domingo, 14 de março de 2021

Decifrando reticências


 

               


Abuso de reticências. Já abusei mais, mas deixei de usar do expediente ao conhecer a palavra reticente. Esta ultima que dizer exatamente “que ou quem age com reticência diante das situações; que ou aquele que hesita, que vacila”, tendo como sinônimos as palavras quieto, calado, fechado, reservado e indeciso. A reticência pode ser considerada como típico comportamento da pessoa que não tem nada a dizer, ou tem imprecisão sobre o assunto que trata.

            Em meio a minhas atividades como jornalista e professor as reticencias aparecem como um problema. Um hábito capaz, unicamente, de gerar interpretações nada elogiosas por parte do interlocutor imediato. Quase sempre apontando para a “falta de informações” ou “insegurança” do retor, do emitente das mensagens. Colocando numa imagem aproximada, o gigolô das reticencias se expressa numa linguagem próxima da telegráfica, naturalmente lacunar.

            Me referi acima ao ato de interpretar e essa pratica, para além dos pré-conceitos listados sobre o emitente de uma mensagem, nos põe, quando profissionalmente, no papel de decifradores de reticencias. Ou seja, tentamos adivinhar aquilo que a pessoa não disse ou não teve condições de elaborar. Quando se fala de informação objetiva não se deve recorrer a figuras ou recursos estilísticos. Reticencias fazem bela figura na construção poética, sugestão estilística para o devaneio do leitor.

            Decifrar reticencias é um exercício onde o escrevinhador tem, forçosamente, que recorrer ao arsenal da imaginação, dos conhecimentos prévios e dos malabarismos verbais para expressar a mínima ideia. O jornalismo, assim como outras atividades, detesta o vazio da pagina. Não se cria com lacunas. A motivação do mesmo é informar da forma mais completa possível. E isso exige um monte de palavras, de preferencia precisas e exatas.

            Trabalho de certa forma árido, digamos. Após o exercício de imaginação, o autor, notavelmente se dá por satisfeito. Criou em cima das parcas ideias fornecidas, das ausências de argumentos e de informações básicas. Hora de devolver o texto à fonte para os últimos ajustes. Aí vem a surpresa. A fonte não age tão laconicamente como na hora do contato inicial. Discorda do texto pronto e se sente, como nunca, no direito de refazer integralmente as ideias escandidas que foram motivadas pela sua insegurança, fechado, indecisões e reservas.

por Edson de França

segunda-feira, 20 de abril de 2020

BUSCA

Há de chegar o dia, a hora precisa
Em que direi te vi, te achei, 
De pronto comprei a idéia, 
persegui um ideal por vir…

Por vir razões, futuros,
Impossíveis mundos intuí
Mesmo assim persegui teus rastros
Alinhavei teu caminhar a mim

Teu olhar, distanciar
Teus dias, minha euforia
Pelo pouco que colhia

São flores, são pés
Dias de outono, teimosia
Do barco que ancoro a ti.

(Edson de França)

sexta-feira, 17 de abril de 2020

SOUL

Danço em tuas mãos, morada do desejo
Vejo-me criança, ancião
Varão, fêmea.

Danço em tuas mãos, tocante arpejo
Beijo a boca, pés, mãos
Sou razão das notas…

E dos dias.

Danço em tuas mãos,
Ouço o trovejo, o matraquear
Sinto o arquear, o fim.

Danço em tuas mãos, sobejo
Realejo do tocador 
De destinos…

Em instantes meus
Danço,perplexo,  em tuas mãos.
Sou a imensidão

Folha entregue aos carinhos do vento 
E do tempo.

(Edson de França)

quarta-feira, 15 de abril de 2020

Ela, tu, sei lá o nome

A mulher, a pele
Branca, luz
Pelo, inverno, estação
Abrupto encanto

Amo-te pelo que escondes 

pelo espelho que te olha
Selfie, espécie
De se ver e evocar

O lábio ativo
(Sugestivos vermelhos, lápis)
Cabelos cor de chocolate

Do olho exposto acolho
O que vê, o que esconde?
Sugestão subliminar

Deve-se ler, tocar

A pele
Essa névoa.
Enlaça-nos
Com teu sutil enlear.

Móbiles

Pássaros vegetais
Ânsia de ser vivo
O peixe, também vegetal
Ao alcance e a salvo do bico fatal.

Para nós é cena
Acrobacia de matéria morta
Aplicada a elementos visuais
Pássaros, linhas, peixes.

É drama. Trama.
Teatro vivo
Motivado pelo silêncio do vento
Que brinca e atiça os elementos.

(Bar de Gilmar, Bancários, 28/02/2019)

(Edson de França)


segunda-feira, 13 de abril de 2020

Poema náufrago

Não assisti, 
senti a falta bem depois
Ele já não era material
Vaga lembrança, era,
Na não vida das memórias digitais

Se senti
Se entristeci, digo-te:
só perde para a partida de meus irmãos
E de alguns dias afetados pela gripe

Sei dele integralmente restaurado,
Rindo
Em um lugar outro a que não posso ir.

O poema naufragou
Tragado pela rede.

Restaram-me os destroços,
lascas de breu, pingentes
que compunham a carcaça frágil
Que amei amar
Enquanto paria.

NO MEIO

Fácil é se misturar a essa gente.
Nossa cara é a cara de muitos
Circunspectos, circundantes,
Caminhantes, pérolas, pingentes
Do trem que transporta sonhos,
Frustrações, medo sabe-se lá de quê
Jamais da vida espectadores
So disponibilidade para se jogar 
e se perder pelaí!

(Edson de França)