domingo, 14 de março de 2021

Enquanto sobem os créditos finais

 



por Edson de França
*

“E foram felizes para sempre...”. Com essa frase todo conto de fadas se acaba, deixando no leitor nenhum gostinho de “quero mais”. Ela é definitiva, fria, pétrea. Trata-se de um artificio, utilizado por autores de antanho, para aquietar a turbulência de espirito que o leitor experimenta durante o desenrolar das desventuras das personagens na narrativa das estórias.

Encerrou-se e pronto. Não há dia seguinte possível. Nenhum convite expresso à mente para imaginar um prosseguimento, um caco sequer, uma palavra além. Tá sacramentado, sanitizado, salubre, asséptico, glacêificado com massa de biscuit. Tudo está no seu devido lugar. Dá a impressão que, de repente, alguém meticulosamente compôs um instantâneo e fixou para sempre uma cena onde todos os elementos estão encaixados e apaziguados entre si e consigo mesmos.

Ah, se a vida tivesse a consistência dos contos de fadas!. Certamente brigaríamos muito mais pelos tais finais felizes. Seria uma grita geral pelo congelamento de instantes, situações formatadas idealmente que se reproduziriam ad eternum. Mas, como diria o poeta, “a vida não é filme!”. Precisa-se também entender, segundo outro poeta, que “o prá sempre, sempre acaba!”.

O THE END, final do relato ou da estória, pode vir a significar (ou sugerir) uma imensidão de possibilidades como cabe à própria vida que nos sobressalta. O que advirá no período pós The End? Pode bem significar uma sucessão de dias de gloria, conquista, amor e paz ulterior. Mas, também, pode ser aquele momento assombroso em que, os personagens vão sumindo em fade out, descaracterizando-se, enquanto os contra-regras vão desmanchando e reorganizando o cenário para o inicio da contação de contar uma outra estória.

O que sucede ao the end, aqueles territórios aonde a mente não pode ou se nega a ir, é, na realidade um roteiro ainda não escrito. Nenhuma especulação ou ansiedade responde a ele de pronto.

Li dia desses uma interessante narrativa sobre o desejo de anonimato que marcou a trajetória de Debra Winger (1955 - ). A atriz americana, famosa nos anos 80 por participações em filmes como O céu que nos protege (1990), A força do destino (1982), Cauboy do Asfalto (1980) e Laços de Ternura (1983), conviveu em pé de guerra com a indústria cinematográfica hollywoodiana, em virtude das exigências, da exposição forçada e da frivolidade dos roteiros.

Nesses últimos particularmente, dizia ela, a escassez de criatividade contribui para o investimento maciço em produções edulcoradas na medida certa para atuações bizarras e consumo por parte de um público pouco exigente. Limitantes, diríamos, para atores verdadeiros e campo fértil para proliferação de celebridades de magazine. Chamou-me particularmente atenção para o conteúdo das estórias, sobretudo quando se refere aos finais de narrativa.

Em suma, a atriz quer dizer que a vida – na essência e na dinâmica – não é composta de marcações teatrais, personalidades bem formatados e roteirizações de vida bem definidas. Ou seja, todo final tanto pode ser um final – seja feliz ou infeliz -, mas também pode ser a abertura de um outro mundo, uma nova estrada, uma nova maneira de pensar e encarar o mundo, um enigma enfim. “Gosto de finais enigmáticos. (...) Desenvolvi alergia aos finais fechados porque nos fazem sentir que a vida terá um clímax”, diz ela.

A vida tem clímax, sim, apenas no momento em que surge o the end na tela, o fim no romance de trocentas páginas, só. No momento em que começa a escalada dos créditos finais do filme. Mas, lembrando outro poeta da musica popular, “Os sonhos não terminam como um disco. Estrelas não se apagam ao tocar. O amor não é um filme, Jezebel!”. Na real, o enigmático é o que prospera com o nosso dom – não nato, diga-se - de descrer das permanências. O importante é apostar sempre no que pode vir a nos surpreender depois da palavra, da composição do quadro e dos créditos finais.

*Jornalista, cronista e poeta

Decifrando reticências


 

               


Abuso de reticências. Já abusei mais, mas deixei de usar do expediente ao conhecer a palavra reticente. Esta ultima que dizer exatamente “que ou quem age com reticência diante das situações; que ou aquele que hesita, que vacila”, tendo como sinônimos as palavras quieto, calado, fechado, reservado e indeciso. A reticência pode ser considerada como típico comportamento da pessoa que não tem nada a dizer, ou tem imprecisão sobre o assunto que trata.

            Em meio a minhas atividades como jornalista e professor as reticencias aparecem como um problema. Um hábito capaz, unicamente, de gerar interpretações nada elogiosas por parte do interlocutor imediato. Quase sempre apontando para a “falta de informações” ou “insegurança” do retor, do emitente das mensagens. Colocando numa imagem aproximada, o gigolô das reticencias se expressa numa linguagem próxima da telegráfica, naturalmente lacunar.

            Me referi acima ao ato de interpretar e essa pratica, para além dos pré-conceitos listados sobre o emitente de uma mensagem, nos põe, quando profissionalmente, no papel de decifradores de reticencias. Ou seja, tentamos adivinhar aquilo que a pessoa não disse ou não teve condições de elaborar. Quando se fala de informação objetiva não se deve recorrer a figuras ou recursos estilísticos. Reticencias fazem bela figura na construção poética, sugestão estilística para o devaneio do leitor.

            Decifrar reticencias é um exercício onde o escrevinhador tem, forçosamente, que recorrer ao arsenal da imaginação, dos conhecimentos prévios e dos malabarismos verbais para expressar a mínima ideia. O jornalismo, assim como outras atividades, detesta o vazio da pagina. Não se cria com lacunas. A motivação do mesmo é informar da forma mais completa possível. E isso exige um monte de palavras, de preferencia precisas e exatas.

            Trabalho de certa forma árido, digamos. Após o exercício de imaginação, o autor, notavelmente se dá por satisfeito. Criou em cima das parcas ideias fornecidas, das ausências de argumentos e de informações básicas. Hora de devolver o texto à fonte para os últimos ajustes. Aí vem a surpresa. A fonte não age tão laconicamente como na hora do contato inicial. Discorda do texto pronto e se sente, como nunca, no direito de refazer integralmente as ideias escandidas que foram motivadas pela sua insegurança, fechado, indecisões e reservas.

por Edson de França

segunda-feira, 20 de abril de 2020

BUSCA

Há de chegar o dia, a hora precisa
Em que direi te vi, te achei, 
De pronto comprei a idéia, 
persegui um ideal por vir…

Por vir razões, futuros,
Impossíveis mundos intuí
Mesmo assim persegui teus rastros
Alinhavei teu caminhar a mim

Teu olhar, distanciar
Teus dias, minha euforia
Pelo pouco que colhia

São flores, são pés
Dias de outono, teimosia
Do barco que ancoro a ti.

(Edson de França)

sexta-feira, 17 de abril de 2020

SOUL

Danço em tuas mãos, morada do desejo
Vejo-me criança, ancião
Varão, fêmea.

Danço em tuas mãos, tocante arpejo
Beijo a boca, pés, mãos
Sou razão das notas…

E dos dias.

Danço em tuas mãos,
Ouço o trovejo, o matraquear
Sinto o arquear, o fim.

Danço em tuas mãos, sobejo
Realejo do tocador 
De destinos…

Em instantes meus
Danço,perplexo,  em tuas mãos.
Sou a imensidão

Folha entregue aos carinhos do vento 
E do tempo.

(Edson de França)

quarta-feira, 15 de abril de 2020

Ela, tu, sei lá o nome

A mulher, a pele
Branca, luz
Pelo, inverno, estação
Abrupto encanto

Amo-te pelo que escondes 

pelo espelho que te olha
Selfie, espécie
De se ver e evocar

O lábio ativo
(Sugestivos vermelhos, lápis)
Cabelos cor de chocolate

Do olho exposto acolho
O que vê, o que esconde?
Sugestão subliminar

Deve-se ler, tocar

A pele
Essa névoa.
Enlaça-nos
Com teu sutil enlear.

Móbiles

Pássaros vegetais
Ânsia de ser vivo
O peixe, também vegetal
Ao alcance e a salvo do bico fatal.

Para nós é cena
Acrobacia de matéria morta
Aplicada a elementos visuais
Pássaros, linhas, peixes.

É drama. Trama.
Teatro vivo
Motivado pelo silêncio do vento
Que brinca e atiça os elementos.

(Bar de Gilmar, Bancários, 28/02/2019)

(Edson de França)


segunda-feira, 13 de abril de 2020

Poema náufrago

Não assisti, 
senti a falta bem depois
Ele já não era material
Vaga lembrança, era,
Na não vida das memórias digitais

Se senti
Se entristeci, digo-te:
só perde para a partida de meus irmãos
E de alguns dias afetados pela gripe

Sei dele integralmente restaurado,
Rindo
Em um lugar outro a que não posso ir.

O poema naufragou
Tragado pela rede.

Restaram-me os destroços,
lascas de breu, pingentes
que compunham a carcaça frágil
Que amei amar
Enquanto paria.