Li semana dessas matérias sobre um humorista chamado Leo Gigante (ou Gigante Léo) que, por conta do nanismo, foi aconselhado a não se posicionar logo nas primeiras filas em um show da cantora Sandy.
A causa, explicou o humorista, seria o fato de, por ostentar visível fragilidade corporal, o espaço não seria adequado a ele. Nada garantiria sua integridade física, por conta da previsível invasão dos fãs naqueles espaços "vips", nos minutos finais do show. Coisas do mundo dos espetáculos massivos.
Caso a plateia fosse constituída por pessoas como eu, ele poderia até armar uma barraca e lá estar a acampar tranquilamente. Primeiro porque não se encontraria um eu, Euzinho de França, em um show da referida cantora e, segundo, porque mesmo tendo admiração por determinadas figuras, não partilho desse hábito cultural a que chamo de "voracidade do fã". Essa mística insanidade, síndrome mista de histeria e selvageria canibalesca. (Especulo que há algo de oriental dentro dessa entidade afro-americana que vos escreve).
Do artista consumo, no máximo, a arte (na idade em que estou, cada vez mais no que posso encontrar impresso ou gravado). A proximidade carnal e o hálito não me interessam.
A “voracidade” se caracteriza pelo embotamento do sentido prático do que podemos chamar grosseiramente de espaço vital. Qual seja, noção alguma de autopreservação, com boas pitadas de total ausência de empatia, preservação da segurança ou da fragilidade do outro.
O que importa ao final é tocar o "astro", gerar selfies, menosprezando até a própria integridade do seu "objeto" de adoração. Compreendo artistas que gostam e desfilo ao lado dos que abominam a prática. Prático assim. Quero a integridade dos meus ídolos intacta; eles precisam estar em forma performar no dia seguinte e agradar outros fãs.
Mal comparando, assiste-se naqueles momentos uma espécie de energia similar a da histeria coletiva: aquela que converte “pacatos cidadãos” em instrumentos letais de linchamento.
Não sei se por timidez ou outra particularidade qualquer, não nasci com tendências a esses rompantes. Meu ar "blasé" para essas situações é uma questão de natureza da persona que não sei se nasceu comigo ou se a forjei. Não sou muito dado a euforias. Até mesmo quando fui talhado folião, evitei contatos mais canibalescos.
Nunca quis, não fosse por extremo dever profissional, por exemplo, fazer peso em cima de trio elétrico para estar ou fazer figuração junto aos constantes daora. Faltam-me graça, desenvoltura, beleza física e "complexo de tiete".
Se eu puder olhar o astro da vez de um lugar confortável, com uma dose de um veneno qualquer nas mãos, mantendo minha integridade e a dele intactas tá tudo certo. E estamos conversados.
Só vim aqui pelo show mesmo. Se puder levar algum conteúdo na memória afetiva ao fim, tá bom. Esse calor humano pós espetáculo não me interessa de forma alguma. Obrigado, bateria!
por Edson de França
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