos, afinal, no rondó da preguiça mental, no ócio improdutivo das combinações neuroniais. Na prática insalubre de ficar às margens do córrego sujo, passagem dos pensamentos rasteiros, pescando com bico torto e impreciso as impurezas que boiam na superfície para, com elas, tentar entender o mundo, emitir opiniões e, ainda, almejar produzir ciência. Pobres. Por hoje, penso que a linguiça já tá cheia.

por Edson de França


              


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