sexta-feira, 18 de julho de 2014

Té mais, João!




João Ubaldo se foi e eu não consegui superar o mar de páginas de sua obra “Viva o povo brasileiro”. Varias vezes comecei, garanto que com a voracidade dos marujos destemidos, só que, páginas depois, quedei-me a beira d’agua como um reles grauçá que namora as ondas. Já que se trata de um mar, acho que minha nau vasqueira não estava pronta para tal percurso. Li crônicas, li Sargento Getulio, li e reli o Sorriso do lagarto, vi até a série de Tv, mas a massuda obra continua lá, na prateleira, iconicamente a propor-se como desafio. Penso, às vezes, que ela, em sua mudez, até usa de uma fina ironia para comigo.
Gostava do João Ubaldo. Gostava da figura do João. Uma imagem criada a partir das inúmeras entrevistas concedidas por ele a que tive acesso para ler ou assistir. Gostava da baianidade do João. Curtia o pensamento dele, a forma de enxergar esse micro mundo chamado Brasil. Gostava do humor, da mordacidade, da lucidez do João. Dos escritores contemporâneos, acho que me afinava com o João em muitos aspectos. Penso que dentre os componentes da Academia Brasileira de Letras, é ele quem pode melhor ser considerado escritor com E maiúsculo.
A obra do João Ubaldo Ribeiro, com todas as letras, não é exatamente uma obra fácil. Digerível. Antes é uma obra volumosa (falo de quantidade de páginas mesmo), reflexiva e instigante. Obra para quem gosta de ler. Uma senhora obra e não um arremedo de palavras. Uma obra abrasileirada, abaianada, ilhoa, com uma boa dose da embriaguez cotidiana. Dali emerge um país e seu processo civilizatório contraditório. Cheio de nove horas. Um país de contrastes, contratempos, festividades apolíneas e mesquinharias amiúde.
O João era um pensador das coisas do Brasil. Não escondia seu pensamento sobre nossas virtudes e tibiezas, nosso eterno dilema entre o esplendor das realizações grandiosas do espírito e do engenho humano e as baixezas entranhadas na nossa psique tão incongruente. Ironia e contexto social, dizem os críticos profissionais, banham a obra de João Ubaldo em todos os quadrantes. Uma obra de velas abertas. Um pano finamente costurado pelas linhas do humor. Ou como define o também acadêmico Antonio Olinto, em artigo para a Biblioteca Folha, em 1999, “Em tudo insere João Ubaldo a visão do humorista, que vê o que não aparece,identifica a nudez das gentes, entende os pensamentos ocultos”.
Nas palavras de Olinto, João escrevia “na cadência de um rio que avança ou do vento nas folhas”. Palavras e sons. Enredo social. Canção alegórica para um país criado e recriado. Carnavalização. João inventou um país. Um país que vive nas suas palavras imorredouras e que se (des)estrutura nas ruas, vielas, becos apertados, estradas enlameadas, maresias e caiçaras. Mas que, também, se cristaliza na cara do povo, das gentes, em nós com nossas grandezas e desvios comportamentais, nosso jeito ímpar de andar, seguir o cordão da dança e arrastar os chinelos.
por Edson França


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