terça-feira, 4 de junho de 2019

O cronista quando pássaro



A poesia é a asa esquerda/ da liberdade que se deseja/ É só uma forma andeja, bissexta/ Que a todos julga encantar.

#2#

A pessoa que se dedica apenas a seus projetos de pessoais e aos cumprimento das obrigações sociais jamais entenderá o quê da utopia e do idealismo. É o caso do professor que vê (viu) na educação um vetor para sua ascensão particular e não como plano de transformação da sociedade.

#3#

Encanta-me a ideia da posse de um automóvel - o cavalo de plástico, ferro fundido e vidro - estar associado ao ideal de liberdade. Os publicitários e marketeiros não conseguiram traçar alusão melhor, fora das daninhas de luxo, a potência, a virilidade e o bom gosto.

#4#

Encanta-me mais ainda é que a liberdade facultada pela posse de um auto é física e psicológica. Duas dimensões que dão prazer. Contudo, essa sensação, tal qual prazeres outros, torna-se tênue e esvanece quando as condições financeiras e as imposições legais afiam a lâmina da guilhotina.
#5#

Para quem compra a mão de obra, mesmo pagando barato, esta lhes deve labor, dedicação, produtividade e obediência. São múltiplas as exigências para quem acredita piamente que está concedendo um favor e realizando um ato extremo de humanismo e piedade cristã.

#6#

Amigos de infância que viraram juízes. Pândegos da universidade hoje são advogados. Respeito a classe, mas não transito bem com agentes do direito. Desconfio que a maioria, como fiéis usam a bíblia, fazem uso das tábuas dos códigos para exercitar seus pré-conceitos e egotrips.

#7#

Pessoas dramáticas tendem a inverter discursos e situações. Assim atitudes covardes e mesquinhas podem naturalmente serem impostas como sinal de força e aguerrimento. Sinto muito, mas é assim que consumo pessoas e um certo país sulamericano. Por una cabeza.

#8#

Impressionante como no brasil as opiniões verdadeiramente equilibradas não recebem muito crédito. Prefere-se, por pura e preguiçosa comodidade, a voz dos "sensacionalistas" e parcionalistas da opinião. Tristes trópicos.
#9#

Um historiador e, dizem, professor, que tira onda de colunista na mídia. Star do colunismo politico mas, de vero, um embuste como todo o produto que, fabricado em série, almeja consumo rápido por incautos consumidores e, ademais, usou-se mão de obra barata para sua confecção.

#10#

Há tempos coleciono (de memória, claro) depoimentos sobre o mal comportamento dos brasileiros mundo a fora. Analfabetos e pobres não atravessam fronteiras. Pelas estranjas circula o "melhor" que o país pode produzir em termos de formação e posses. Estamos bem mal na fita.

por Edson França

Pios de passarinho molhado

Não sei se verei a próxima copa. 2022 prevê o calendário. Algum hecatombe mundial pode inviabiliza-la. Algum mal súbito pode fechar-me os olhos. No fim, tudo é incerto como os lances de um par de bozós!
#2#
Brasileiros, a copa acabou mas o sonho continua em brasa. Voltem a ler o livro, ver o filme, apreciar o poema; mesmo de escritores, cineastas e poetas menores. Voltem! Para isso há tempo, prorrogação e penalidades infinitas. Ainda lembram da página ou a cena em que os abandonastes?
#3#
Havia um sonho. Sonhos são quimeras. Bolhas de sabão que flutuam. Inteiramente frágeis. Naturalmente suscetíveis à tentação das agulhas, aos inesperados serpenteios do vento. Explodem. Depois, restam perguntas: para onde foi? O que farei? … Criem-se novas bolhas!
#4#
Li uma postagem sobre os podres de algumas personalidades que figuram na história humana como santas, revolucionarias, geniais, sensíveis e heróicas. Nada daquilo me surpreende. Foram humanos; essa forma errática em permanente (des) construção.
#5#
Evito paixões políticas. Procuro pautar-me por coerências políticas. Mesmo um antagonista aberto de minhas convicções ideológicas pode passar um governo inteiro sem eu nem reparar nas fuças dele: bastam-me as ações que beneficiem a maioria.
#6#
A Paraíba (ou será todo o país) sofre da síndrome do atraso. Apega-se tanto ao passado que pensa eleger um candidato cuja plataforma de gestão para a cultura é a ressurreição da Festa das Hortênsias. Gostava da festa, mas sinceramente…
#7#
Os jornalistas, sobretudo os que abusam da opinião mostram-se contraditórios em seus princípios. Agem como hienas políticas. Escarneiam os mais frágeis, cercam os poderosos para comerem os restos e só usam cruelmente da opinião quando essa não fere os seus interesses.
#8#
Os cabelos da juventude continuam rebeldes. Mais estilizados, podemos dizer. Só que os cuidados e o design demonstram mais conservadorismo que algum resquício de rebeldia que vá afrontar os costumes ou o sistema. Em verdade o Hair de ontem pode ser traduzido como RÉ. …de retrogrado mesmo, visse.
Por Edson de França – edsondefranca@yahoo.com.br

quinta-feira, 11 de maio de 2017

O barato do Sr. Cucaracha

O capítulo da saga dos predestinados pode reservar estórias para além da imaginação. Quando elas têm um pé no real, então a coisa assume tons surreais. Para começar, parece haver uma relação intestina – aleatória, claro, entre o nome de batismo ou sobrenome de descendência e a escolha de uma profissão. Em outros casos, o impulso das sociabilidades impõe contingências que se atrelam como um desígnio, uma traquinagem do destino com atos e manias do escolhido.
            São coisas do tipo: aquele ente que ganha no batismo o sobrenome Tiradentes e durante a vida acaba atuando profissionalmente como dentista. Ou então, o cara é premiado com o magestoso nome de Emérito Cornélio Simples e, na sequencia da vidinha besta, vira um senhor pacato, namora, noiva, casa e, naturalmente, como uma galhofa dos deuses do acaso, ganha portentosos cornos de brinde da vida. Predestinação pura.
São coincidências, como as coletadas pelo humorista José Simão, da Folha de São Paulo, entre elas: Elisa Metefogo (diretora de presídio); Gustavo Coelho (médico veterinário); Temildo das Trevas (chefe do Cadeião de Maceió); Fernando Cabide (vereador); José Carlos Aquino Velho (médico geriatra); Carlos Redondo (superintendente da Pirelli Pneus) e Giorgio Rabolini (médico urologista).
            O engraçado, porém, é quando o nome (ou sobrenome) em algum momento da trajetória dos eleitos possa ser traduzido em comportamentos contumazes ou instantâneos.  Partindo dessa premissa, é que utilizo-me do meu espaço crônico para narrar a estória do predestinado Barata. Guardem o nome e lembrem-se das manias ou modus operandi do indesejável habitante do planeta que ascende dos esgotos e insiste em compartilhar moradia com os habitantes, lambendo, na surdina, tudo que lhes pareça apetecível.
            Penso que conheci o Barata nos meus tempos de estudante. Era político já, na época. Por muitas vezes, o encontrei como candidato a algum posto eletivo. Ao que consta, jamais conseguiu ter direito a um mandato, nem como eventual substituto em caso de licença saúde de algum titular. Restou, creio, utilizar a experiência e o voto nominal dos incautos eleitores para ganhar ou galgar posições no serviço público, prática comum entre os políticos nanicos.
            Passei muito tempo sem vê-lo. Também acho que ele esgotou a cota de desejo de se tornar um parlamentar ou, em outra hipótese, talvez tenha conseguido o cargo e a consequente remuneração máxima que suas múltiplas candidaturas lhe possibilitaram. Encontrei-o dia desses em uma situação, se não hilária, no mínimo nauseabunda, que justifica integralmente a predestinação da persona.
Estava em um ponto de ônibus numa avenida movimentada de Subirauá, quando o vi se aproximar. Estava mais velho, meio manquitola e com um ar especialmente blasé; daqueles que já experimentam o doce alheamento que a loucura e a senilidade proporcionam. O Barata ia fazer a mesma coisa que eu; esperaria um ônibus que nos levaria a algum ponto daquela atraente urbe.
Mas enquanto permaneci em pé, o Barata tratou de arranjar lugar mais aprazível. Acomodou-se numa mesa de um bar próximo. Ficou por lá, cara de boi lavado, observando a vida ao redor. Já havia até esquecido que o tinha visto, quando um instantâneo me chamou a atenção. Vi o Barata pegar um guardanapo e limpar vigorosamente a boca. Seria natural, o dia estava quente, a testa sua, escorrem suores pela boca.
Porém, fiquei cá comigo imaginando, que parte ou complemento teria perdido daquela cena. Resolvi fixar minha atenção na figura e notei, em principio que na mesa só havia mesmo as garrafinhas porta temperos (abastecidas, claro), que servem para condimentar os pratos pedidos pelos clientes de fato. O Barata estava ali, de penetra. Um ocupante, vamos dizer, indesejado.
Se nossa expressão pudesse ser traduzida em holográficos emojis, usaríamos na hora, dois olhões arregalados para expressar, a minha e das demais testemunhas, diante da cena dantesca. É que o Barata começou pelo molho de alho, deu duas ou três mamadas na bisnaga, empertigou-se e usou o providencial guardanapo para limpar a prosbócide. Daí, foi à pimenta, dois três goles, língua nos lábios e, outra vez o guardanapo.
Caiu de boca no azeite e repetiu elegantemente o procedimento. Chegou a vez do vinagre, e lá se foi o Sr. Cucaracha satisfazer sua inspeção matinal dos alimentos. Pelo que vi, salivou todos os temperos, batizando-os. Acho que só faltou mesmo palitar a dentuça e devolver os palitos ao seu lugar de origem. Sei não. Pensei no cliente que viesse a ocupar aquela mesa na hora do almoço, e aprendi: em bar que tem baratas, melhor não fazer uso dos temperos disponíveis na mesa.
Por Edson de França     

             

Os piratas das esquinas

Terror dos mares. Assim ficaram conhecidos os piratas. Todos nós em um dia da nossa distante infância quisemos ser piratas. Andávamos encantados com as possibilidades (irreais, claro) de aventuras e paisagens e lutas de espadas e mosquetões e roupagens exóticas e pistolas e canhões e velas, mastros e terras a vista. Chegávamos a sentir os sabores do vento, da descoberta, das ilhas desertas, dos esconderijos, do manejo secreto dos mapas do tesouro, dos segredos guardados a sete chaves, do encontro ocasional de riquezas. Creio que só não sabíamos do gosto do rum na época.
Crescemos e o desejo naturalmente se diluiu; aprendemos a ver a vida sem mais sabores de aventura, nada além da paisagem cinzenta da prisão da rotina e do cotidiano sem luzes ao fim do túnel. Penso hoje, depois de grande, falido e besta, que as crianças é que estavam certas. Era melhor sonhar de olhos abertos e horizontes para além da vista. A milhas de distancia dos cartões de crédito, livros e cartões de ponto, remuneração pífia e olhares atravessados dos chefes. Lá, no imaginário, sempre havia um tesouro a ser conquistado.
            Entre os fins do século XVI até o século XVIII piratas, corsários e bucaneiros saqueavam as potências da época, particularmente atacando os navios daquelas que mantinham colônias ou postos avançados de comercio na região caribenha. Cabe dizer que essas potências carregavam o pecado de, em nome do expansionismo colonialista, dizimarem populações nativas inteiras para roubar o ouro, a madeira, o marfim e a força de trabalho, escravizando-a.
            O pirata, portanto, seria, numa leitura inimaginável para nossas consciências naqueles dias, um herói ante o imperialismo e a politica de saques promovida pelos donos do mundo. Para nós era um individuo de atitudes heróicas e pronto. Creio que sobreviveu no mais intimo de nós essa visão. Na sequencia holywoodiana Piratas do Caribe (EUA, 2003/2017) todo mundo torce para que o pirata histriônico Jack Sparrow (Johnny Depp), se não vença, pelo menos escape das investidas de seus inimigos no filme. Ou, ainda, na melhor parte humilhe-os, passe-os para trás ou deixe a nu suas faces despóticas.
            Os mares do nosso cotidiano, hoje, são as populações urbanas, o rebanho indócil e consumista que invade as ruas. Pelas esquinas da cidade, hoje, o pirata é o produto - cd’s e dvd’s, quinquilharias da china, roupas e acessórios que imitam as marcas famosas e toda sorte de produtos de origem duvidosa. Quem vende seria uma espécie de marginal, um fora da lei que negocia bens produzidos à margem do sistema convencional, ou seja, na ilegalidade. Resta dizer, porém, que o preço praticado pelos ilegais cabe direitinho no bolso dos pobretões, ou seja, atendem às limitações financeiras de uma porção da população que deixam lascas de se precioso couro no chicote sutil da exploração moderna.
            No lado oposto, a propaganda me pede desesperadamente, apelando para o meu senso de cidadão, para não adquirir tais produtos. Falam da qualidade e da minha contribuição para o mundo do crime, estabelecem uma relação direta entre o trafico de drogas e de pessoas e o comercio informal. Penso. Essa é apenas mais uma estratégia de deslegitimar, criminalizando evidentemente, esse comércio, não?
Ao mesmo tempo, a tal propaganda ainda quer me convencer que todo o lucro das grandes empresas, dos conglomerados multinacionais, é integralmente conseguido de forma lícita, legal e gera benefícios para a coletividade, para o país, para o distante subúrbio onde moro, para os irmãos que dividem as senzalas urbanas saltando de busão em busão. Para os marginais, os invisíveis, os sem carteira assinada, os sub-empregados de toda ordem, os explorados em sua força laboral que não percebem (nem tem como perceber) a sutileza brutal da exploração em que estão enredados.
Poupem-me. A logica não é essa, compadres. Quando tivermos empresas que paguem bem, enxerguem verdadeiramente o lado humano, invistam na sociedade, na educação e no meio ambiente paro de adquirir produtos piratas ali na esquina. Por enquanto, ainda acredito que a criança em mim tem razões para embarcar na nave pirata e expurgar, mesmo que por pirraça, a lógica que me induz a adquirir produtos de marca tal ou qual, aquela que jamais me dirá como foi produzida e que marca de chicote utilizou para “incentivar” a produção. 

por Edson de França

Forro de gesso e guaraná

Subíamos uma região íngreme quando, logo depois de uma acentuada curva, surgiu a placa. Era uma dessas placas de publicidade populares composta em letras retas e uma seta, dessas que geralmente indicam para uma imprecisa direção. A localidade era meio erma. Como dissemos enladeirada. O barro vermelho vincado por veias abertas pela descida das águas de chuva e uso doméstico. Algumas casinhas geminadas típicas de subúrbios ou povoados do arrabalde compunham a paisagem local. Talvez a coisa mais atrativa ao olhar ali fosse justamente a chamativa placa e seu reclame.
            Notei que os olhos do parceiro de aventura quase saltaram das órbitas ao vê-la. “Ôba, óia só, um forró!!! Mais tarde, quando nóis se desocupar, vou vir aqui pegar umas ‘nêga’, exclamou sorridente. Acusei imediatamente o engano do colega, mas não o resgatei do erro. Não quis tirá-lo do estado onírico que antecipava prazeres no FORRÓ DE GÉSSO (penso que a sonoridade soaria como se a palavra fosse escrita com Ç, portanto Geço). Confesso que ri por dentro, deu vontade de alertá-lo, mas me contive e seguimos viagem.
            O português para quem os linguistas requerem o rigor e o purismo das formulas do bem falar e escrever e os poetas denominam de espada para a luta inglória por dar sentidos e traduzir sentimentos é a mesma que, poeticamente, o povão reinterpreta e a faz viva e dinâmica. Em qualquer dos casos ela em realidade se mostra como uma lamina de dupla face com gumes amoladíssimos.
Se por um lado ela serve eficientemente com o instrumento básico da comunicação humana, não importando como seja usada nem em que nível, por outro, é uma caixinha sempre disposta a pregar peças, turvar compreensões e macular interpretações. Além disso, é pródiga em gerar mal entendidos, facilitar o duplo sentido e, como no caso acima, induzir a interpretações livres, apressadas e, na maioria das vezes, risíveis.
            A placa dizia formalmente em um português claro para os padrões da comunicação urbana: “Indo naquela direção você encontrará FÔRRO DE GÊSSO” (Forro de Gesso). Intencionalmente reproduzi a o enunciado da placa ressaltando os diferenciais que não lembro se haviam na original.  Acentos diferenciais no caso fariam a diferença gigantesca.
Para o lúbrico amigo o que saltou a vista, entretanto, foi a possibilidade de desfrutar de alguns momentos de libido com as meninas do tal forró de Gesso. Creio que até hoje ele vasculha aquelas bandas a procura do tal forró e suas voluptuosas negas.     
HxHxHxH
O bilhetinho, tipo ordem de serviço informal para o emissário que iria a barraca de Xará buscar o lanche da tarde para a rapaziada da Livraria era objetivo e claro.
2 coxinhas (uma de frango e uma de carne)
6 pães queijo
2 esfihas
1 guárana pet de 2 litros
Alguém, no entanto, antes do bilhete evaporar do recinto, chamou a atenção do redator da missiva gastronômica.
- O acento agudo desse guaraná aí não está errado não?
- Ah, é mesmo. Vou consertar, imagina se alguém mais vê!
Sacou a caneta e consertou, solfejando em voz alta todas as silabas.
- 1 guarána pet de 2 litros.
Chamado atenção mais uma vez, mais desculpas, “affi, tô morto de vergonha”. Sei que, acentos e desacentos depois, a palavra acabou saindo da livraria corretamente acentuada e o redator, talvez, um pouco mais atento para as armadilhas da ortografia.  
A história, claro, é que não podia morrer ali. Virou piada entre os pares e extrapolou os limites do ambiente de trabalho. A testemunha ativa do episódio incorporou o episódio ao seu arsenal de potocas. Não sabendo, porém, que a história ainda poderia render mais um capitulo xistoso.
A expectativa comum a todos os contadores de estórias – mesmo os instantâneos pessoais verídicos – é ver a cara de lua do expectante abrir-se num sorriso largo e  desague numa suculenta gargalhada. No presente causo, a expetativa não se confirmou, ou melhor, foi danada de desconcertante.
- E guaraná tem acento? – perguntou um aparvalhado ouvinte.
Coisas do nosso português.

Por Edson de França



quinta-feira, 7 de julho de 2016

Inusitado desencontro na rede

Uma contava por volta dos 16, 17 anos. A outra engatinhava pelos cinco, seis anos. A diferença de idade, contudo, as aproximou. Primeiramente como uma espécie de adoção materno-filial de total consenso entre as partes. A diferença também não representou empecilho para que nascesse dali uma amizade, um pacto de atenção e proteção com todos os prenúncios e promessas de vida longa.
            Aí vieram os tradicionais enlaces sociais que acabaram rendendo um batizado de fogueira e, a partir dele, o estreitamento dos laços, desta vez até com uma forma de tratamento carinhosa. Tal afilhada, tal dinda. Depois, a participação na vida também se estendeu a testemunha e madrinhato do casório. Só faltou mesmo o apadrinhamento do primeiro rebento para selar os compromissos.
            O distanciamento, porém e em virtude das andanças e desencontros, afazeres e escolhas da vida, foi se estabelecendo. Mas, essa determinação da vida é dada de forma tácita. Afastamo-nos naturalmente dos amigos e familiares. Não nos afastamos por desavenças ou abandono, mas por injunções da vida corrida que vai canibalizando os laços e afetos.
            Mas, se a proximidade não era uma constante, a chama mantinha-se acesa e os avistamentos esporádicos e mais a energia que fluía à distancia fazia crer que a velha amizade cumpria os legados de longevidade e parceria cúmplice. Tudo ia bem e até aparecer, bem em meio a bela amizade, a raiz dos contatos, das malversações e das intrigas modernas: a rede social.
Nos tempos que correm é sempre surpreendente reencontrar amigos, fazer novos e estabelecer contatos diários com pessoas de perto e até de longe do conhecimento presencial. As velhas amigas se reencontraram numa busca casual por um dessas ferramentas básicas de exibição e comunicação e, também, como um ingrediente mavioso de contatos imediatos. À força de um simplório click todas as distâncias parecem ser superadas.
Acontece que para estar na rede o tempo todo é preciso desocupação e ter a disposição um bom suporte de internet. Sem isso, muitas palavras direcionadas a outrem podem ficar vagando no limbo ou só serem vistas em situações favoráveis. Mesmo sendo nossos smarts suficientemente promíscuos, do tipo que se deitam em qualquer rede, nem sempre temos o tempo e a habilidade de ver toda verborreia que nos enviam diretamente ou que nos interessam de alguma forma. Imagine, então, responder a todas.
Uma das amigas da estória – presumivelmente a mais nova – passava horas na frente da tela mantendo contatos com deus, o mundo e a madrinha. A dinda, porem, não estava a disposição da rede todas os minutos necessários para receber e responder os petardos da amiga. Nem, muito, menos dispunha de um suporte full time de internet. Tudo compreensível para quem desembarcou na atualidade diretamente da era das cartas e carteiros. Mas, para quem parece ter nascido na era da máquina, a falta de atenção contingencial soa como uma afronta. Uma dessas de romper enlaces e provocar brigas.
Não sei se essa anomalia atende por um nome, mas se coubesse um diria ser a síndrome da mão única, uma patologia moderninha. Algo semelhante à mão estendida que não encontra o cais seguro de outra mão para ancorar. Ou pior, a saudação que não encontra eco a chamada desesperada que não cata um interlocutor. A frustração pela perda da palavra emitida, nos casos mais graves, pode gerar acessos de ira extrema, com capítulos tragicamente hilários de torrentes de impropérios e tomadas bruscas de satisfação e chamadas ao terreiro com a faca entre os dentes.
Ou seja, a não resposta passa a figurar como uma descortesia a mais no repertório dos contatos e laços sociais.
Foi em um desses acessos que a afilhada, após alguns petardos perdidos, perdeu a compostura. Armou-se com o supra sumo do seu repertório de baixarias e ressentimentos, redigiu longa missiva e clique-se: mandou um spit fire virulento para quebrar todos os resquícios da velha amizade. A intenção, ao que parece, era não deixar nem os caquinhos da afeição.
Não sei precisar se alguma coisa sobrou da amizade. Se da estrutura longamente construída restou algum migalha de respeito. O que sei é que, pela virtualidade se constroem amizades e, ironicamente, através da incompreensão humana sobre a carência informática do “outro”, o esfacelamento das amizades está ali. A ridícula distância de um desumano, judicioso e gélido click.
por Edson de França        



 



quinta-feira, 2 de junho de 2016

A gente não quer só comida!!!

A discussão que se seguiu ao intempestivo desaparecimento do Ministério da Cultura atraiu-me por alguns posicionamentos. Pontos esses que não se apaziguaram em mim nem com o súbito reaparecimento do mesmo.  Primeiro, a comemoração que se seguiu por parte superlativa dos apoiadores do governo interino como se o ministério representasse um sumidouro voraz de recursos, ações escusas e investimentos fúteis e, segundo, a malhação raivosa dos artistas sob os apupos de “vagabundos” ou aproveitadores infiéis dos recursos públicos. Pensei, cá com meus botões, no teor das ideias que poluem a cabeça dessa gente e de que fontes elas se alimentam.
Primeiramente, sem entrar no mérito da imprescindibilidade (ou não) de uma pasta voltada a cultura, acho extremamente ignóbil uma pessoa que se passa a denegrir a arte e os artistas. Penso seriamente que isso revela uma mentalidade de classe que vê inutilidade na produção cultural por não entendê-la (afinal, para isso tem-se que ter capital, pasmem, cultural) e que vê no investimento na cultura um desperdício.
É o caso, por exemplo, de uma excelência oligofrênica, representante de uma legião demoníaca (que por aqui é partido), que vi na Tv que, durante uma sessão do senado, demagogicamente (isso se lia na carantonha), dizendo que os investimentos da Cultura deveriam ir pra saúde (tudo bem ele tinha cara de burro mesmo!).
Penso que esse ódio assim destilado é uma particularidade da elite brasileira que já identifico a uma porrada de tempo. Nossas elites dirigentes tem a cultura como um bem a ser exibido como souvenir. Então é mais fácil para eles irem à Europa e voltar regurgitando “cultura” e exibindo fotos e fatos dessas incursões do que perceber que “produção cultural” não se faz só com vontade, talento e voluntariado. A mesma coisa que se dá em termos de educação, níveis de civilidade e urbanismo.
Fala-se das praças maviosas da Europa, da educação e civilismo dos americanos. Decanta-se as ruas limpas, a integridade dos monumentos públicos, a excelência das universidades, os níveis elevados de avanço científico, da introdução dos avanços tecnológicos na vida cotidiana, dos avanços sociais e da participação do povo na vida pública, do nível cultural e artístico das bandas de lá e por aí vai.
Por aqui, entretanto aplica-se outra lógica e nada do que se vê e idolatra-se lá fora parece merecer uma versão tupiniquim. Copia-se, isso sim, os modismos descartáveis, mas tem-se dificuldade de perceber a ação estratégica que seria investir em bens culturais mais permanentes. E esse é o mal dos postos de mando que, infelizmente, são ocupados por entes oriundos de famiglias cuja mentalidade não ultrapassa os limites do corolário de crenças de sua classe e descendência. Usa-se quase sempre o discurso de tarefa difícil e de povo indócil demais, sem a mínima sensibilidade para essas coisas.
A cultura, como deu a entender dia desses um senador gagá daqui de nós quando interrogado sobre seus planos para cultura, seria a revitalização de festas démodé de padroeira e quermesses. Uma prova cabal que de cultura, nossos políticos não entendem nada. Para a maioria cultura se faz com mulambos, migalhas assistencialistas e amadorismo, tipo as pecinhas montadas em escolas de ensino fundamental por diligentes professorinhas.
É impossível gente desse nível de mentalidade perceber o universo educativo, socializante, formador, participativo e financeiro do mundo das produções culturais. De como ele faz circular significativos valores econômicos e de como através da circulação de bem simbólicos e bem produzidos garante-se o deslocamento de pessoas e o consumo nos centros de excelência cultural.
Não vou afirmar, me repetindo, que um ministério da cultura seja tão indispensável. Não saberia avaliar isso. Mas não é entendo é um país que tem carências em todos setores da Cultura, desde a manutenção dos monumentos históricos até a circulação e disponibilização do acesso aos bens culturais, possa prescindir de especialização e especialistas dedicados a esse setor e, muito menos, que artistas sejam considerados vilões numa estrutura que eles só ajudam a entender e criar níveis de criticidade bem maiores.
Não quero afiançar que não haja distorções. Claro que há, como em todos os setores da vida brasileira – políticos e de administração pública, sobretudo. Mas, se é para discutir distorções, abramos a caixa preta da máfia branca, por exemplo, e de como ela se locupleta, por séculos, dos favores públicos, inclusive saqueando o sistema. Se vamos nessa direção, que façamos Raios X geral e irrestrito para localizarmos onde moram os vagabundos. No mais, aproveite o tempo desperdiçado na dificílima tarefa de elaborar um discurso falacioso e vá ao teatro, ao museu, assista uma manifestação popular, vá a uma feira livre para ouvir o cantar dos chapeados, leia um livro, ouça uma canção, entenda-a e reverencie a alma criadora.

por Edson de França