Dia desses escrevi texto sobre a contribuição do
Estado para a consolidação do “mito do intrépido capitalista inovador” (ver:
http://patosonline.com/post.php?codigo=42377). É que na sociedade em que
vivemos os laços entre a iniciativa privada e o Estado nem sempre estão
claramente expostos e dificilmente ganham explicações plausíveis. São enlaces
circunstanciais ocultos, que se manifestam numa esfera de poder e interinfluência
a que pouquíssimos tem acesso e a grande maioria das pessoas nem conseguiriam
entender. Sobrando aos circunstantes a impressão ilusória de que os grandes
feitos da tecnologia e da ciência passam pela iniciativa heróica e altamente
independente de visionários.
A relação entre a iniciativa privada e o Estado no
campo do financiamento revela a “ajudinha” não revelada, leia-se dinheiro
público, para empreendimentos particulares que nunca terão de todo a
contrapartida necessária. Talvez (e só talvez) a contrapartida se dê numa
porcentagem ínfima, e que nós não sabemos precisar, em termos de impostos ou
sob as manobras marketeiras da “responsabilidade social” de empresa.
No caso do texto anterior, a narrativa se prendia a
questão do fomento do Estado, seja inicialmente seja durante a escalada de
ascensão, aos “inovadores” da C&T. Mas nossa ingenuidade corrompida não nos
permite que achemos que esses liames se resumam a essa esfera. Se o poderoso
Estado cede sua parcela de força para os “intrépidos inovadores”, por que não
daria uma “forcinha” para outros ramos empresariais. Sobre esse ponto algumas
perguntas e especulações marotinhas não fazem mal ao livre pensar. Ao
contrário, são salutares e muito bem vindas.
A fisiologia da sociedade em que vivemos é complexa
demais para se revelar em impressões apressadas. Nosso aparato intelectual,
como analistas amadores, não dá margens para que possamos amealhar fatos, unir
dados, ruminá-los e tirar conclusões próximas da realidade. Somos apressadinhos
em nosso inconsistente poder analítico. É-nos mais confortável apoderarmos da
crença na projeção exterior dos fenômenos.
Em um estado como o nosso, por exemplo, em que a
dependência da sociedade em relação ao Estado é enorme, creio que as relações
entre poder público e privado, se não escandalosas são no mínimo imorais.
Desconfio de nosso capitalismo tabajara como desconfio da existência material
dos anjos. Quando o financiamento não é direto, ele passa por expedientes sutis
como a manutenção de empregos ou cargos próximos da vitaliciedade na máquina
pública ou ainda, nesse caso muito mais sutil, que é nas manobras junto aos
poderes nas esferas administrativas, judiciárias e executivas.
Sabemos
que empreender é algo que demanda doses equilibradas de ousadia e coragem, a tal
ponto que poucos têm essa característica nata em seu portfólio de vivências.
Não existe espaço, porem, para covardia, arrogância ou preguiça. O empreendedor
trabalha com uma margem de sustentabilidade cambiante. O empreendedor puro,
caso exista, seria uma entidade próxima da natureza autóctone, independente,
intrépida, capaz de montar seu próprio meio de sustentação e, dolorosamente,
saber que toda e qualquer armação que faça sempre correrá riscos de ruir.
Convenhamos que grande maioria dos empreendimentos
que proliferam em nosso meio não tem tais características como base. Estou
sempre aberto a contestações, mas não arredo o pé. O dinheiro público
alimentou, de forma direta ou indireta, alguns ramos da nossa economia. Não me
perguntem com que moedas são construídas as grandes mecas comerciais, desde
suas pedras fundamentais. Não me perguntem qual o moto propulsor das
iniciativas na área médica, de saúde ou educacional por essas bandas. Não, não
especulem o capital inicial de um monte de empreendimentos mirins que se
espalham em sua volta, cujos chefes entram para o imaginário popular como
insignes empreendedores.
O Estado é uma espécie de mecenas pouco
dimensionado e compreendido. É mais fácil falar de sua inoperância e tomar isso
como axioma, que compreender a penetração cuidadosa, cirúrgica e secreta que
ele tem na vida “empresarial”. O estado não só arbitra, fiscaliza, cobra,
maltrata com a cobrança excessiva de impostos. Ele exerce o seu papel de paizão
por trás de filigranas burocráticas. Pelo menos para alguns, quem sabe
intrépidos exploradores dos cofres públicos em prol de suas causas tão
particulares e personalistas.
por Edson
de França
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