quinta-feira, 12 de março de 2020

O destino do Almagre



                


As ruínas do Almagre surgiram em meio ao campo recém-capinado. Afora uma árvore frondosa no centro do terreno, toda a vegetação em volta parecia ter passado por um processo de queima. Arbustos, galhos caídos e grama rala exibiam a coloração, entre preto e o amarronzado, que denuncia a passagem lasciva das línguas de fogo.

Estacas pré-moldadas formavam um simulacro de cercado, do qual os fios pareciam ter sido roubados. Antes das ruínas propriamente ditas, outra parede de folhas de zinco dizia, por sua vez, “aqui há uma obra em andamento”.
            Mas nada havia ali que sugerisse uma obra de (re) construção ou de produção do conhecimento para recuperação do bem histórico. Nada de operários, nada de pesquisadores. Nenhum visitante.
O centenário convento, um dos pilares da historia da Paraíba, jazia ali, semimorto, como um ancião mal das pernas sustentando por próteses emergenciais. Todo conjunto posava sustentado por escoras de madeira para as lentes que ousassem flagrar, ao que parecia, os estertores de uma massa em processo apresado de falência.
Pedras espalhadas ao redor formavam montículos que pareciam escorrer da construção principal. Ela, em verdade, parece derreter-se a olhos vistos. Um monumento aclamado que vai, aos poucos, dando adeus. Abandono e resignação.
A história nos conta que a Igreja de Nossa Senhora de Nazaré, também conhecida como Igreja do Almagre ou Ruínas do Almagre, esta localizada na praia de Ponta de Campina, no município de Cabedelo, litoral norte do Estado. A igreja foi erguida no início do século XVI (1598), no contexto do processo de conquista do território e de catequização dos indígenas na Paraíba.
Não há referências à presença do templo na localidade em épocas anteriores. Ele aparece nos registros, em 1804, como parte da propriedade da Praia do Poço e é descrita como uma “igreja de pedra e cal coberta de telhas”. As ruinas encontram-se tombadas desde 1938 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Hoje, elas se encontram em áreas particulares, havendo um acesso provisório ao local.
Eis o destino dos monumentos históricos a céu aberto, dos museus, da memória, enfim, da cultura brasileira em si. No brasil sobram recursos para a arrogância e a prepotência; faltam, porém, para a sensatez e a temperança. Esbanja-se no financiamento da desimportância que elogia a burrice. Relega-se à condição de mendicância a inteligência, o conhecimento, a preservação da memória.  
No caso do Almagres, como no caso de muitos outros monumentos, há situações burocráticas e pendencias junto à justiça que impedem uma ação efetiva de recuperação da área. Mas até mesmo os projetos que parecem dar um alento não ganham a continuidade merecida.
Em 2016, prefeitura e IPHAN anunciaram uma parceria em que a área seria limpa, sinalizada, cercada, teria as vias de acesso pavimentadas e toda área iluminada, além se serem definidas a inclusão do monumento no roteiro turístico da cidade, bem como os critérios de visitação. Também estavam em pauta estabilização das ruinas e a recomposição do monumento através da recolocação dos elementos em suas posições originais.
Aos olhos da época soou auspicioso, o plano. A preço de hoje, o item conservação – mesmo emergencial, como se falou a época - passou longe.
por Edson de França (Jornalista, poeta e cronista)      




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