terça-feira, 11 de março de 2025

Das falas do povo

Edson de França *

As caminhadas matinais, assim como uma viagem cotidiana em algum coletivo urbano, são recheadas de "instantâneos pessoais". Para quem não teve o prazer de conhecer, essa última expressão, a mesma servia para nomear uma das seções da revista Readers Digest, que trazia uma série de relatos de leitores narrando flashes verbais disparadas por algum indivíduo diante de situações inusitadas. No nosso caso, os instantâneos disparados a cada manhã são dignos de crônica. Uma não. Várias ao mesmo tempo.


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O público das caminhadas é composto, em sua maioria, por senhoras, sinhozinhos e pessoas de meia idade em geral. Uma parte delas incapazes de sair de casa sem um terço para debulhar, enquanto destilam aves-marias, salva-rainhas ou ruminanças auto-confessionais dos dissabores da vida. Completam o séquito, jovens atletas ocasionais, não militantes do esforço contínuo, trabalhadores e, sobretudo, trabalhadoras que utilizam-se de parte do percurso da caminhada como "intervalo lúdico" no caminho da labuta.


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A caminhada, mais que o exercício do despertar matinal, é intervalo para conversas, confissões, reclamações sobre tudo e orações em murmurinhos. As mulheres, percebe-se, são protagonistas nesse sentido. 


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Há grupos contumazes de dois ou três sinhozinhos que seguem empilhando comentários sobre os sucessos veiculados pelo Jornal Nacional, comentando-os, ou reclamando do valor da aposentadoria. São minoritários, contudo. As mulheres, das senhorinhas de sobrinha às diaristas, donas do pedaço e da voz, mandam ver no verbo. É por meio delas que ficamos sabendo dos bastidores do serviço doméstico, por exemplo, suas práticas e rotinas. E do capítulo inteiro das insatisfações.




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Já entreouvi históricos de enfermidades, questões familiares, desavenças de casal, cuidados de avós com a precocidade sexual das netas, da filha que foi a Portugal e voltou com um pequeno português na bagagem, do perfume francês utilizado para disfarçar "bosta de gato". 


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Durante a caminhada, a vida corre. Adianta alguns minutos de nossas vidas. Coletivamente, mantendo as distâncias regulamentares da afinidade, vamos seguindo. Um "bom dia" largado ao léu sempre corre o risco de encontrar uma ressonância, um murmúrio mal humorado ou um desenho mudo, carregado, desses mal humorados que chamam tempestade ou não evacuaram antes de sair de casa. Não importa. A manhã nos recebeu. O divã em campo aberto se abriu. Estamos aqui, graças, e isso é palco da vida que se abre para mais um dia na vida do sol.


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Quero crer que a vida é palavra. Palavra proferida é vida em movimento. Se transformando, metamorfoseando-se, avançando rumo ao que só os deuses adivinham. Tá valendo, boy? Tá valendo o desabafo da vovó, seus orgulhos e a lamentação de suas perdas, as preocupações da super-mãe assoberbada, a conversa animada do grupo de senhores e a reclamação trabalhista da diarista. Tá valendo, boy. Segue em frente, ouve, que a vida e movimento de vozes, versos e versões sobre o desenrolar dos dias e dos ofícios fiéis.


* Jornalista, cronista e poeta.  

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quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

O mistério dos ônibus fantasmas

        


Enquanto a ciência especula a existência - ou não - dos universos paralelos, o pobre das grandes cidades experimenta-o na pele nua e crua. Todos os dias, sem escapatória, viaja neles, assiste atônito suas estripulias e sofre com suas pegadinhas sádicas. Nem todos, como é comum nas matrix, têm consciência plena disso, mas bebe da experiência por ali, entre o conformismo da ignorância e a indignação silenciosa.  

É sabido que a vida social nos grandes centros é organizada por “universos” isolados. Círculos bem desenhados, é verdade. Universos que se tocam em algum momento mas, na maior parte do tempo, são dissociáveis, distantes, apartados por fronteiras indeléveis. A localidade, a condição econômica,  o padrão de vida e de consumo, o acesso a serviços e bens e, sobretudo, as condições de mobilidade determinam objetivamente esses status. 

Andar a pé ou utilizar os serviços de transporte público, ônibus sobretudo, é estar na base dessa pirâmide e, portanto, mais sujeito às molecagens dos universos paralelos. Sim, os universos paralelos, vez em quando, criam interfaces com o nosso, assim como o gran monde faz com a favela,  tão somente no intuito de humilhar aqueles que já andam ao rés do chão.

Os tais mundos, paralelos ao nosso, pressupõem-se extremamente avançados tecnologicamente. Qual seja, ambientes integralmente mediados pelos recursos da tecnologia, facultando aos viventes facilidades em suas tarefas. Tecnologia que também é fetiche do nosso universo e que, como tudo o mais, começa sendo usufruída pela classe A para, bem depois, chegar a ralé como novidade, inovação e promessa ilusória de melhorias. 

 Ainda bem que, por essa marcha irônica da história, a comida ultraprocessada seduziu e matou primeiro os ocupantes do pico da pirâmide, para só chegar às mesas paupérrimas muitas covas tubulares depois. 

Pois bem, afirmei lá em cima que o modo de deslocamento é determinante para estabelecer os universos paralelos visíveis. A tecnologia, então, desenvolveu-se para ampliar as distâncias. Do jeito que os computadores de bordo garantem a eficiência dos automóveis individuais, foi prometido aos humilhados que também favoreceria os coletivos.

Para pôr a prova testei os recursos de Wi-fi da frota renovada e dos excepcionais “geladinhos” de minha cidade. Não consegui, até agora, desfrutar de um segundo de navegação na rede. Ou seja, a loguei. Fiz o login. Moral da história: levaram meus dados e não prestaram o serviço. Logro tamanho família e humilhação. Não basta ser pobre.

Outro engodo, sadicamente planejado, implantado no sistema foi o aplicativo de espera de ônibus. Cada usuário tem, com certeza, uma taxa de resposta a expectativa é de malogro. Essa última, digo, deve superar em muito a primeira alternativa. É uma especulação, claro, mas que me apontem os pontos unanimemente positivos.

O sistema trouxe ideias como a previsão de chegada, o mapa de paradas e a integração temporal. Na teoria todos os veículos são monitorados, em tempo real, via satélite pelo GPS. O problema é que se chega no ponto, consulta-se o app e está lá uma previsão de 6 minutos, por exemplo, para o veículo pretendido. Toda satisfeita a vítima espera e nada; consulta outra vez e aparece o alvissareiro “em breve”, nada; consulta uma última e o infeliz, só faltando gargalhar na cara, indica: seu só ônibus daqui a 40 minutos.

Minha teoria é que, numa sacanagem inter-universos, o tal ônibus passou. Só que não na parada onde era esperado, mas em uma outra, ou seja, num universo outro, um metaverso, bem distante dos deveres, afazeres, presas e necessidades dos pobres, de fato e de direito, mortais. 


por Edson de França 


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quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

Selvageria


 

Alguns ousam classificar como amor. Amor à camisa, ao manto sagrado, à esquadra atual que os representa, aos registros,  ano a ano, de feitos e conquistas heroicos, aos heróis dos títulos épicos. Tudo  besteira. O amor mais verdadeiro mora no peito dos resignados, dos tolerantes, dos pacíficos, dos que entendem a circularidade da vida. Dos que sabem ganhar e perder. 

Os que inflam as narinas, estufam o peito e se armam para briga não são adeptos do amor. São amantes da horda, da balbúrdia, da insanidade, do ódio e, numa escala mais agravante, do homicídio, da eliminação do outro. Da barbárie, enfim. No adversário, eles só enxergam o inimigo de sangue. Suas consciências são incapazes de refrear seus instintos primários. Também parece não haver forças externas capazes de dissuadi-los. 

Partem para o confronto cego como feras ensandecidas. Só que,  diferentemente das feras naturais, cujo instinto de morte demanda dos chamados inadiáveis da sobrevivência, aqueles lá - chamados genericamente de “torcedores organizados" - atendem a uma outra lógica: a da sensação de frustração, da impotência, da falha total como ser humano.  

São seres insatisfeitos até consigo mesmos. Numa palavra, mal resolvidos. Prenhes de problemas psicológicos dificílimos de contornar ou de curar. Numa turba selvagem qualquer um, frustrado e covarde, tem condições de extravasar, praticar a maldade que o habita e gozar, com alguma sorte, do beneplácito do anonimato. 

Até hoje ninguém localizou a mão (ou mãos) que matou um torcedor com um vaso sanitário em Recife, após uma partida desse mesmo Santa Cruz que protagonizou a confusão no sábado (01/02/2025). O assassino - essa é a palavra que o define - jamais se denunciou e, por onde andar, pode muito bem posar de cidadão de bem, patriota, temente a deus e outras leseiras mais que marcam a identidade de um homem imaculado.

Caso fosse traçado traçado um perfil individualizado desses senhores (e senhoras) facilmente seriam identificados traços, dizem os estudos, dos "transtornos mentais maiores". Expressão traduzida do inglês que se refere a transtornos mentais graves, como esquizofrenia, transtorno bipolar, depressão maior e transtorno delirante. 

Ousaríamos incluir também neste rol, mesmo não sendo especialistas, as sociopatologias afetivas. A total falta de amor, de respeito e de outros ingredientes básicos da convivência, que vem a definir estágios minimamente avançados de civilização. O futebol, por acaso, é veículo despertador da insanidade? Serviria o esporte de milhões como um catalisador de instintos assassinos?

Ficam os questionamentos. Ficam os fatos registrados. Fica o medo do cidadão comum em frequentar os estádios. Fica, enfim, o espanto da população em geral sobre eventos inaceitáveis. Objetivamente, na parte atlética, o futebol se resume ao que acontece na arena. Fora dele, porém, se desenrolam outros cordéis.

A partir da arbitragem, a cargo das Federações, até às Bets, sites de apostas, tudo envolve valores monetários e manipulação das paixões. As torcidas, correndo por fora, também entram no jogo, sendo patrocinadas e organizando-se em grupos de apoio às equipes e, pelo que se vê, em quadrilhas de arruaceiros.

Não é portanto apenas o “amor ao clube” que justifica os movimentos de rua. O rastro de destruição que eles deixam são denotativos de desajustamento e incompreensão do básico do esporte: o desempenho e a conquista  demanda da existência do outro. O embate só é justificável com o qualificativo do outro exercer o direito à torcida, à escolha de um lado e, sobretudo, o direito democrático de defender suas cores, sem medo da exposição e dos riscos à integridade física. 


 Por Edson de França 

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quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

A provocação Vinícius Junior


P
eguei a conversa pelo rabo, como quem capta um lance fortuito assim, digamos, de esquina de olho. Empolgados da mesa vizinha discutiam o mundo do futebol. Entre os assuntos, ouvi dizerem que os casos de agressões racistas contra Vinícius Jr, por terras espanholas, se dariam por culpa deste mesmo. Ele conduz as “provocações” à torcida, concordavam entre si. 

Como justificativa, defendiam a tese que o clube conta com muitos jogadores negros e o mesmo não se daria com eles.

De cara pensei na limitação do argumento. Também pendi para o registro de uma total falta de análise da situação em seu conjunto, assim como um desconhecimento fatal do problema racial por aqueles campos onde o jogador atua. 

Não conheço, para começo de conversa, nenhuma reportagem ou estudo extenso que investigue os casos de racismo entre os jogadores negros, de ontem e de hoje, que futeboleiraram por lá. Portanto, como basear um caso pontual sem conhecer estruturalmente a mentalidade de um país? 

Penso que uma das poucas referências ao racismo por lá ouvi, de passagem, em uma reportagem do apresentador Otávio Mesquita (SBT). De passagem por uma dessas mega arenas de um dos gigantes espanhóis, o jornalista questionou o seu interlocutor (juro que não lembro quem era) sobre os casos de racismo nos estádios.. 

Relatava ele que seu câmera man, um homem de cor, sofreu agressões racistas efusivas enquanto apenas cumpria sua missão de registrar a plateia ensandecida. Pergunto, que mal um profissional da imagem poderia fazer para aquela gente? Qual “porquê” da gratuidade das agressões? Fora direcionar seu instrumento de trabalho para eles - assim como tantos outros fazem -, qual a “provocação” que ele poderia produzir para mexer com os brios do povo?

Os jogadores brasileiros, de uma forma geral, são omissos quanto a essa questão. Não se ouve um pio. Mais fácil, infelizmente, a denuncia partir de um “branco” que de um negro. Nada se ouve da boca dos mais retintos ou dos “embranquecidos” pela grana e pelo status. 

Difícil, de toda a forma, lá pelo principio, é ver-se como negro. Creio que muitos engolem o choro para não atingir a indústria do esporte, enquanto outros por conveniência mesmo ou não terem a mínima consciência de cor e origem. Alguns são uma verdadeira decepção. Dá até para enumerar exemplares, feito cartas colecionáveis de Pokémon.

Voltemos ao caso Vini Jr.. A grande provocação de Vinícius é, primeiramente, ser negro e, sobretudo, apresentar traços bem acentuados. Não dá, no caso dele, para se esconder da negritude ou disfarçá-la. Em segundo lugar, Vinícius se aceita como tal e isso agride a sociedade “branca” em torno do futebol. 

A beleza do traço negroide é elemento de difícil assimilação por parte de quem, se olhando no espelho, aprendeu a valorizar mesmo finos traços da face como único ideal do que é belo e aceitável. Mesmo quando mínimos, mesclados ou miscigenados, portador os assume como um diferencial de pertencimento.

O que foge a esse “ideal” passa a ser digno de rejeição e chacota. Até o status humano, se for conveniente, é negado ao ser que exibe por aí seus traços diferentes. Ironicamente, celebridades copiam os lábios grossos do povo negro em arriscadas cirurgias estéticas. Aí, também mora a velhíssima hipocrisia dos contentes.

Todo jogador introduz mungangas em suas comemorações. Não importa a cor. Todo atleta, de um jeito ou de outro, atiça os adversários, de forma sutil ou escandalosamente. Nunca assisti, contudo, uma rejeição parida por uma turba sangrenta e insana contra um jogador em específico e reiteradamente. Com episódios eclodindo até em vias públicas, como no caso do boneco enforcado numa ponte. 

Serão as provocações de Vini mais elaboradas que os demais? Será o atleta um performer de provocações mais que jogador de futebol? Que ardis utiliza ele para suas provocações serem tal afetivas, tão eficientes? Só vejo eficiência em sua tez moral e nas performances dentro das quatro linhas, nada mais.

É muito difícil, convenhamos, para o brasileiro mediano entender a dimensão racista do mundo. Nem pela camada mais epidérmica do problema. Mais difícil, quase impossível, é entender o componente estrutural dessas questões. Como ela se reproduz? Quais as raízes indelevelmente instaladas no inconsciente dessa gente demente? 

A história humana está aí para contar e explicar, mas quem quer saber de história além da curiosidade lida às pressas nas redes sociais? Se o individuo se detivesse um pouquinho mais veria o tratamento que a velha Europa sempre dispensou aos negros. No que andou aprontando pelas colônias, onde visou sempre o mineral precioso e nunca jamais o elemento humano? 

Sim, senhores, a mentalidade etnocêntrica e escravista está para Europa, assim como o “complexo de vira lata” está para as repúblicas abaixo do equador.

Concluindo. O homem comum vive de provocações, de colocações, de emissão de pontos de vista. Um homem com DR no nome, mesmo insano, é levado em consideração apresentando-se socialmente ou falando “miolo de pote” ou fazendo “macaquices”. 

Se for branco, então, parece ter um status naturalmente adquirido para palrar, fazer munganga, ser pouco civilizado e arrogante. Sendo branco pode provocar. Dificilmente, porém, sua provocação, por mais agressiva que seja, despertará a ira de multidões. Em caso de figura negra, além do maestralismo oculto, os conceitos morbidamente internalizados ascendem à flor da pele, à boca suja, à pantomima dos gestos desclassificantes. Pense nisso!!!!!

por Edson de França 

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sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

E a palavra do ano é?

 

Que rufem os tambores! A expressão do ano de 2024 foi: “brain rot”! E daí(?), há de perguntar aquele leitor mais desatento a essas indicações e eleições que, mais parecendo “aperitivos midiáticos”, portanto digestíveis, soam similares ao Oscar e ao Miss Universo. Convenhamos, aquele tipo de evento glamouroso que não serve para avançar um segundo nos ponteiros da existência e, sobretudo, da sobrevivência dos pacatos cidadãos. 

Diria a eles que os eventos sazonais, tipo os citados nas últimas linhas, fazem parte indissociável de nossa famigerada sanha de classificar e louvar as “excelências” humanas, sejam físicas ou da ação criativa Nesse quesito se igualando, guardadas as devidas proporções, a eventos como as Copas do Mundo, as Olimpíadas e outros tantos. 

No caso em específico da palavra/expressão em questão, sua eleição tende a identificar um “status” momentâneo da raça humana. Flagrar uma tendência. A intenção é nomear um dado cultural do momento, por meio da fotografia de um “comportamento coletivo”, uma mancha que seja na marcha civilizatória. Enfim, um dado que nos afeta, individual e coletivamente, com potencial de representar avanço ou retrocesso civilizacional. 

Antes de mais delongas, “brain rot”, a expressão eleita “como a palavra do ano pelo Dicionário Oxford tende a refletir a era digital, ou melhor, o impacto dela nos comportamentos”. Trata-se de uma expressão em inglês que se tornou popular na internet para descrever um estado mental associado ao consumo excessivo de conteúdo digital de baixa qualidade ou irrelevante. 

Mais: traduzida literalmente como "podridão cerebral", a expressão sugere uma deterioração cognitiva ou um embotamento mental causado por esse tipo de consumo.

Devidamente apresentados, espero algum herói questionar se não atravessamos um momento desses. A epidemia do “brain rot” está por aí se expandindo, sendo todos nós, em maior ou menor grau, mais cedo ou mais tarde, contaminados por ela. 

Para ser paciente - e já na enfermaria descobrir que a contraiu - não custa muito. Basta se esbaldar no consumo de “conteúdos superficiais” (vídeos curtos, memes, notícias falsas), estar à “toa na vida” praticando o “doom scrolling” (hábito de rolar infinitamente pelas redes sociais, consumindo notícias negativas e alarmantes) e, finalmente, “excedendo tempo dedicados ao online”.

A expressão se classifica inicialmente apenas como uma tendencia de comportamento, não dispondo uma constatação científica que dê margem a um diagnóstico médico. Como nos conta Mr.Google, trata-se de um “termo informal utilizado para descrever uma experiência subjetiva relacionada ao uso excessivo de tecnologia”. No entanto, afirma-se, os sintomas associados ao "brain rot" podem ter um impacto negativo na saúde mental e no bem-estar geral.  

Entre os principais sintomas da “enfermidade”, destacam-se a dificuldade de concentração e a redução da capacidade de análise. Além disso, aumento da ansiedade, depressão e isolamento social. 

Rendeu matéria de televisão hoje, 14/01/25, a repercussão negativa entre as “celebrities” de todas as periferias a ameaça de desativação dos filtros estéticos das redes sociais. Tanta polvorosa que uma especialista em saúde mental foi convocada para analisar o impacto. Até porque se trata disso mesmo: um fenômeno derivado do uso exagerado e doentio das redes sociais. 

Uma distorção que motiva problemas cognitivos e emocionais. A necessidade urgente de participar, de se embelezar, eliminar pequenos defeitos, consumir o desnecessário, fingir posses, sugerir intimidade com famosos, adotar posicionamentos equivocados sem reflexão e etc, são comportamentos sintomáticos da “brain rot”. É um “mal do século”? Uma sequela forjada pela tecnologia? Um dano colateral?, sabe-se lá. O certo é que anos a frente, vamos viver com a incidência dessa “mania”. Resta medir os custos sociais disso tudo.


por Edson de França 

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quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

Os donos do mundo

 


A
credito que os membros mais “descolados” de minha geração - aqueles que curtiram, mesmo por osmose, a literatura de Erich von Däniken, Hernan Hesse, Revista Planeta, discos voadores aos tragos de um “back bem bolado”, esses últimos nem que fosse olfativamente -, desde logo se acostumaram a pensar em mistérios e “teorias da conspiração”. 

Talvez por vivermos a sombra pestilenta da ditadura, da qual pouco sabia-se da profundeza dos porões, essas ideias encontrassem um campo fertil para se expandir. Talvez como alienação, talvez como “mecanismo de fuga” frente às tímidas desconfianças de que o governo de então não era a superfície garbosa e ufanista demonstrada nos desfiles cívicos de 7 de Setembro. 

A impressão geral é que, para além dos diretores de escola, rezadores de ave-maria, imberbes e empolgados samangos de pré, haviam sempre “hipócritas” de todos os tamanhos “rondando ao redor”. Muito além deles, os “donos do mundo”, encarnadas em sociedades secretas, os organismos multinacionais conspiratórios, as frentes interplanetárias de dominação terrena, a conspiração dos organismos biológicos invasores de corpos e usurpadores da vontade alheia. 

A idade dos “assustados” foi também a era da desconfiança. Penso que, diferente de gerações anteriores, naquela época as ficções científicas, marcadas pelo traço da distopia, se materializaram em imagens de cinema. A ideia e, em muitos casos, a materialização do poder em atos tomados à revelia da opinião pública através do poder de Estado e de corporações foi marcante. 

A frustração com a promessa de “desenvolvimento e progresso” das cidades, indivíduos e populações inteiras também alimentou essa “impressão”. Efetivamente, quanto mais inferiorizado na pirâmide social, mais impactado e totalmente alienado desses processos de poder. Usei a palavra “descolado” no início do texto para indicar uma classe específica de gente: uma que, se não é capaz de fazer uma análise cientificamente elaborada da dinâmica social, sente as antenas tremerem toda vez que a terra geme.   

Particularmente, a ideia de que o mundo teria “donos” manipuladores, sempre dispostos a manietar os cordéis de nós, os marionetes, assim como organismos parasitas de toda ordem prontos a se alimentar da seiva quente direto da jugular sobreviveu. Sobreviveu e, ao longo da jornada, passou a ser identificável, seja pelo abuso do poder psico-atordoante das religiões, por exemplo, ou pelo flagrante desrespeito diário das corporações aos direitos humanos.

 A materialidade dessas impressões esotéricas se fez sentir principalmente pela observação da Mídia, numa leitura livre do conhecimento produzido pelas Ciências da Comunicação. Parece sempre que a mídia concentrava todo o poder dos “donos do mundo”, sendo uma espécie de porta-voz, assessora e, sobretudo, artífice do discurso dos poderosos invisíveis. 

Nesse contexto, as atuais redes sociais, cujos CEO’s não escondem a cara, nem se furtam de apregoar suas “ideologias” para audiência mundial, a ideia de que o mundo tem donos, ou aspirantes sedentos ao posto, se consolida. Os “donos do mundo”, malgrado anunciarem a modernização com suas inovações tecnológicas, sempre que podem atuam para limitar as “transformações sociais” ou retroagir até o status que conceda “segurança” perene a seus empreendimentos. 

Assim, a atração deles por governos de viés autoritário é natural e recorrente. Como qualquer matéria parasitária que se preze, os “ambientes úmidos, de pouca luz e com matéria orgânica em decomposição” são ideais para sua proliferação. Se esse ambiente permite, então, dominar mentes pelo exercício farto da omissão de fatos e controle pela força ou pela sugestão psicológica, então…

Controle social” significa ganho, sendo assim um recurso largamente utilizável. Os “donos do mundo” têm ciência plena disso. A desinformação, a pavimentação de estradas para o exercício da mentira, das versões parciais ou equivocadas e outras artimanhas fazem parte do pacote. Cabe aos “descolados”, os desconfiados militantes de sempre, como antenas da raça, manterem-se captando cada onda reaça que ameace, ao menos no nível comportamental, o Homem. 


por Edson de França   

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terça-feira, 14 de janeiro de 2025

Como se explica o dinheiro?

 

F
aça essa pergunta a um dono de “fiteiro” e ele lhe dará uma resposta espontaneamente técnica. O parco dinheiro que ele vê e que efetivamente chega em suas mãos, é fruto das horas gastas na manutenção do seu negócio. Minutos dedicados à vigília paciente de espera pelos raros clientes, às compras para manutenção de seu estoque e ao planejamento global para sobrevivência nos dias seguintes. 

Se ele responder “vem do meu suor”, resumiu tudo. Se disser que ele “vem das mãos de gente que, assim como eu, luta de sol a sol para ganhar um mínimo com que atravessar os dias”, deu uma aula de compreensão do estado sócio-econômico da pobre, ou da construção de toda a “riqueza” que há em sua pobreza. Ou mais: da mecânica de circulação do dinheiro nos setores populares. Uma economia gigantesca, porém pulverizada em migalhas.

Quem nasce de baixo, com algum grau de consciência, sabe essas lições de cor. Porque é da vida de pobre ter uma ciência material, empírica, imediata da circulação de seus centavos. Não vai mais fundo - com maiores detalhes, exemplos e explicação científica - porque as fronteiras do mundo do pobre são estreitas. 

A resposta sempre parecerá árida, seca, sem subterfúgios ou romantismo, espantosamente real, pé no chão. Valores como força, coragem, persistência, inteligência, sagacidade e disciplina passam ao largo da resposta num primeiro instante. A dureza da realidade se impõe. A simplicidade, ao rés do chão, explica demais.

Faça a mesma pergunta a um mega empresário, um componente da elite ou a um herdeiro e garanto que não obterás uma resposta tecnicamente satisfatória. Deus, sorte, capacidade individual, mérito ou qualquer outra subjetividade qualquer certamente nortearão a resposta. 

São todas elas recorrências contumazes para quem não sabe, precisa ou se interessa a saber sobre como o dinheiro se materializa e se transmuta em bens, conforto e lazeres. Mesmo que seja raro, se alguém responder que “vem do meu trabalho”, certamente não conhece nada da escassez e da incerteza. Sabe, sim, que seu “esforço” se consolidará em números na conta bancária. 

Nem ao menos há de reconhecer a contribuição daqueles que consomem seus produtos ou a importância daqueles auxiliares que produzem ou revendem. Porque toda cadeia que envolve anônimos, quase sub ou não humanos, sempre há de parecer fruto da magia, imaterial.

Faça essa mesma pergunta a um herdeiro citado na lista da Forbes ou a um dos “sem futuro” da coroa britânica. Poucos dessa estirpe irão realmente ter idéia de onde vem o dinheiro que mantém seus luxos. Uma declaração pública e esclarecedora nesse sentido - com todos os S e R’s nos locais exatos -  equivaleria a uma confissão de crimes, uma crise de loucura e, pior, seriam crucificados como “comunistas” ou “socialistas”. 


por Edson de França

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