João
Ubaldo se foi e eu não consegui superar o mar de páginas de sua obra “Viva o
povo brasileiro”. Varias vezes comecei, garanto que com a voracidade dos marujos destemidos, só que, páginas depois, quedei-me a beira d’agua como um reles grauçá que namora as ondas. Já que se
trata de um mar, acho que minha nau vasqueira não estava pronta para tal
percurso. Li crônicas, li Sargento Getulio, li e reli o Sorriso do lagarto, vi
até a série de Tv, mas a massuda obra continua lá, na prateleira, iconicamente
a propor-se como desafio. Penso, às vezes, que ela, em sua mudez, até usa de uma
fina ironia para comigo.
Gostava
do João Ubaldo. Gostava da figura do João. Uma imagem criada a partir das
inúmeras entrevistas concedidas por ele a que tive acesso para ler ou assistir.
Gostava da baianidade do João. Curtia o pensamento dele, a forma de enxergar
esse micro mundo chamado Brasil. Gostava do humor, da mordacidade, da lucidez
do João. Dos escritores contemporâneos, acho que me afinava com o João em muitos
aspectos. Penso que dentre os componentes da Academia Brasileira de Letras, é
ele quem pode melhor ser considerado escritor com E maiúsculo.
A obra
do João Ubaldo Ribeiro, com todas as letras, não é exatamente uma obra fácil.
Digerível. Antes é uma obra volumosa (falo de quantidade de páginas mesmo),
reflexiva e instigante. Obra para quem gosta de ler. Uma senhora obra e não um
arremedo de palavras. Uma obra abrasileirada, abaianada, ilhoa, com uma boa
dose da embriaguez cotidiana. Dali emerge um país e seu processo civilizatório contraditório.
Cheio de nove horas. Um país de contrastes, contratempos, festividades
apolíneas e mesquinharias amiúde.
O
João era um pensador das coisas do Brasil. Não escondia seu pensamento sobre
nossas virtudes e tibiezas, nosso eterno dilema entre o esplendor das
realizações grandiosas do espírito e do engenho humano e as baixezas
entranhadas na nossa psique tão incongruente. Ironia e contexto social, dizem
os críticos profissionais, banham a obra de João Ubaldo em todos os quadrantes.
Uma obra de velas abertas. Um pano finamente costurado pelas linhas do humor.
Ou como define o também acadêmico Antonio Olinto, em artigo para a Biblioteca
Folha, em 1999, “Em tudo insere João Ubaldo a visão do humorista, que vê o que
não aparece,identifica a nudez das gentes, entende os pensamentos ocultos”.
Nas
palavras de Olinto, João escrevia “na cadência de um rio que avança ou do vento
nas folhas”. Palavras e sons. Enredo social. Canção alegórica para um país
criado e recriado. Carnavalização. João inventou um país. Um país que vive nas
suas palavras imorredouras e que se (des)estrutura nas ruas, vielas, becos
apertados, estradas enlameadas, maresias e caiçaras. Mas que, também, se
cristaliza na cara do povo, das gentes, em nós com nossas grandezas e desvios
comportamentais, nosso jeito ímpar de andar, seguir o cordão da dança e
arrastar os chinelos.
por
Edson França
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