quarta-feira, 5 de junho de 2019

Os cães miúdos mostram sua cara



      Comecemos pelo vocabulário básico. Cães miúdos são diabos reles. São desses que nascem por qualquer descuido, proliferam feito praga e sobrevivem à base de qualquer oportunidade. Desprezíveis, numa palavra.
Cães miúdos nascem e vivem como ervas. Não dessas que dão “baratos totais” ou curam tosse, não; são ervas daninhas que se espalham graças à estúpida morte do capim. São sanguessugas, vamps, parasitariamente mamando e matando incautos hospedeiros.
Travei contato com vários da espécie e já fui, “pense” (detesto desse cacoete verbal), convidado e intimado a fazer parte da legião. Pergunte-me se fui¿ Estou escrevendo aqui para não ser parcamente lido; ao lado dos cães miúdos nem precisaria escrever.
Os cães miúdos, dentro do seu expediente, providenciariam uma blague para me bajular, jurando uma intimidade profunda com o apelo ventilado em meus inexistentes textos.
Insistirei sempre na manufatura do texto, na defesa do espaço crônico que faculta ao escrevinhador um mínimo de autonomia. Ela é a lupa que permite flagrar o cão miúdo em sua mais expressiva pantomima. A oração que permite afastar os cães de toda ordem.
Os cães miúdos estão por aí travestidos em jogadores de pelada, operários medianos, grumetes e servidores temporariamente compondo a base do serviço público ou ASPONES de um secretario qualquer. Tem por expediente ofícios caídos no anedotário popular. São os baba-ovos, cheleléus, puxa-sacos, chaleiras, bajuladores, lisonjeadores, mantegueiros e lambe botas.
Quando os anjinhos do tempo em que vivemos saem às ruas e pedem intervenção militar, volta da ditadura e assombrices parecidas nada mais querem que seus lugares de cães miúdos num possível novo sistema. Uma legião de dedos duros iria, caso a turma da pesada assumisse o poder, se espalhar por aí. 
A democracia é o inferno dos cães miúdos porque nelas eles não se criam, dito melhor, ate procriam feito peste, mas são abortados instantaneamente. Aos primeiros voos, não conseguem camuflar a desfaçatez, o oportunismo e a canastrice de suas ambições.
Os cães miúdos necessitam de ambientes que lhes facultem poderes e não se lhes questionem, mesmo nas decisões mais estapafúrdias.
O cão miúdo quer, ao final, foder alguém em nome de seu status. O cão miúdo que aqui evoco está bem retratado no filme Ojuara – O homem que desafiou o diabo (Brasil, 2017). Uma ser que pode até ter uma personalidade e uma aparência sociável mas, ao fundo, são compostos de pedaços desconexos que jamais se juntarão numa fôrma harmônica, num comportamento social digno e mentalidade aceitável.

Por Edson de França

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