terça-feira, 10 de novembro de 2009

Quintal no ar

Meu quintal é uma alusão periférica
Casas pálidas, amarelidão,
escombros, beira de linha,
O Campo do Rato, o queijo,
o crack

E um belo horizonte,
longe, longe, longe.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Glória Cigana (poema revisitado)

Estrelas não caem do céu.
Elas brotam do chão, vez em quando,
como flores.
São únicas, inimitáveis,
raras tão somente.

Solitárias.

A terra as retém e é-lhes estéril,
suga-lhe o sumo e o viço da entrega.

Pela perenidade de apego,
de compreensão, de seiva humana,
a hostilidade campeia ao seu redor.


Frágeis,
da natureza das flores,
em pedra sobre pedra,
apedrejando-se qual masoquistas,
artifices da inglória arte do conviver.

Caem, decerto,
mas se revigoram
e brilham sob o olhar de toda a gente.

Como místicos vagalumes, andaluzes,
ciganos da noite e do dia,
sobrevivem para o espanto geral.

Quando se vão
o amálgama luminar
de beleza e vida e cor e voz
que as definiu
mora no éter,
eternizando-as.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Tema do amor vivido

um amor chão e terra
ímpar como uma foto três por quatro
tese minha,
toda a simplicidade chique da erva daninha.

deixai o amor de céu e sonho aos poetas
(aqueles que não vivem)
nessa utopia,
nosso céu é o dia a dia.

Impulso/1997

A imargem do rio

Nos chãos onde pisou meu pai
Piso eu, agora,



Meu pai foge para a margem do rio
para pilotar jangadas frágeis.

De seu,
o sorriso menino, brincalhão,
os teréns de uma vida inteira,
a gagueira interminável
difícil de dizer "alô"
que não diz: se vai.

Nos chãos onde pisou meu pai
pisei eu, agora,



os passos estão lá,
estão aqui onde piso
e pisa meu pai comigo, consigo.

Impulso/1997

Não, não olhai apenas o campo - Dia de Bingo (poema revisitado)

dias de terra e poeira
vermelha como o sangue vertido
mulheres sãs em modelitos de antanho
jovens, new look, vitrine viva
de um tempo particular

procissão de bicicletas
num culto a velocidade e ao ruminar dos dias.

olhai, amigo,
olhai não apenas o campo desnudo
com suas distâncias a perder de vista
seus longuíssimos horizontes
parecendo desabitados.

olhai a liga humana que o compõe
que se esconde em suas dobras, caminhos,
curvas, verde ralo, mata espessa e cinza,
casebres malanjambrados e esconchos.

olhai,
olhai o vigor, a força, a beleza
e a esperança e o contentamento
dessas gentes, amigo,
também a se perder de vista.

Impulso/1997

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Sintonias Afoitas

Se tiver de vir
que venha de manso
mas com o dom da loucura
só pra fazer feliz
esses dois coraçoes
em sintonias afoitas.

que a partir de agora
tudo seja sério
palavras e gestos
que aquilo que toque
seja mais que sonho
seja só descobrir:

a saber que o amor
é bem mais que o som
de letrinhas gentis
contar quantas palavras
cabem no meio
da espressão solidão

que a saudade que mata
tortura, maltrata
ou até faz chorar
é bem mais que o tom
dolorido do ser
que se encontra sozinho.

P.S. Um pouco de música para uma terça-feira quente e uma ousadia (afoita) do compositor (meio frustrado, é certo) em mim!

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Apresentação - IMPULSO

Os poemas publicados recentemente sob a rubrica de Impulso fazem parte de uma exposição realizada por mim, na Biblioteca Central da UFPB, em 1997. Foram incluídos na Exposição, cerca de 25 poemas que compunham um esboço de um livro, a ser lançado sob esse título. O livro não saiu, mas os poemas continuaram ao meu redor como crias pedindo visibilidade. Aproveito, oportunamente, o espaço do blog para dar-lhes um pouco de presença, como um pai que não negligencia suas crias, sobretudo, quando elas continuam soprando diuturnamente alguma coisa ao ouvido, pedindo revisitação, ressignificações, ajustes. Abaixo, reproduzo a Apresentação da exposição, cujas idéias expostas, de certa forma, ainda mobilizam o impulso poético do poeta encarnado em mim.

XXXX

Em vários poemas escritos durante a trajetória de zil poetas, a temática gira em torno do ato de escrever poesia (o que faz algumas pessoas serem poetas) ou sobre os elementos que inspiram os poetas (O que os move ou "comove"). Essa é uma temática eterna: Porque escrevemos? O que nos move? Uma resposta definitiva, provavelmente é impossível. Talvez o que nos mova seja a possibilidade de contactar o outro, numa linguagem específica, em um território neutro, onde cada um (sejam poetas da palavra, do traço, dos atos ou da vida, os que não emitem som algum ou aqueles multissonantes ou, simplesmente, aquele que pára em frente a um mural para fruir um poema) tenta tão somente tocar o outro. Um toque sensual, profundo, humano. A poesia não deve ser apenas um exercício interno, íntimo, apesar de ser, em muito fruto de uma atividade solitária. Um olhar que vagueia. Solitário. Uma observação mais acurada sobre a vida que se descortina nas ruas ou nos recônditos complexos de um outro ser. O IMPULSO primeiro, aquele que move o ser em direção ao objeto desejado ou a qualquer outro objetivo, de onde emana a resposta afirmativa e a repulsa descontrolada, cada qual por sua razão particular, é em parte o que explica a ação. IMPULSO é a ação do poeta na produção, no martelar dos erros, na malhação dos poemas, reelaborando-os, jogando muitos fora, não reconhecendo plenamente a paternidade de alguns, assumindo outros e reconhecendo, por fim, na linguagem de outros escribas, coisas que gostaria de ter dito. Essa é a ação poética, o exercício que não se esgota em alguns poemas, prolonga-se pela vida a fora, quando não se tem que, visceralmente, compor um único poema. Mas, mesmo nesses casos, a ação é válida. É, definitivamente, tudo uma questão de IMPULSO.

(Edson de França – Nov/1997)


p.s: em alguns poemas publicados note-se a expressão “poema revisitado”. Trata-se de uma certa intromissão do autor em poemas há muito escritos.