sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

A sujeição do comentarista


Os comentaristas em geral, geralmente denominados de críticos ou analistas, vivem na corda bamba, ou melhor, no limiar do equívoco e da contradição. A régua que utilizam para embasar seus comentários é torta e viciada. Um sistema métrico baseado em sua própria “altura” e interesses imediatos. Suas crenças, ideologia e status circunstancial exaram no produto final de seus escritos.

Analistas de artes e sociedade em geral e, sobretudo, comentadores políticos padecem desse mal. Uma matéria chamada isenção é o ingrediente mais raro de entrar em suas receitas diárias. O irônico é que se vendem como esclarecedores de bastidores para a opinião pública. 

Talvez por mexer com dimensões práticas da vida em sociedade e instituições, que incluem camadas sobre camadas de interesses, o comentário político sempre será “político”. Assim sendo embute o “medo” genuíno por parte do articulista em pôr em risco seu status pessoal, notadamente do ponto de vista financeiro. 

Nem todos, claro, seguem a orientação e o posicionamento  editorial  da empresa  em que atuam, os independentes, mas, grosso modo, sofrem pressão para se curvar às forças internas e externas que justificam seu ofício. A circunstancialidade determina 

Com isso, diga-se sem medo, que mais que cobrir ou analisar, o “jornalismo opinativo” da política - ao lado do noticioso editado ao gosto do empregador -  ajuda a erguer, estabilizar ou derrubar sistemas locais de poder. Quanto mais provinciana for a produção,  mais imperativa essa tendência. 

Antes e durante o ato solene de produzir suas resenhas, o comentarista aplica sua régua, medindo o impacto e a repercussão de seu escrito. Nesse exercício, a omissão, o exagero, a inversão, a formulação ou a desintegração  de versões são recursos comuns largamente utilizados. Até a coerência é momentânea. A função é por pêlos na face imberbe, nua, da notícia.  Macular a versão mais verdadeira que, afinal, por objetiva demais, costuma não ter graça alguma. 

A sujeição dos comentaristas explica-se, então, pela imposição do “momento”. O comentarista lê e se inspira mais no ambiente capaz de afetar seus interesses imediatos que no conjunto objetivo da obra. Não é difícil flagrar as contradições dos comentaristas ao longo de suas carreiras. Infelizmente, em algum ponto o fazer profissional dos comentadores se confunde com a do político profissional, este último escolado em “jogos de versões” e posicionamentos oportunistas.  


por Edson de França 

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terça-feira, 7 de janeiro de 2025

Arrisca o povo votar para presidente em

Gusttavo Lima. Com o apelido de Embaixador, o moço é bem capaz de ser bem votado em um pleito presidencial e abiscoitar o cargo. O brasileiro mediano curte ser seduzido pelo bizarro. Conheço gente que de última hora considerou como sinal divino um santinho de artista popular achado na calçada no dia da eleição. Não pensou duas vezes, tascou o voto no iluminado. Não creio ter desperdiçado o voto, cumpriu com louvor seu dever para com a democracia.  

Registre-se, porém, que essa “atormentada alma” sufragou o indigitado sem ouvir uma única proposta. Essa, por mais  irônica que pareça, é nossa atitude mais recorrente. A outra é, depois de ver a “coisa preta”, o gastador de votos passa a medir todos políticos pela régua da mediocridade. Mais um passo e ei-lo a deitar falação em grupos informais, sem influência alguma, sobre os destinos de sua aldeia. Quando não, a ocupar espaços públicos - transportes públicos são ótimos palanques para esses deserdados - com lamúrias e discursos chatos e apocalípticos. 

Depois dessas constatações,  imagine-se um ídolo nacional da envergadura do embaixador - do qual particularmente não conheço os sucessos e a grandiosidade dos shows que atraem multidões de varões e moçoilas xonados na celebridade. Até porque teve multidão, tô fora - sendo candidato para uma plateia acrítica. 

O brasileiro é um ser ciente que vota às pampas em gente que se traveste, para efeito político, da função que ocupou um dia. Cabo Tenório, o “maior inspetor de quarteirão” da música de Jackson do Pandeiro, estaria bem na fita depois que “Balançou a mão, deu murro e bufete/ Tomou canivete, peixeira e facão e “os brabo correram”. Estaria eleito e, com certeza, abrindo as valas do seu partido para “Mata Sete” e outros desavizinhados. G.L e Deolane estariam lá com certeza. 

 

por Edson de França 

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segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

As primeiras do ano

 

 Consigo escrever um texto de final de ano sob a ótica das expectativas. O que pode render continuidades exitosas e aquilo que pode redundar em maçantes e incômodas extensões tóxicas. Em qualquer caso, no centro das acontecências, sempre estará o homem, suas idiossincrasias, suas “orelhas de asno”, sua prepotência, seus descuidos, imprudências e coisas e tal. 

O primeiro dos dias do novo ano, chamado de Confraternização Universal ou Mundial da Paz, é dia de ressaca. Em alguns casos de prolongamento do porre. O dia anterior, entre preparativos e expectativas para a hora da passagem, é um momento de alegria “regada etilicamente” às fartas. Nessas horas, infelizmente, é comum as ocorrências de trânsito. 

As motocicletas, veículos imprescindíveis aos deslocamentos das faixas C’s, D’s e E’s da população, que ano utilizam como hobby ou lazer, abriram, como em outros anos, o fatídico calendário de sinistros. Jovens, com a ousadia que lhes é de direito, costumam ser os principais atores dessa tragédia nacional. Se alguém chega a pensar realmente neste país e na preservação da vida, eis aí uma pauta importante para ser repercutida e figurar ao lado das políticas públicas de base.

Quem pensa em militar na política por causas ridículas como a pauta de costumes, a sexualidade alheia ou a defesa dos ícones maléficos da ditadura, caso os dois neurônios funcionassem e fossem realmente patriotas, abraçariam questões de base como essa. Garanto que, mesmo andando a direita do espectro, granjeariam apoios bem mais sólidos e menos dementes.  

Mas, falando nisso, também começamos o ano sob o signo das “polaridades” improdutivas e da agressividade sem noção. Começamos esse texto pondo o homem e sua idiotia congênita no centro dos acontecimentos e a primeira notícia que lemos neste Dia Mundial da Paz nos diz algo sobre isso. A notícia dava conta da investigação aberta pela Corregedoria da Polícia Cívil de São Paulo sobre o caso da agressão de um policial civil contra a jornalista Natuza Nery. 

Enfim, mais um caso de cidadão “irado” com a situação do país e agente de Estado equivocado que resolve “protestar” com ameaças físicas. Afora a cega paixão política, o infeliz cidadão ainda ostenta a condição de agente de Estado, daqueles crentes de que uma ditadura os poriam em posição privilegiada no cenário nacional. 

Sei que dificilmente irá rolar uma punição severa para o biltre. No máximo, uma suspensão temporária de suas atividades, até que a poeira baixe e ele possa voltar a exercer sua prepotência nas filas de supermercado. Se o indivíduo ameaça um profissional de imprensa, numa abordagem troglodita em que pergunta pelo nome, peita, culpa-a pela “situação” do país e resolve afirmar que pessoas assim como ela deveriam ser aniquiladas, imagine o que faz, no exercício de seu dever, com um cidadão “comum”, 

Em princípio não identifico pistas de sanidade psicológica para o exercício da atividade que ele escolher para exercer. No mínimo, este nobre cidadão se escudou e utilizou o “poder” do cargo que ocupa para entramelar suas ameaças à profissional em questão. Sente-se empoderado. Para mim, ele representa perigo para a força que representa e a população para qual trabalha. Não vou dizer que é um mal elemento, apenas um fruto podre, carcomido e sem noção.  

Agressões gratuitas a profissionais de imprensa, desferidas por Agentes de Estado imbuídos de poderes e armas, são caso de se pensar que instituições e cidadãos com distintivo andamos produzindo - e empoderando - por aí. E olhe que todos eles são submetidos aos testes de sanidade mental. Talvez esteja faltando o exame anti-fanatismo, moral, ético, de civilidade e outros tantinhos. 


por Edson de França 


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terça-feira, 31 de dezembro de 2024

E 2024 se despede

2024 se despede. A retrospectiva - aquele expediente jornalístico que serve para rememorar os dramas e comédias do ano que passou - há de nos contar um mínimo do que se foi. Baseando-se sempre, óbvio, no que a imprensa veiculou ou se esmerou em dar destaque, segundo seus particularíssimos filtros e lentes. 

A vida é bem maior do que nos conta os jornais, e a imensa parte dela jamais vira notícia de jornal. O que seduz a mídia é, por assim dizer, uma mínima parte, uma pontinha minúscula do iceberg. A mídia explora os detalhes sórdidos, aqueles que digerimos numa conversa informal ou, fraternalmente, tentamos evitar.

A dinâmica social é muito superior ao que capta os nossos sentidos hiper teleguiados da dinâmica moderna. Nossa pele exposta nos perrengues da vida capta mais dos processos da existência do que é capaz de dizer nos jornais. A imprensa pontua, em sua retrô, aquilo que foi episódico e o que potencialmente garante cenas de próximos capítulos. Aquilo, melhor dizendo, que foi digno de nota, anotação ou escândalo.

Nesse campo, geralmente, as arenas mais propícias à geração de próximas cenas são a política e a ciência & tecnologia. O resto, as redes sociais já se encarregam de propagar o escolho que vira notícia e é matéria propensa a descer esgoto abaixo.

Ambas - a C&T e a política - são nichos da atividade humana que podem inspirar estabilidade, serenidade e boas novas, num primeiro instante. Contrariamente, podem se travestir em façanhas que redundam desconfianças coletivas, caos social, sob bafejos dos anacronismos, reacionarismos e ideologias nefastas.

No campo da C & T o ano vai deixar as descobertas, para o bem ou para o mal, dos usos da inteligência artificial. A preocupação da Justiça Eleitoral durante o último pleito com a prática é sinalizador do hecatombe que elas podem causar. A “pessoa comum e a pessoa” rara precisa estar atenta a seus destinos. Mas não para por aí.

Hora pra outra foi possível ouvir poemas musicados por arranjo e voz da Artificial Inteligence, a IA. Eu, por exemplo, que não aprendi a harmonizar meus desafinados, me senti compositor. No ano que vem a peleja continua. Segue o bonde.

Por outro lado, o desenvolvimento automobilístico é quase coisa antiga. A expectativa é quanto ao aperfeiçoamento das máquinas da Tesla e Elon Musk nas rédeas do Departamento de Eficiência Governamental do Tio Sam. Trazendo inovações, por exemplo, na extinção do combate à mentira nas redes sociais. 

Outra das promessas de continuidade polêmica para o próximo ano, com perspectivas de aprofundamento é “brain rot”. Essa foi a palavra do ano, saída diretamente das especulações dos analistas dos caminhos da relação Homem x Redes Sociais. A perspectiva de continuarmos emburrecendo, ou melhor dizendo, apodrecendo os neurônios é magnífica. 

Reza a lenda que andam testando vacina contra o câncer e outra que garante o nascimento de dentes. Cenas dos próximas quadras desse poema infindo. 

O mundo infelizmente continuará sob guerras e anacronismos. Cães raivosos por toda parte querendo reescrever a história. Putins, Netanyahus, Zelenkis, Mileis, Maduros e Bashar Óleo Salada ainda andarão por aí  

No plano piloto nacional, aguarda-se a posse de novos dirigentes municipais e parlamentares mirins. Expectativas limitadas a a granel por toda a parte. Na arena dos cachorros grandes, o Congresso continuará em briga pelas emendas do orçamento secreto, herança de um zumbi escroto que ocupou a presidência dias atrás, o terrorismo da mídia e da Faria Lima quanto aos rumos da economia, a peleja pelo uso ou não dá câmera nos uniformes dos “civis, gentis, carinhosos e aficionados pela transparencia” agentes de nossas polícias. 

O ano em que “Que show da Xuxa é esse?” virou meme, aconteceu um revival dos anos 80. Essa moda que nunca acaba - relembrar aureos tempos passados, com toques de nostalgia -, é sinal de que quem nasceu por lá, ou atravessou a era, chega a zona das rememórias: passou dos quarenta com louvor. 

Por fim, por mais um ano, a maior enrolação do mundo foi a tal da internet pública. Se alguém conseguiu acessar a Internet em um evento, ponto de ônibus ou “geladinho” do transporte público mande notícias. Nos vemos em 2025.


por Edson de França 

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sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

De foda-se ligado

 

Penso que uma ótima limpeza nas redes sociais começaria com um dê-se à "César ao que é de César", em outras palavras, ser radical e sanguinário para com os limitados e impostores, valorizando estritamente só aquele, aquela ou aquilo que o mereça realmente. 

Em miúdos, acatar só o que deixe um mínimo traço positivo para nosso consumo, deleite, up grade de conhecimento ou orientação sadia. Que não signifique tão somente uma mera, fatal e suicida perda de tempo.

Primeiramente, afirmo sem medo, porque a grande maioria da fauna da rede é composta por esnobes e prepotentes limitadíssimos em prosa, em verbo e em poesia de existência. Portanto, não devo seguir quem se promove ao extremo, sem me entregar o que ousa prometer. 

Por outro lado, os aleatórios, todos nós que exercemos a “cidadania” por meio da Internet, devemos ser olhados com suspeição. Fora nossos próximos de convívio e tete-a-tete, a quem sempre podemos encarar, aqueles outros sem berço, terço, glórias mínimas a contar, versões ou explicações críveis devem ser sumariamente ignorados.

Se a lição queridinha é "ligar o foda-se". Fodam todos. 

Em tempo. Acho que o espaço é livre e aberto à participação. Advogo que todos, indiscriminadamente, devem estar plugados. Mas consciência e coerência, infelizmente, não nasceu pra qualquer um. Os amostradinhos e sem noção, como em qualquer outra façanha, tentam ocupar a cena e encher o saco. Chatos só se entendem com pentelhos. Portanto. Desembarquem da minha genitália. 

Escrevo crônicas - assim como as escreveram Rubem Braga, Rachel de Queirós, Paulo Mendes Campos, Walter Galvão, Vinícius de Morais, Antônio Maria, Machado de Assis, Carlos Drumond de Andrade, Clarice Lispector, Bráulio Tavares, João do Rio, Nelson Rodrigues, Nathanael Alves, Fernando Sabino. 

Assim como ainda escrevem Gonzaga Rodrigues e Bráulio Tavares e tantos outros mais. Não me comparo, contudo, escrevo sem a mesma maestria, gênio, fôlego ou inspiração. 

Penitencio-me pela absoluta falta de talento. Só escrevo. O que não me serve para desfilar junto a esse batalhão. Junto a eles, nem ousar ostentar a farda de recruta. Muito menos ostentar alguma medalha por um ou outro sucesso extemporâneo.

Compus um parágrafo remetendo aos grandes da crônica nacional para dizer, em forma de conclusão: se qualquer um deles tivesse um blog, taquí um cronista/leitor que os seguiria. Sabe porque? Porque gosto do gênero, primeiramente. Segundo, pela altura de suas vozes, pelo alcance de seus pensamentos, pela genialidade de sua escrita, pela intromissão poética nas tranças aleatórias do cotidiano. Coisa, essa última, totalmente em desuso nestes tempos de cronistas vazios. 

Atravessamos um deserto de sequidão de ideias aproveitáveis e profusão de pensamentos e línguas aligeiradas. Todos detém o “lugar de fala” como numa feira livre, mas o produto apregoado não detém qualificativos para um consumo apreciável. Vivemos, isto sim, uma era de ocasionais tiktokers, cujo shape físico ou movimento involuntário da mente são mais que suficientes para startar likes. O que não é suficiente é o peso das ideias proferidas. O hábito de consumir esse mix de “mitagens”, nos acompanha desde longe.  

Aprendemos, desde os anos 70, a valorizar nulidades. Penso que os EUA começaram bem antes de nós com a “pedagogia aplicada” patrocinada pela TV. A massividade promovida pela inserção da telinha no cotidiano, facultou a construção de “mitos”. Mitos da novela, atores “exclusivamente” talhados para a TV, jornalistas queridinhos e super-stars da música ligeira: cardápio que fomos obrigados a engolir na fonte e consumi-los por meio de todas as mídias complementares. 

Claro que neste cenário haveria de surgir alguns “influencers do absurdo”, todos acometidos da “Síndrome do Idiota Confiante”. Sistematizada em 1999, a síndrome explicaria o comportamento de “pessoas que ignoram a própria ignorância e se sentem extremamente confiantes sobre si mesmas, ainda que sem motivos reais para isso carecem de autocrítica incapacidade de conhecer suas incompetências e incapacidade de reconhecer a competência de outras pessoas”.

Seu modus costuma intentar “invalidar seu interlocutor seja por meio de deboche, ofensas ou por respostas tão absurdas que "mitam. Quanto maior a falta de conhecimento, maior será a demonstração de confiança”.

São falsos profetas: sabem professar, mas não têm a mínima ideia sobre o que estão falando. Lamentavelmente, esses idiotas confiantes vem se proliferando de forma endêmica nas redes sociais: é o palco perfeito para ganhar um público incauto e acrítico que acaba acreditando no subgênero de conhecimento – público este que, antes das redes sociais, ficava restrito a meia dúzia de desavisados.


por Edson de França 



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Mentes “espertas”, escritores fantasmas

 

Engana-se quem pensa que a inteligência artificial é coisa recente. O que temos atualmente, como ideia de inteligência remota, é só um modelo mais aperfeiçoado, tecnologicamente avançado, robótico, virtual de um velho mecanismo. Modelo de “descanso da mente” e exploração de talentos invisíveis. Talentos até nomeáveis, mas funcionais, anônimos, sem rosto e sem alma.

O modelo de sistema preexistente, era muito mais rústico, envolvia corpos e sobretudo mentes. Mais uma vez, até nomeáveis, mas de preferência funcionais, anônimas e silenciosas e fustigadas remotamente. Não quero sair por aí acusando a toa, mas penso que boa parte da produção de autores, entre consagrados e meias-bocas, deve-se à “exploração” desse expediente da engenharia produtiva de construção de obras.

Lembro-me que uma das críticas mais contundentes ao “Xangô de Baker Street”, best seller do inesquecível multi-artista Jô Soares (1938 - 2022), era ser ele fruto direto do trabalho de uma falange de ghostwriters. Penso que a crítica, cujo um dos papéis é encorajar a leitura, contribuiu em muito para restrições à obra por parte dos leitores mais exigentes. Serviu, inclusive, para criar ilhas de suspeição à unânime aceitação do humorista.

Não encontro, no momento, qualquer outra acusação de “conspiração dos escritores fantasmas” de tal monta. Se as houvesse em profusão, seria movimento capaz de derrubar dos andores uma porrada de “laureados empreendedores” das artes literárias. De roldão, iriam autores autobiográficos, grandes personalidades, todos sendo expostos em suas “limitações” relativas à “escassez de tempo, inabilidade com as letras ou falta de paciência”.  

Ao contrário do que possa parecer “ghostwriter”, o escritor fantasma, é uma profissão reconhecida. Muitos se dão bem nela, sendo regiamente pagos pelas páginas, assim como pelo silêncio e, sobretudo, imprescindível anonimato e confidencialidade, que fazem parte do arranjo. O problema é que além das margens dessa formalidade cavalheira, há uma série de projetos sendo gestados à base dos trabalhos anônimos que, em certos casos, nem sabem para o que estão contribuindo. 

Na produção musical do passado, boa parte das contribuições artísticas, destacando-se as partidas de músicos e produtores, eram adequadamente nomeadas. Hoje, nem tanto. Até o nome dos autores é omitido. Ao contrário do cinema, por exemplo, onde a mínima participação merece um lugarzinho nos créditos, a produção artística não quer se notabilizar como rede e, sim, como uma façanha genial de um único nome.

Produtos como o jornalismo, por exemplo, são resultantes das redes de informação que, por sua vez, são baseadas em contribuições anônimas em prol de uma, também anônima, apresentação final. Pouca coisa no jornalismo ganha uma rubrica pessoal. Jornalismo não é literatura, se a entendermos enquanto trabalho com a “realidade” por meio do concurso de “redatores” especialmente qualificados para o feito.

Obras literárias de fôlego devem ser atribuídas ao gênio inventivo e laborioso de um artista. Não há dúvidas e questionamentos sobre esse ponto. As leio. Obras menores - sobretudo de cunho auto-elogiatório - guardo meus receios. Não há dúvida que para faze-los vir a luz, é necessário o concurso de várias mãos (ou mentes). Funcionais, anônimas, virtuais, remotas, mau pagas ou exploradas em seu voluntariado tácito. Dinheiro público, inclusive, muitas vezes financia diretamente esses arroubos geniais. Difícil é alguém se dispor a ler os capítulos da obra Frankenstein resultante. 


por Edson de França 


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Apreciações depreciativas in loco

  


Geralmente guardo boas lembranças dos lugares por que passei. Se os motivos para tal não se mostram tacitamente, tento construí-los. Viver é precioso e breve, conhecer lugares é enriquecedor. Como cantaria Ze Ramalho, antes de lavar as “pepitas de fogo”, na maleta leva-se as “figuras do mundo”. Lugares, mesmo os mais feinhos, preservam sítios, energia e ternas emoções humanas. Aliás, só estas últimas que podem desestabilizar um projeto de construção de boas e mais permanentes memórias afetivas. Só energias bem negativas podem manchar uma experiência imersiva nos ambientes. 

 Também, por não militar na crítica especializada em indicações turísticas, não me afino com o ato de produzir comentários para consumo massivo. Procuro restringir meus comentários ao minúsculo grupo de “pareceiros”. Sem poesia ou ingênua indignação nem crônicas eu dou ao deleite de produzir. Já fui a lugares maravilhosos e terríveis, em companhias de caráter variados, mas procurei sempre transcender e as avaliações aleatórias jamais foram muito longe do raio de ação de minha trupe.

Falando nisso, nunca fui a Coxixola. Acredito porém que ela deva se parecer com outras tantas cidades desses rincões anordestinados. Pequenas, humildes, de paisagens bucólicas e famélicas, sem muitos traços do “desenvolvimento” das metrópoles desengonçadas em meio a letreiros, cheiro de gasolina e arranha-céus da intolerância. Lugares aqueles aliás cuja paisagem e modos de vida emprestaram o sal e o suor para a inspiração de poetas e músicos que moldaram o gênero forró. Sei, graças ao grande irmão Google, que o município situa-se no Sertão do Cariri Ocidental, ostenta a posição 3 entre as menores cidades do estado e exibe orgulhosa o título de “pequena notável”. 


Irônico, um ser pertencente a uma banda “presumivelmente forrozeira” ir à rede (anti)social criticar o cenário encontrado naquele sítio. Fez, como é comum hoje em dia, mal uso do recurso, assim como faz dos palcos em que pisa. Desagradou ao paladar do moço que anda a angariar fama e recursos das prefeituras de lugares em situação similar. Se bem que o forró estilizado da banda não tem nada a ver com esses lugares. É urbanizado, limitado e enganoso estéticamente, feito um neon de casa de recurso periférica. 

Comentários depreciativos do tipo, se consumidos em pequenos círculos, tem vida curta: são engendrados, se materializam e saem de cena sem gerar lembranças ou causar maiores danos. No máximo alguns risinhos, entre aderentes e reprovativos dos circunstantes. Para uma platéia indistinta e ávida por “preciosidades ridículas”, ela serve como gracejo em grande escala, cliques, afagos no ego e mais alguns followers. Mas, por pela dimensão da publicidade, pode acabar mobilizando o tribunal da rede, sob a acusação de exposição pública, xenofobia, intolerância, racismo e outras indelicadezas e delitos mais. Para grandes façanhas, enormes reprovações. 

Nesses casos resta aos envolvidos virem a público pedir desculpas. O fato porém é que o vídeo do “mau feito” repercute bem mais que as “mal explicadas”. O fato em si passa a ser réplicas, ganhando características quase indeléveis. A desculpa, não. Será vista como um ato de fraqueza e relegada ao patamar das poucas visualizações. Alguns muitos nem se darão ao trabalho de ver, enquanto a simples menção do tal vídeo provocador numa conversa dispensa a visualização e ganha uma repercussão imparável. 

Há gente que foi a Paris e não viu nem curtiu a tal “cidade luz”. Alguns foram a Veneza e só trouxeram nas retinas a sujeira dos canais e, provavelmente, o cheiro. Muitos passarão por Coxixola e lembrarão para sempre da placa de “Coxixola existe. É aqui.” Comentários a respeito de ratos de esgoto nas ruas da capital francesa não diminuíram o mito ou os atrativos dela. Veneza, nem sendo engolida pelo mar, deixará de exalar o ar romântico que a notabilizou. Quanto a Coxixola, a pobre, continuará vivendo sua rotina, despertando interesses simplistas e passando ao largo do comentário que diz mais do erro de cálculo e apreciação da pessoa que o proferiu que daquele núcleo morada de orgulhosos munícipes. 


por Edson de França 


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