terça-feira, 14 de janeiro de 2025

Como se explica o dinheiro?

 

F
aça essa pergunta a um dono de “fiteiro” e ele lhe dará uma resposta espontaneamente técnica. O parco dinheiro que ele vê e que efetivamente chega em suas mãos, é fruto das horas gastas na manutenção do seu negócio. Minutos dedicados à vigília paciente de espera pelos raros clientes, às compras para manutenção de seu estoque e ao planejamento global para sobrevivência nos dias seguintes. 

Se ele responder “vem do meu suor”, resumiu tudo. Se disser que ele “vem das mãos de gente que, assim como eu, luta de sol a sol para ganhar um mínimo com que atravessar os dias”, deu uma aula de compreensão do estado sócio-econômico da pobre, ou da construção de toda a “riqueza” que há em sua pobreza. Ou mais: da mecânica de circulação do dinheiro nos setores populares. Uma economia gigantesca, porém pulverizada em migalhas.

Quem nasce de baixo, com algum grau de consciência, sabe essas lições de cor. Porque é da vida de pobre ter uma ciência material, empírica, imediata da circulação de seus centavos. Não vai mais fundo - com maiores detalhes, exemplos e explicação científica - porque as fronteiras do mundo do pobre são estreitas. 

A resposta sempre parecerá árida, seca, sem subterfúgios ou romantismo, espantosamente real, pé no chão. Valores como força, coragem, persistência, inteligência, sagacidade e disciplina passam ao largo da resposta num primeiro instante. A dureza da realidade se impõe. A simplicidade, ao rés do chão, explica demais.

Faça a mesma pergunta a um mega empresário, um componente da elite ou a um herdeiro e garanto que não obterás uma resposta tecnicamente satisfatória. Deus, sorte, capacidade individual, mérito ou qualquer outra subjetividade qualquer certamente nortearão a resposta. 

São todas elas recorrências contumazes para quem não sabe, precisa ou se interessa a saber sobre como o dinheiro se materializa e se transmuta em bens, conforto e lazeres. Mesmo que seja raro, se alguém responder que “vem do meu trabalho”, certamente não conhece nada da escassez e da incerteza. Sabe, sim, que seu “esforço” se consolidará em números na conta bancária. 

Nem ao menos há de reconhecer a contribuição daqueles que consomem seus produtos ou a importância daqueles auxiliares que produzem ou revendem. Porque toda cadeia que envolve anônimos, quase sub ou não humanos, sempre há de parecer fruto da magia, imaterial.

Faça essa mesma pergunta a um herdeiro citado na lista da Forbes ou a um dos “sem futuro” da coroa britânica. Poucos dessa estirpe irão realmente ter idéia de onde vem o dinheiro que mantém seus luxos. Uma declaração pública e esclarecedora nesse sentido - com todos os S e R’s nos locais exatos -  equivaleria a uma confissão de crimes, uma crise de loucura e, pior, seriam crucificados como “comunistas” ou “socialistas”. 


por Edson de França

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