por Edson de França*
“E
foram felizes para sempre...”. Com essa frase todo conto
de fadas se acaba, deixando no leitor nenhum gostinho de “quero mais”. Ela é
definitiva, fria, pétrea. Trata-se de um artificio, utilizado por autores de
antanho, para aquietar a turbulência de espirito que o leitor experimenta
durante o desenrolar das desventuras das personagens na narrativa das estórias.
Encerrou-se
e pronto. Não há dia seguinte possível. Nenhum convite expresso à mente para
imaginar um prosseguimento, um caco sequer, uma palavra além. Tá sacramentado,
sanitizado, salubre, asséptico, glacêificado com massa de biscuit. Tudo está no
seu devido lugar. Dá a impressão que, de repente, alguém meticulosamente compôs
um instantâneo e fixou para sempre uma cena onde todos os elementos estão
encaixados e apaziguados entre si e consigo mesmos.
Ah,
se a vida tivesse a consistência dos contos de fadas!. Certamente brigaríamos
muito mais pelos tais finais felizes. Seria uma grita geral pelo congelamento
de instantes, situações formatadas idealmente que se reproduziriam ad eternum. Mas, como diria o poeta, “a
vida não é filme!”. Precisa-se também entender, segundo outro poeta,
que “o prá sempre, sempre acaba!”.
O THE
END, final do relato ou da estória, pode vir a significar (ou sugerir) uma
imensidão de possibilidades como cabe à própria vida que nos sobressalta. O que
advirá no período pós The End? Pode bem significar uma sucessão de dias de
gloria, conquista, amor e paz ulterior. Mas, também, pode ser aquele momento
assombroso em que, os personagens vão sumindo em fade out,
descaracterizando-se, enquanto os contra-regras vão desmanchando e
reorganizando o cenário para o inicio da contação de contar uma outra estória.
O
que sucede ao the end, aqueles territórios aonde a mente não pode ou se nega a
ir, é, na realidade um roteiro ainda não escrito. Nenhuma especulação ou
ansiedade responde a ele de pronto.
Li
dia desses uma interessante narrativa sobre o desejo de anonimato que marcou a
trajetória de Debra Winger (1955 - ). A atriz americana, famosa nos anos 80 por
participações em filmes como O céu que
nos protege (1990), A força do destino (1982), Cauboy
do Asfalto (1980) e Laços de Ternura (1983), conviveu em
pé de guerra com a indústria cinematográfica hollywoodiana, em virtude das
exigências, da exposição forçada e da frivolidade dos roteiros.
Nesses
últimos particularmente, dizia ela, a escassez de criatividade contribui para o
investimento maciço em produções edulcoradas na medida certa para atuações
bizarras e consumo por parte de um público pouco exigente. Limitantes,
diríamos, para atores verdadeiros e campo fértil para proliferação de
celebridades de magazine. Chamou-me particularmente atenção para o conteúdo das
estórias, sobretudo quando se refere aos finais de narrativa.
Em
suma, a atriz quer dizer que a vida – na essência e na dinâmica – não é
composta de marcações teatrais, personalidades bem formatados e roteirizações
de vida bem definidas. Ou seja, todo final tanto pode ser um final – seja feliz
ou infeliz -, mas também pode ser a abertura de um outro mundo, uma nova
estrada, uma nova maneira de pensar e encarar o mundo, um enigma enfim. “Gosto
de finais enigmáticos. (...) Desenvolvi alergia aos finais fechados porque nos
fazem sentir que a vida terá um clímax”, diz ela.
A
vida tem clímax, sim, apenas no momento em que surge o the end na tela, o fim
no romance de trocentas páginas, só. No momento em que começa a escalada dos
créditos finais do filme. Mas, lembrando outro poeta da musica popular, “Os
sonhos não terminam como um disco. Estrelas não se apagam ao tocar. O amor não
é um filme, Jezebel!”. Na real, o enigmático é o que prospera com o
nosso dom – não nato, diga-se - de descrer das permanências. O importante é apostar
sempre no que pode vir a nos surpreender depois da palavra, da composição do quadro
e dos créditos finais.
*Jornalista,
cronista e poeta
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