Tenho predileção por lembrar coisas boas. Faço-lhes reverências e, sempre que possível referências, o que é uma boa forma de espalhar sementes do bem e mandar as energias negativas e os vis humanóides para a grandessíssima que os pariu. Semear o bem além de promover a difusão da energia positiva que alimenta as almas é também uma maneira de espalhar conhecimento.
É esse pensamento que me faz ocupar as horas de ociosidade com a leitura de cronistas do passado. Uma hora encontro Antônio Maria, vou ao passeio com Rubem Braga ou Fernando Sabino, tomo umas doses com Vinicius e sigo. Aprecio, antes de tudo, as boas companhias. Hoje, do nada, riscou o batente de minha memória o conterrâneo Nathanael Alves. E por uma observação bem prosaica, digamos.
Nos tempos em que ganhava a vida como dublê de professor, precisamente lecionando a disciplina Jornalismo Opinativo, tive a ideia de trabalhar o conteúdo sobre a crônica jornalística trazendo para a sala de aula os cronistas de perto e para tanto, utilizei a orelha do livro. assinada por Aguinaldo Almeida e a crônica/título do livro O pássaro e a bala, da lavra do inesquecível cronista.
Na orelha, Almeida traça a composição da crônica, a confecção, partindo da sugestão do tema, oriundo de fato registrado no caldo noticioso, e a maestria do cronista em emprestar-lhe tonalidades que vão do poético/lírico às reflexões sobre a realidade e os ditames da vida real. Até hoje não sei se os alunos captaram o intento ou aprenderam alguma coisa, mas passemos à frente. A intenção foi boa.
Durante o trajeto rumo ao trabalho costumo observar o que passa à volta. Letreiros, pichações, grafismos, placas de carros, fachada de lojas o que for. Os cenários não mudam muito ao longo dos anos, mas o olhar se detém diariamente nesse exercício sem fins. Acho que na maioria das vezes pouco ou nada fica registrado no HD das coisas úteis e recuperáveis de supetão.
Pois bem. Há dias uma palavra, que aos poucos intuí ser uma sigla, me chamou a atenção, instalou-se e ficou rodando pedindo uma palavra, um parecer, uma elucubração qualquer. Tratava-se de Aptiro que, de acordo com minha intuição, significa Associação Paraibana de Tiro (?). A sigla me lembrou a palavra áptero e, a cada novo avistamento, ela assume para mim esse significado: designação entomológica, utilizada para referir-se a animais sem asas (do grego, a - "sem", pteros - "asas"). Descreve alguns tipos de insetos etc e etc…
É nesse ponto da estória que reencontro o cronista em sua sacada brilhante de comparar o episódio em que um pássaro pousa no microfone do cardeal D. Avelar Brandão Vilela durante uma celebração católica em prol da ecologia em Salvador, Bahia, e a bala que matou outro religioso. “Em outra missa, em El Salvador, uma bala voa de uma carabina e rasga o coração do arcebispo Oscar Romero. (...) Em cidades homônimas da mesma América, o pássaro e a bala. A vida e a morte em rezas da mesma igreja, em apelos da mesma gente”, escreveu o cronista.
Balas são pássaros sem asas, ápteros que voam, cuja determinação nata é não promover poesia e, sim, a aniquilação, a destruição, a morte. Os pássaros, por sua vez, são a celebração da vida. O voo livre, o canto, os afazeres da vida produtiva, que garantem a existência e a reprodução. Os pássaros obedecem fielmente aos ciclos naturais, constituem espécie sempre ameaçada pelo egoísmo humano que quer reter a beleza em gaiolas e o chumbo traiçoeiro dos predadores.
As balas, mesmo quando erram o alvo da ira ou da estupidez, acertam um inocente. As balas não celebram nada, são arautos da destruição e do esvaziamento das palavras. Têm uma existência mesquinha. É bom lembrar disso quando se olhar/ler a sigla.
A simples comparação, porém, tem seu lado bom: cumpriu uma missão. Me fez revisitar o sábio cronista e, de quebra, permitiu mandar um alô inteligente para quem se arrisca a ler meus escritos. Eu, sigo dando graças aos céus pelo farol dos cronistas. E é só por hoje.
por Edson de França
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