Não demorou. Logo o livro estava em
minhas mãos. Tratava-se de obra assinada por Marcio Borges e se chama “Os
sonhos não envelhecem”. Assim como Marcelo, não demorei a ler o livro. Ou
melhor, devorei. Devorei as páginas como uma traça gigante, dessas que não se
satisfazem com a reles matéria que enche o bucho, mas com o sentido último
contido no emaranhado de signos gráficos. Com o que ativa as tempestades
elétricas do cérebro, despertam as sensibilidades vadias e dão luz à alma. Dessas traças que não comem
com a boca, mas com os olhos e a mente. Melhor, usam de alimentos para incendiar
essa última. Nem só de pão há de viver o homem.
A partir da leitura, flanei por uma Minas Gerais anos 70, convivi com as
ambições e as despretensões de uma geração. Num pit stop remissivo, fortaleci impressões
sobre a condição de vida jovem sob um governo de exceção. Bebi da fonte
milagrosa da produção cultural da época. Vivi, em espírito, como toda boa
leitura pode proporcionar, num instante, flashs positivos, reminiscências,
referências de pessoas, lugares. Enfim, tomei lições generosas e como os “sonhos”
são construídos, ou melhor, de que matéria eles são feitos.
Os sonhos como sempre pensei não
surgem magicamente como os milagres bíblicos. Eles emanam do cotidiano. É
difícil falar de pessoas como especiais, mas utilizamos essa categoria genérica
para falar de pessoas que, pegando o Trem azul onde nos sentíamos sós, passam a
contribuir com nossa trajetória pessoal, profissional, afetiva e amena. Essa é
uma das lições do livro. Essa é a magia por trás de uma seara - nem grupo, nem
movimento - chamada Clube da Esquina.
Para ser didático posso dizer que o
Clube da Esquina é um parto mineiro com ares transnacionais, intergalácticos
(caso nossas consciências puderem aí chegar ou fazer as pontes). Um grupo de
pessoas “especiais”, talentosas e determinadas a construir mineiramente um
artesanato músico-literário único e marcar, do seu jeitinho, (desculpem-me o
chavão) a “evolução da musica popular brasileira”.
Ouvir Clube da Esquina, por si só, é
voltar às particularidades de um Brasil atávico que se entranha nas montanhas
de Minas. Conhecer histórias sobre a convivência, as pedras, os caminhos, as
estradas, as ruas, a luz, o mapa das estrelas e a planta do pé que faz
história, às vezes chamuscado de lama, às vezes embranquecidas de pó. Ler “Os
sonhos... é decifrar, nos fragmentos memorialísticos de Marcio Borges, a
trajetória de “moços” – que também se chamavam estrada, viagem de ventania” – e
de homens – que também se chamavam “sonhos”.
O livro, na própria definição do
autor, tem como elemento central a figura de Milton Nascimento, o Bituca. Com
mérito. Milton e o principal expoente do Clube. Mas o livro traz mais. Traz o
amalgama que constrói os grandes momentos. Traz o suor que marca as
trajetórias, que desce pelo rosto e respinga na roupa dando-lhe um colorido
outro. Traz a constituição dos sonhos, a manufatura do cotidiano. Traz, enfim,
a celebração permanente (nem sempre linha reta, escorreita, de navegabilidade
garantida) da vida que se faz entre encontros, desencontros e, por vezes, de paradas
no meio do nada esperando uma carona para a próxima estação.
por Edson de
França
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